Cartas 02
- Os nomes nas cartas foram substituídos por suas
iniciais a fim de preservar a identidade dos participantes da pesquisa.

De: A.K.
Para: C.M.
Querida C.M.,
Tenho
muito prazer em te escrever. Fiquei muito entusiasmada ao ser escolhida para
participar desta cadeira. A cada dia que passo, me envolvo com o assunto
inclusão e procuro ler e aprender à medida que descubro novas informações para
minha pesquisa.
Estou lecionando
desde 2001. Na verdade, fiz Magistério, mas naquela época (1987), 16 anos,
imatura, fiquei muito insegura para fazer meu estágio na famosa Vila Farrapos.
Filha única, pouco saía de casa, não tinha vivência junto às vilas, junto à
pobreza, apesar de ter uma vida simples. Fiz então, Administração de Empresas e
trabalhei até 2003 na área administrativa.
Acredito
que muitas vezes, nosso destino fala mais alto que nossa vontade. Somos
induzidos a tomar decisões que nos levam ao nosso rumo certo, a nossa missão
verdadeira e única. No meu caso, senti que faltava algo, que nada era
suficiente para me fazer feliz no meu trabalho. Troquei várias vezes de setor,
de ramo, mas depois de um convite, em função do meu curso de Inglês, fiz minha
inscrição para os contratos do estado, onde estou até hoje. No início, tudo era
novidade. E como era uma escola somente de Ensino Médio, poucos problemas
apareciam, além da violência cotidiana.
Quando
comecei a tomar consciência da realidade escolar, estava trabalhando em outra
escola também, e isto foi essencial para a transformação da minha pessoa em
“professora” na vida do Magistério. Aos poucos, os problemas foram aparecendo,
a supervisora apresentando e comentando-os de acordo com cada especificidade.
Minha atenção era total. Uma, porque ela sabia muito e eu queria aprender,
outra porque aqueles problemas um dia poderiam chegar a mim, se já não estavam
a caminho. Cada aluno, sua vida, seus problemas, suas verdades e seu modo de
aprender faziam da minha experiência um nada no meio de tudo. Mas fui em
frente.
Quando
comecei a trabalhar com alunos incluídos, não tinha conhecimento das leis, da
maneira mais adequada de tratar do assunto, do processo de ensino-aprendizagem
e tantas outras coisas. Eu apenas estava lá na frente da turma e o aluno ali me
esperando, me analisando, me observando. Isto me gerava um pânico, um
sentimento de vazio, de incapacidade, de frustração. E a escola? Deve estar
perguntando! Dela nada recebi formalmente. Nem eu, nem ninguém dali. As
orientações eram superficiais. Baseadas naquela situação de que como não há
estrutura, não há o que fazer. Isto me incomodava. Comecei a conversar com
pessoas de fora para buscar informações. E aos poucos fui encontrando o
caminho.
Diante
dessas primeiras experiências, podemos notar que as coisas realmente acontecem
muito devagar neste sentido na rede pública estadual. Naquela época nada sei
sobre a rede municipal. Lembro que minhas colegas, que também eram do
município, nada tinham a acrescentar sobre a situação, quando ela aparecia.
Hoje, as coisas mudaram – um pouco. Dependendo da Coordenadoria de Educação
(estado), há um departamento que trata disto, disponibilizando cursos de
formação, orientações, professores itinerantes, bibliografias e contatos para
que as escolas e professores possam buscar informação e formação, podendo assim
atender aos alunos incluídos com mais qualidade. O governo federal também está
disponibilizando cursos e material para a composição de uma sala de recursos,
onde podem ser atendidos alunos com diversas especialidades.
Esta
situação nos mostra uma mudança muito positiva diante do poder público em
relação à inclusão. Antes a ordem era integrar o aluno especial. Assim, cabia à
escola proporcionar meios para que qualquer aluno NE tivesse a oportunidade de
aprender como permanecer naquele ambiente e promover seu relacionamento e
integração com a comunidade escolar onde frequentava. Atualmente, o foco mudou
e temos a inclusão, onde a escola tem que se voltar para os alunos NEs e
procurar atendê-los da melhor maneira possível, sempre respeitando suas
limitações. Assim, cabe a cada educador, diante de seus alunos incluídos,
organizar seu planejamento de acordo com as condições de cada um e ainda fazer
as avaliações pertinentes, dando ao aluno um conceito sobre sua performance
dentro daquele trabalho realizado. Os alunos incluídos estão mais esclarecidos,
assim como suas famílias. Os projetos de atendimento ao jovem trabalhador
também estão recebendo e treinando jovens incluídos, buscando-os na escola.
Parece que mais portas estão se abrindo para estes adolescentes que vivem no
silêncio do mundo e que sonham com oportunidades.
A
Medicina também está colaborando para oportunizar às pessoas surdas e com
deficiências aduditivas novas tecnologias e novos tratamentos para que haja uma
esperança de ouvir. ONGs movimentam-se para orientar jovens, crianças e adultos
– a família como um grupo – para estas novidades. As pessoas estão querendo
melhorar, estão acreditando nas mudanças. A nova geração está mais disposta a
virar este jogo. Porém ainda há muito trabalho, muitas coisas ainda precisam
mudar para que realmente a escola seja inclusiva em sua totalidade, para que
ela atenda as necessidades de um aluno surdo ou deficiente auditivo e para que
ele consiga aprender em sua plenitude, utilizando toda sua capacidade
cognitiva.
Digo isso
porque muitos alunos surdos são alfabetizados pela Língua Portuguesa e
seguem sua vida assim. Os professores fazem um currículo
adaptado, retirando detalhes que consideram desnecessários ao surdo ou que
talvez ele não consiga aprender. Não há um ambiente que promova a comunicação
entre os colegas e o surdo, onde ele possa expor sua opinião e seja entendido e
respondido. Mesmo os PCNs e toda a manobra que o MEC tem feito para que haja
mudanças na teia curricular das escolas, não é suficiente. Na verdade, eu
entendo que as Licenciaturas que o Brasil tem hoje a oferecer (em sua maioria),
não dão condições de aprendizado aos educadores sobre a cultura surda. Abaixo
de obrigação (Lei) as universidades colocaram “guela abaixo” uma disciplina
chamada Educação Inclusiva que no final das contas não ensina nada. Basta ler o
material para notar que é teoria pura para responder questões em prova. Não é
assim que as coisas tomarão novos rumos. Se as pessoas formadas para ensinar
não têm condições para isso, como é que os alunos surdos receberão a instrução
necessária para desenvolver seu senso crítico, suas habilidades de raciocínio,
sua agilidade mental? Noto que há uma confusão: o aluno surdo poder ter até
altas habilidades. Qualquer aluno surdo poder realizar todas as atividades que
um aluno ouvinte dentro da escola. Mas é preciso que desde cedo ele esteja
envolvido no processo e sinta-se à vontade para produzir, aprender e ensinar,
repartir e até ajudar seus colegas.
A escola
pública ou privada ainda não está preparada para incluir. Na escola pública,
não há recursos humanos capacitados nem espaços ideias para o aprendizado. Nas
escolas particulares, onde os custos são priorizados, não há investimento neste
setor. Geralmente há as famosas adaptações e as coisas vão sendo empurradas,
até que os pais resolvam transferir o aluno para algum outro estabelecimento
onde o atendimento seja mais direcionado.
A lei
protege, mas não resolve nada. Como disse o professor Dr. Fernando em sua
entrevista, não adianta ter um intérprete se ele não fará a comunicação ideal
entre as partes. Se observarmos a
criança surda podemos notar que se ela não ouve, então suas informações são
absorvidas essencialmente pela visão. Cabe então, direcionar nosso planejamento
a fim de atender este canal de aprendizado, valorizando o que o aluno vê e como
ele vê. Mas como o professor vai saber disto e melhor, como ele vai fazer isto
se seu conhecimento sobre a cultura surda é muito pequeno? Como a família pode
ajudar a escola a melhorar esta relação? Acredito que em cada secretaria de
educação municipal deveria haver (em Guaíba eu sei que tem) pessoas capacitadas
e desempenhando esta função de detectar e orientar alunos e familiares de
acordo com suas necessidades.
Acredito
que estamos evoluindo muito neste espaço de necessidades especiais. No campo da
religião, por exemplo, há comunidades (igrejas, templos) que oferecem seus cultos,
missas em LIBRAS. A própria congregação ensina a Língua de Sinais para que
todos possam ser atendidos. Mesmo que neste trabalho haja segundas intenções,
como dizem, o importante é que mais pessoas estão sendo atendidas e que o
trabalho que comunicação está acontecendo.
Fiz dois
cursos EAD na UFRGS para trabalhar com
as TICs. Gostei muito e utilizo algumas. Acredito que poderia fazer muito mais
se o Governo do Estado estivesse disposto a oferecer aos professores
capacitados a oportunidade de desenvolver projetos dentro da escola para
atender os alunos especiais. E agora me lembrei que há outro problema: as
escolas, em sua maioria, não tem orientadoras. Os alunos com ou se laudo são
pouco acompanhados e seus professores pouco orientados. As bases teóricas, os
questionários, as linhas de tempo para acompanhar o desenvolvimento do aluno,
os atendimentos, nada disso é tratado com cuidado máximo que deveria. Muitos
estão sendo atendidos junto com os outros. Não há como atendê-los melhor. O
sucesso de cada um depende do nível de organização que cada escola tem. Na
escola que trabalho, temos alunos deficientes auditivos e com debilidade, onde
eles são acompanhados, tem orientação, nós somos orientados, mas não há o apoio
do governo em relação a orientador e sala de recursos e recursos humanos para
atendê-los pelo menos uma vez por semana.
Não sei
se falei tudo que deveria falar para combinar com o assunto em destaque, mas
comentei muitas das coisas que me angustiam na vida escolar das pessoas que não
ouvem e não são bem atendidas. E o pior de tudo é que existem pessoas que
gostariam de ajudá-las (como eu), mas estão impedidas burocraticamente (ainda).
Sou uma professora contratada para lecionar Inglês e tenho que me limitar à
sala de aula. Na verdade eu queria mais. E estou buscando este mais.
Beijos
E até a
próxima aula. A.K.
Para: L.S.
Olá colega!
Meu nome é A. Sou professora em uma
escola de surdos da rede municipal de Porto Alegre e mestranda em educação,
orientanda da professora Adriana Thoma. A minha pesquisa está muito vinculada à
proposta desta carta: impactos e movimentos que as políticas educacionais e
linguísticas para surdos provocam nas escolas. Estou pesquisando sobre como os
discursos presentes em cursos de formação para professores de Atendimento
Educacional Especializado constituem os professores de surdos que irão atuar
com estes alunos nas escolas comuns.
Tenho percebido, a partir destes
discursos e de outras pesquisas que tratam sobre a formação do professor de
surdos, alguns deslocamentos na prática deste profissional, bem como nas formas
pelas quais o sujeito surdo é representado pelos discursos da educação. O
professor que deve atender estes alunos no turno inverso ao da escolarização,
passa a ser o articulador de práticas que devem convergir para a participação e
aprendizagem destes alunos nas escolas comuns. Está vinculado a ele o ensino da
LIBRAS, no sentido de acessibilidade aos conhecimentos veiculados pela escola.
Isto me faz pensar que a LIBRAS é considerada, pelas propostas inclusivas,
muito mais um recurso de acessibilidade do que a língua de uma minoria.
A escola que trabalho, por exemplo, é
uma escola para alunos surdos e nossos esforços têm sido no sentido de garantir
que a LIBRAS realmente seja a primeira língua. Pensamos e trabalhamos para que
a nossa escola possa ser um espaço de circulação de culturas, principalmente a
cultura surda, e que identidades sejam fortalecidas por meio de experiências e
manifestações culturais.
Porém somos constantemente atravessados
pelos discursos das políticas educacionais inclusivas para estes alunos em
escolas comuns da nossa rede, o que nos leva a refletir e discutir sobre nossas
propostas, procurando, no coletivo, afirmar nossas posições e representações
sobre os surdos. Por exemplo, muitas vezes somos questionados quanto à LIBRAS;
quanto ao fato de não investirmos na oralização destes alunos e na sua inclusão
em escolas comuns; ou ainda na não orientação às famílias em relação ao
implante coclear.
Creio que estas questões sempre
perpassam a educação destes sujeitos e a ênfase em uma ou outra prática vai
depender de tempos, espaços e formas de representação diferentes. Apoiar-nos
naquilo que os próprios surdos dizem sobre a sua educação é uma estratégia que
temos adotado no momento de definir os rumos para a educação de nossos alunos.
Acho que este é um caminho coerente, e que nos oferece segurança para
trabalhar.
Sei que tu trabalhas na escola São
Mateus (estou certa?). Gostaria muito de saber como vocês têm vivido estas
experiências e como as políticas educacionais e linguísticas para alunos surdos
têm movimentado as práticas na tua escola.
Bem, ainda não tivemos oportunidade para
conversar. Talvez esta carta possa nos aproximar um pouco e possibilitar que
continuemos discutindo e trocando memórias, experiências e narrativas sobre a
educação de surdos que fazemos todos os dias.
Um grande abraço para ti, A.
Para: B.A.
Olá,
B!
Que
bom você ser a escolhida para eu endereçar a ti uma carta.
Fomos
colegas numa turma pioneira em Letras/LIBRAS e dois anos depois estamos aqui
estudando juntas outra vez. Isso é um grande prazer pois indica que talvez
busquemos algo em comum!
Esta
carta mostra as minhas palavras respondendo a seguinte questão: Políticas educacionais e lingüísticas para
alunos surdos: que impactos e movimentos provocam nas escolas?
Assisti
os vídeos propostos pela professora, escolhi ver a entrevista com o Capovilla e
o movimento do Setembro Azul, e pensei o seguinte:
Antes,
quero expôr a minha opinião sobre estes vídeos. Eu fiquei admirada, mexeu
bastante comigo renovando esperanças de uma educação melhor baseada na verdade.
Quando terminei de ver a entrevista, eu queria muito poder abraçar o Dr.
Capovilla e agradecer por esta magnífica explicação. Ele, com certas palavras,
explicou claramente sobre o que é melhor para o Surdo. Sei que as palavras não
são dele e sim do resultado da pesquisa, mas expor isso em público é o que mais
aprecio. E também queria abraçar todas as pessoas envolvidas no movimento, cada
um contando sua história, seus argumentos, esperanças. E parabenizar aos
intérpretes também por ter feito uma parceria!
Agora,
voltando à pergunta: Políticas educacionais e lingüísticas para alunos surdos:
que impactos e movimentos provocam nas escolas? Achei difícil responder esta
pergunta através de carta, prefiro que seja numa conversa porque é muita coisa
entrecruzada.
Primeiro
vou mostrar um pouco, pelo que tenho de conhecimento sobre politicas
linguísticas e politicas educacionais para alunos surdos.
·
Politicas linguísticas defendem o
bilinguismo educacional onde os alunos aprendem através da língua de sinais.
·
Politicas educacionais, no momento,
defende a inclusão de todos alunos que pertenciam a Educação Especial, e então
os alunos ficam em sala regular e recebem o AEE (Atendimento Educacional
Especializado) no turno oposto. No AEE é onde tem a língua de sinais e os
surdos são vistos como deficientes.
Impacto,
essa palavra, pelo que entendo, pode significar ou influência ou choque.
Nunca
trabalhei em escolas, mas sendo parte da comunidade surda, eu observo e discuto
com as pessoas ali envolvidas no movimento pela educação bilíngue e consigo ter
uma idéia. Não somente na comunidade surda mas também no meio acadêmico onde
tenho muitos colegas que também são professores. Acrescento nesta lista os
alunos que serão professores e já compartilham comigo as dúvidas sobre
inclusão.
Creio
que não há muito impacto diretamente na escola e sim nas pessoas envolvidas com
a escola ou pessoas que trabalham para/na escola.
Política educacional
Esta
politica é boa para “todos” como se fosse salvar a sociedade, acolhendo todos
tipos de pessoas, ou seja, pessoas diferentes, com a idéia de diminuir o
preconceito, aprender a conviver com os diferentes. Até existem professores que
dependendo da sua formação, acreditam e fazem valer seu trabalho pedagógico.
Em
minha opinião, o governo precisa ter uma lupa melhor para olhar e ter noção do tamanho
do Brasil e de como governar de verdade. O governo também tinha que ter
aparelho auditivo para ouvir “todo mundo” e trabalhar como professor por 4
anos. Mas isso tudo não adianta agora.
Pronto,
teve impacto positivo para as escolas regulares (nem todas) e mais positivo
ainda para o MEC onde só se baseia nos gráficos, estatísticas, pois conseguiu
provar que teve aumento do numero de matrículas. Mas é claro que, com poucas
escolas especiais, muitas famílias preferem deixar os alunos perto de casa.
O
impacto negativo, pelas conversas, é o professor encontrar dificuldades de
lidar com pessoas diferentes, trabalhar com métodos diferentes, tudo ao mesmo
tempo numa mesma turma de alunos, o que prejudica a qualidade no andamento das
aulas.
E
que impacto e movimento esta politica provoca para os surdos? Revolta!
Os
surdos não se consideram deficientes. E nem imaginam estar numa sala de aula
cuja professora não tem fluência na língua de sinais. Também faltará relação e
interação com colegas em sua própria língua. E teria currículo alterado
adicionando a disciplina língua de sinais e outras relacionadas a ela? Ao invés
de crescer da sua condição de diferença surda, crescerá como deficiente. E há
vários outros itens também para discutir.
Politica linguística
De
modo geral, a língua de instrução neste pais é língua portuguesa brasileira,ok,
ok. Mas quando falo de politica linguística para a educação de surdos, é a
LIBRAS.
É
na língua brasileira de sinais que os alunos aprendem. É através desta língua
que tem como base para aprender a língua oral (portuguesa) escrita.
O
currículo da escola de surdos é o mesmo da escola regular mas tem algo a mais:
a língua de sinais, a literatura surda, história surda, etc... tudo isso para
colaborar na constituição da subjetividade/identidade surda.
E
o impacto, movimento? Aí sim, provoca nas escolas regulares, cobrando a
qualidade de educação, intérpretes profissionais, professores surdos, alteração
do currículo “ouvintista” para surda, etc
Difícil
é escrever esta carta, prefiro sentar para conversar, debater, discutir,
refletir. Eis outros impactos e movimentos que posso mostrar agora para pensar.
Imagine que a diretora da escola regular/inclusiva, sem ter conhecimento sobre
Surdos cultural, pode ficar perdida com as informações presentes, fortes e
contrastantes. São essas: a informação do MEC sobre inclusão de deficientes com
AEE e a do Movimento Surdo pedindo escola bilíngüe. Mas não só perdida, pode
acontecer também de haver resistência por causa da sua crença na pedagogia
inclusivista. Resumindo: tudo depende. Depende da pessoa, com sua formação,
discurso, crença, experiência, etc.
Mas
tenho as minhas perguntas:
Os
professores surdos vão trabalhar como e aonde? As provas dos concursos serão
adaptados para a língua de sinais? Os alunos vão ser privados da língua de
sinais plena e se tornando deficiente ao invés de Surdo?
Nos
interiores onde tem poucos surdos, é viável que tenha sala especial para surdos
dentro da escola regular? Ou o AEE se transforma como sala completa para os
Surdos?
Caso
o movimento pela educação bilíngue continue sendo negado, seria bom os surdos
se movimentar pedindo a permanência da educação especial como estratégia? Já
que a estrutura da educação bilíngue é quase o mesmo que existem nas escolas
especiais para surdos de hoje.
Engraçado
é o MEC assinar, liberar, movimentar coisas sem noção, muitos contrastes.
Exemplo: assina a convenção dos direitos humanos assegurando o respeito a
língua de sinais e cultura, e depois assina a educação inclusiva que é
“contrária”.
O
Brasil, referente à educação, está perdido e ou menos valorizado. Infelizmente!
Mas a luta continua graças a esperança que é a última a morrer.
Finalizo
esta carta mas vamos conversar pessoalmente para esclarecer as idéias. Este
papo não tem fim.
Abraços
Para: M.Q.
Olá
M., tudo bem?
Difícil
escrever essa carta. Como é difícil escrever/falar sobre um assunto que não
dominamos, que não entendemos.
Mas
pensando bem, acredito que esse seja um dos grandes problemas na criação de
políticas (educacionais, de saúde, etc.) no Brasil: são feitas por pessoas que
não entendem nada ou quase nada sobre o que estão fazendo.
Pelo
pouco que tenho lido sobre a educação de surdos, fica claro que as políticas
educacionais são feitas sem se pensar sobre as reais necessidade e dificuldades
desse ramo.
É
lógico que toda mudança desestabiliza, e mudanças no sistema educacional,
principalmente ao que concerne a necessidades especiais que alguns alunos podem
apresentar, se mostram cada dia mais necessárias.
Como
te contei na carta anterior, nunca convivi com surdos ou deficientes auditivos.
Mas, acredito que para ilustrar meu ponto de vista sobre tais mudanças, o exemplo
aqui de casa pode servir.
Tenho
uma irmã mais velha que tem deficiência intelectual e há 20 anos ninguém
pensava em colocar uma criança com tal deficiência em escola regular. Aliás, a
maioria das famílias não pensava nem em tirar essas crianças de casa, quanto
mais frequentar uma escola. Pois bem, minha irmã frequentava a APAE de nossa
cidade, no interior do estado. Como minha mãe trabalhava também na APAE, ela
gostava de ir e tinha a mãe por perto.
Entretanto,
eu cresci, entrei pra escola e ela ia me buscar sempre, junto com a mãe. É
claro que ela reparou que era diferente da escola dela. E como eu tinha
atividades na escola durante o dia todo, ela achou interessante e queria
participar. Um certo dia ela perguntou pra minha mãe porque ela não ia na mesma
escola que eu. E minha mãe ficou sem saber o que responder. Mas perguntou:
porque filha, tu quer trocar de escola? Quer ir estudar na escola da mana? Ela
disse que sim.
Nesse
dia minha mãe se perguntou: porque não? E foi atrás de meios para que a escola
que eu estudava, uma escola luterana, particular e tradicional da cidade,
oportunizasse a educação de jovens com deficiência intelectual.
Não
foi fácil nem rápido. Depois de um ano de negociações com escola, professores,
famílias interessadas, a primeira série especial foi aberta.
Um
ano depois, a escola concorrente, da ordem das irmãs Notre Dame também ofereceu
uma turma especial no mesmo formato.
Muitas
pessoas achavam aquilo um desatino. Algumas famílias proibiam seus filhos de
ficarem amigos das crianças da turma especial. Alguns professores falaram que
não iam receber em suas turmas aqueles “louquinhos”. Mas a grande verdade é que
na hora do recreio, eles eram mais uma turma da escola que dividia o pátio,
brincava de amarelinha, corria e gritava até os pulmões não aguentarem mais.
Ainda
hoje temos contato com alguns daqueles colegas e é muito bom ver que, há 20
anos existiam já pessoas que acreditavam nessa mudança, que viam
potencialidades em pessoas que a maioria da sociedade ignora. Há 20 anos dizer
que uma pessoa com síndrome de down estudaria e trabalharia era piada, porque
se acreditava que eles não eram capazes de nada. Mas os jovens adultos com Down
que hoje nos provam o contrário são frutos dessa geração que lutou (e muitas
vezes cansou) para que suas necessidades e potencialidades fossem reconhecidas.
Desde
essa época (em que eu devia ter uns 8 ou 9 anos), aprendi a fazer uma das
perguntas mais importantes no meu dia a dia: porque não?
Recebemos
muitos nãos todos os dias. E quando se trata sobre diferenças,
inclusão/exclusão, os nãos costumam vir com a frase: porque é muito difícil.
Acredito
que mudar as políticas educacionais, mudar o sistema seja algo realmente
difícil. Aliás, algo trabalhoso, demorado e que exige o esforço de todas as
peças desse jogo: escolas, professores, sociedade, coordenadores, governos,
etc. Mas também aprendi que difícil não é sinônimo de impossível. Difícil é só
difícil.
Talvez
essa seja uma visão um pouco romântica da vida. Mas foi essa visão romântica
que me fez acreditar no meu potencial e, ao contrário da maioria das pessoas
que tem o mesmo diagnóstico que eu e se aposentam por invalidez, eu acredito
estar na metade do caminho ainda dos meus sonhos e daquilo que eu imagino que
posso fazer. Foi essa visão romântica que mudou a arquitetura de todos os
prédios da universidade em que eu estudava, porque eu exigi que tivesse
elevadores e rampas para eu poder ir às aulas sem o constrangimento de ter de
ser carregada por colegas. Foi fácil? Não, não foi. Mas também não foi
impossível.
Se
acreditar em ideais, se acreditar que a educação pode mesmo mudar nosso mundo,
nossas realidades, se acreditar que quem move essa máquina somos nós é ser
romântico, realmente eu sou uma.
Mas
mais do que acreditar nessas coisas todas, temos é que fazer alguma coisa.
Mudanças são necessárias e devem impactar não só as escolas, mas a vida diária
das pessoas.
Ao
ler as cartas do curso do ano passado, percebi uma palavra recorrente vinda dos
professores: medo. Todos os professores que receberam algum aluno surdo ou com
alguma deficiência citaram o medo. Eles tinham medo daquele aluno? Provavelmente
não. Eles tinham medo da mudança. Medo da mudança que aconteceria dentro deles
mesmo ao ter contato com aquilo que eles não conheciam. E provavelmente também
não foi algo fácil de se encarar.
Temos
muito medo das mudanças e dos impactos que elas nos causam, mas quando a
vontade de mudar bate à nossa porta, não há medo que nos segure. E é de
pequenas mudanças cotidianas que as grandes mudanças políticas acontecem.
Espero
que consigamos ter cada dia menos medo de trabalhar questões que incomodam a
sociedade e mais coragem para fazer de nossas pesquisas mudanças reais.
Beijos.
B.
Para: B.R.
Olá
B.,
Políticas educacionais e
linguísticas para alunos surdos: que impactos e movimentos provocam nas
escolas? É o tema proposto para a conversa de hoje e como
estava atrasada com as ‘tarefas’ da disciplina volto a falar contigo um dia
depois. Pensando sobre o tema, fico pensando o que dizer e me dou conta de que,
mesmo já tendo cursado disciplinas e lido sobre o assunto, ainda me sinto uma
espécie de turista estrangeira em um país em que a língua apenas começo a
aprender: ouço, compreendo, concordo com boa parte das ideias, porém não
consigo falar, interagir.
Contudo...vamos
lá. Minha experiência profissional sempre foi na ‘escola dos grandes’, na
Universidade, e que raramente é narrada como escola, ou dizendo de outra forma,
é classificada, enquadrada, como outro tipo de escola: é u ‘outro’, o
diferente, no contexto da educação. Assim, mesmo com o que te contei na carta
anterior, pouco senti o impacto de tais movimentos e políticas educacionais e
linguísticas no cotidiano da Universidade.
Penso
que, talvez, o primeiro contato mais efetivo tenha acontecido em Tejuçuoca, no
Ceará, quando estava trabalhando como técnica da Secretária Municipal do
Trabalho e Ação Social. Assessora para questões diretamente ligadas à criança e
ao adolescente atuava junto às demais secretarias e ONGs do município sempre
que o assunto fosse estes dois grupos. O Município estava concorrendo ao Selo Unicef – uma espécie de distinção
que avaliava diferentes aspectos dos governos municipais a cada ano no sentido
de monitorar a implementação de políticas públicas e o desenvolvimento dos
municípios.
No
ano de 2004, um dos tópicos avaliados pelo Selo Unicef referia-se às políticas
voltadas aos ‘portadores de necessidades especiais’ categoria onde os surdos
estavam incluídos. Eu havia conhecido uma moça em um seminário, pernambucana, que
tinha um irmão que se tornara surdo em razão de um acidente de moto, e tinha
decidido fundar uma organização não governamental em Recife para trabalhar
estas questões. Ela havia ganhado uma espécie de ‘bolsa’ da Fundação Ashoka
(acho que é assim que se escreve) para custear o empreendimento e estava
bastante envolvida com o assunto. Ali percebi mais diretamente a implicação
destas políticas no cotidiano e a vinculação das mesmas aos movimentos.
A
primeira constatação foi a necessidade de conhecer a população – na época
também o Ministério da Saúde estava implantando o sistema informações
informatizado que geraria uma série de dados sobre a saúde e a vigilância
sanitária do Brasil – pois Tejuçuoca, em nível do senso comum atribuía o rótulo
de ‘louco’ a todos que fossem diferentes do considerado normal, e não se sabia
se existiam e onde estavam estas pessoas. Junto com a FUNASA e a secretaria da
Educação, promovemos uma espécie de senso utilizando as escolas – a população
escolar era de mais ou menos 4.800 alunos matriculados no ensino fundamental e
médio, numa população de 14.200 hab – os agentes de saúde do Programa Saúde da
Família, os postos de saúde e as visitas domiciliares da FUNASA dentro das
ações de prevenção à dengue.
O
resultado: não havia surdos no município, assim, dali para gente teriam que
‘vigiar’ os nascimentos e os ‘importados’, nome atribuído a quem vinha de
outros lugares para lá se estabelecer permanente ou temporariamente. Entretanto, no decorrer deste processo
fizemos muitas reuniões e seminários com profissionais da saúde e da educação,
além dos conselheiros municipais de idoso, crianças e adolescentes, assistência
social. Nestes fóruns se discutiu as políticas que estavam sendo implementadas
relativamente a estes ‘diferentes’ o que tornou estas pessoas visíveis, mostrou
a necessidade dos profissionais e governo buscarem formação específica, mas
principalmente de trabalharmos em nível comunicacional na desconstrução do
diferente como ‘louco’, incluindo as rádios comunitárias e a escola. Em
associação com o governo federal e estadual a Libras entrou no horizonte de
formação destes grupos, mas agora, olhando retrospectivamente, chama a atenção
o fato de não sentirmos a presença do movimento e suas reivindicações neste
processo. Tais políticas chegaram àquele contexto como ações do governo
dissociadas dos movimentos e lutas históricas do povo surdo.
Retornando
à Porto Alegre em 2005 e ingressando no
doutorado na FACED, senti o impacto destas políticas de forma mais pungente. Não havia disciplina em que os surdos não
estivessem presentes. A presença dos interpretes, a necessidade de falar em
outro ritmo e ser traduzidos – professores e alunos -, as conversas colaterais
entre surdos e surdos e interpretes a que não tínhamos acesso, a necessidade de
explorar o campo visual como recurso didático e comunicacional na sala de aula,
foram alguns dos aspectos que estavam sempre presentes.
No
âmbito das narrativas e discursos, muitas disciplinas de diferentes linhas
colocavam a surdez e os surdos em pauta. As políticas da Universidade e dos
vários níveis de governo estravam nas discussões e na trilha destes diálogos
era e ainda é possível constatar o impacto das mesmas e dos movimentos no
cotidiano. Desde este ponto de vista, para o bem ou para o mal, penso que podemos
pensar estas repercussões.
Como
sempre, para quem não sabia o que dizer, falei demais.
Bjs.
M.T.
Para: P.A.
Olá, minha prima P!
Fiquei impressionada ao sortear o seu
nome, e descobrir que temos o mesmo sobrenome. Fiquei feliz de poder conversar
com você, partilhar um pouco da minha vida, e conhecer um pouco da sua vida
também. Quem sabe, poderemos ser amigas.
O sobrenome que compartilhamos, adotei
da família do meu marido. Fábio e eu casamos há um ano, e quis acrescentar o
nome dele ao meu, como uma prova de afeto e compromisso.
Espero que, ao ler esta carta, conheça
um pouco de mim, daquilo que penso, para assim, podermos trocar idéias ao longo
do nosso estudo sobre “Políticas educacionais e lingüísticas para
alunos surdos: que impactos e movimentos provocam nas escolas?” e
compreender todas as implicações que o tema comporta.
De você sei que é bolsista da professora
Adriana Thoma e que entende de Libras. Gosto de saber que você está interessada
na educação de surdos e espero que tenha sucesso na sua pesquisa. Estarei à
disposição para ajudar, sempre que isso estiver ao meu alcance. Terei prazer em
contribuir com seu trabalho sempre que for preciso.
A entrevista do Prof. Dr. Fernando
Capovilla, mostrada em vídeo pelo programa Jornal de Serviços da Rádio Jovem
Pan, é muito interessante. Capovilla fala sobre e educação de surdos e as
melhores formas de atingir as metas nessa modalidade de educação. Gostei muito
da clareza com que foi mostrada a importância da língua de sinais como fator
principal na comunicação das pessoas surdas.
É importante que o Brasil compreenda que
os surdos já venceram, ganharam o reconhecimento da sua língua como oficial na
educação de surdos, mas ainda precisamos que a sociedade se conscientize da
necessidade de mais divulgação e ampliação do uso da Libras.
Somente quando todos – surdos e ouvintes
– conhecerem e usarem a Libras é que a sociedade vai se tornar realmente mais
justa e igualitária para todos.
É necessário que todos conheçam a
cultura surda, entendam a sua importância para a comunidade surda; vejam como
os surdos são felizes quando se comunicam na sua língua; quando encontram
ouvintes que os aceitem na sua diversidade lingüística e com eles a
compartilhem; somente assim a sociedade entenderá que o surdo também é cidadão,
com direitos e deveres na comunidade onde vive.
Ainda hoje encontramos muitas pessoas
que não sabem que existe uma língua de sinais, e que, através dessa língua, os
surdos podem ter acesso ao conhecimento e à educação. Hoje, existe uma lei que
obriga as faculdades a ministrarem a disciplina de Libras nos cursos de
graduação, e, principalmente em cursos de formação de professores. Na faculdade
onde trabalho, os alunos conhecem alguém que tem surdez: um parente, um
vizinho, um amigo... Só não tem noção da importância da língua de sinais na
educação de surdos. Por isso, Paula, o meu sonho é poder contribuir na
divulgação desse conhecimento, trabalhar para que o mundo saiba a importância
da Língua Brasileira dos Sinais e da cultura surda. Vou trabalhar muito e suar
bastante para levar a informação sobre o mundo surdo e ensinar sobre a cultura
surda para todos os aqueles com os quais eu vier a conviver.
As famílias de surdos também devem
acolher a criança que chega ao mundo sem ouvir; saber que ela não tem a
audição, mas pode sim dar e receber carinho; que pode ter educação; que pode
aprender e interagir com o mundo.
Eu, como professora de crianças e
adolescentes surdos, todo dia ouço relatos de alunos que contam suas vidas; que
falam da solidão em que vivem dentro de suas próprias casas; da falta de
compartilhamento dos fatos e das informações do dia a dia. E, assim, essas
crianças vão se isolando, buscando a companhia da televisão, na internet, sem
ter com quem dividir suas descobertas e ansiedades. E, então, eu me pergunto:
“Cadê a educação dos pais para com esse filho surdo?”.
As Políticas educacionais e lingüísticas
para alunos surdos: que impactos e os movimentos provocam nas escolas?
Os impactos das políticas de educação de
surdos vêm trazer mudanças dentro do ensino, pois, crianças surdas convivem com
as crianças ouvintes, professores despreparados para ensinar os surdos, com
total desconhecimento da língua de sinais, não conseguem estabelecer uma
comunicação eficiente dentro das salas de aulas. A questão lingüística surge
como barreira na inclusão dos surdos. E, apesar de todos os esforços, a
educação de surdos ainda tem um caminho muito longo para conseguir excelência.
A criança surda, geralmente vem de lares
de pessoas ouvintes. Muitas vezes, ela vive num mundo sinalizado, com sinais
domésticos, criados e usados apenas por aqueles que convivem com aquela
criança. Não têm convivência com outros surdos, com a comunidade surda, com a
cultura surda, e, ao entrar na escola, encontra um mundo novo, onde terá que
aprender tudo. É um viajante sem bagagem, que vai precisar construir uma nova
linguagem para comunicar-se com o mundo.
Então, mesmo quando a criança vai para
uma escola especial de educação de surdos, ela encontrará problemas na
comunicação, pois a família, dificilmente, a educou na língua brasileira de
sinais. Ela terá que começar a sua escolaridade aprendendo os sinais e seus significados.
E, normalmente, a família recém começa a conhecer a língua, e a entender a sua
importância na educação dos surdos.
Política significa “mudança”, “mudanças
devem ser para melhorar a sociedade” e “ter a ideia”. Isso é, quero mostrar a
proposta sobre educação de surdo e fazer valer as diferenças. Elas existem e
precisam ser valorizadas. Hoje temos o “Setembro Azul” que começou há pouco
tempo, mas é um espaço para trabalhar a diversidade, levar o movimento para a rua, mostrar e levantar a mão em busca de uma “boa
resposta para educação dos surdos”.
Sei que o governo preocupa bastante com
Copa 2014, pobreza e emprego, varre a proposta sobre “surdos” para baixo do
tapete e acha que a melhor educação para surdos é a escola regular. Vi as
propostas de cada vereador, e percebi que somente um vereador mostrou a
preocupação com educação dos surdos. Infelizmente, o surdo ainda é invisível na
política, e precisa haver mais mobilização para que nossas necessidades sejam
percebidas.
Eu nasci no interior do Rio Grande do
Sul, e sei da dificuldade de viver sem cultura e sem identidade própria. Por
isso, entendo que colocar intérprete dentro das salas de aulas não vem atender
a necessidade educacional do aluno surdo.
Ele pode perder algumas informações, perder a pessoa falando, pois fica
de costas para a turma; isso eu vivi lá.
Seria interessante colocar associação de
surdos e escola de surdos em cada cidade; valorizar a convivência entre seus
pares; promover festividades que contemplassem a comunidade surda; isto valorizaria
o ser surdo e tornaria o cidadão mais consciente de seu papel dentro da
sociedade.
É urgente que os pais de surdos entendam
a cultura e a língua do filho surdo, e eles não tentem fazer do filho surdo uma
cópia de suas próprias personalidades.
Sobre a política linguística, é
importante ter Libras na escola de surdos e ter um currículo adequado, que
valorize a bagagem cultural que o surdo já traz de casa ao entrar na escola.
Isto aliado a uma metodologia diferente, isso faz a diferença na educação. Colocar
“Literatura Surda” “Inglês e ASL” “Estudos Surdos” e ter recursos materiais
diversificados na escola tornando o ensino interessante e o aluno interessado
pelas coisas que acontecem no mundo.
Acredito que, na educação de surdos a
Libras tem que ser priorizada, valorizada, tendo mais espaço de aprendizagem e
discussão, para que todos possam adquirir proficiência na sua língua. Após esse
domínio, então, novas descobertas na língua portuguesa. Descobrir novas
propostas, fazer novas pesquisas, buscar outras respostas.
Impacto? Sim, a educação dos surdos
provoca impacto nas políticas educacionais, desacomoda a escola, que precisa
buscar novas alternativas de educação, outras metodologias, precisa reformular
velhos conceitos.
Vi o site sobre “Menina que nasceu sem
nervos auditivos aprende a falar após ganhar ouvido biônico”, achei
interessante e desafiador, mas com que sofrimento ela aprendeu? Será que valeu
a pena? Conseguiu estabelecer a comunicação com o mundo?
Reflito, também, sobre o surdo com aparelho
auditivo e implante coclear: às vezes fala bem, mas ouve bem? Conseguir
distinguir os sons com perfeição? Em minha opinião é preciso colocar a
educação, o ensino em prioridade. É respeitar a comunicação natural do surdo,
que é a língua de sinais. Vejo pessoas surdas usando aparelhos e não
conseguindo entenderem a fala, só ouvem barulho, só reconhecem voz conhecida,
sempre procurando ler os lábios de pessoas. Por tudo isso, acho que os recursos
que buscam fazer o surdo ouvir deixam muito a desejar.
Procuro respeitar as diferenças como
pessoas surdas com aparelhos auditivos e implante coclear. Mas acho bom que as
pessoas poderem ter acesso Libras, como mais um recurso para aprender.
Vejo a alegria e emoção dos pais que
ouvem o filho com implante coclear falar pela primeira vez. Mas, cadê a Libras?
Será que ela não viria a contribuir com uma melhor educação para esse filho
surdo? Sei que muitas vezes, a Libras e tudo o que se refere a ela é escondido
na gaveta. E, o implante é mostrado como a melhor solução, enaltecido na
televisão, jornal e internet.
Assim faço a minha reflexão:
Onde os alunos surdos vão aprender
Libras? Como vão apropriar-se de sua cultura? Quando vão conviver em
comunidade?
A vida do surdo precisa ser preservada.
O direito de ser surdo precisa de respeito. Queremos ser valorizados como
somos, e não sendo uma imitação mal feita de ouvintes.
“As pessoas são diferentes, mas o
respeito deve ser igual para todos.”
Pronto, são minhas opiniões e espero que
possamos discutir esse assunto e esclarecer nossas ideias.
Abraços, B.A.
Para: A.N.
Oi
A., tudo bem contigo?
Já tivemos a oportunidade de
conversar rapidamente, então começo esta carta contando brevemente sobre minha
vida pessoal. Atualmente estou no 4° semestre do curso de Pedagogia (UFRGS) e esse
semestre sou bolsista de Iniciação Científica. Apesar de não ter experiência
docente estou me identificando cada vez mais com a área da educação. Durante o
3º semestre do curso de Pedagogia tive uma cadeira de Libras com um professor
surdo maravilhoso e que foi muito atencioso comigo. Durante as aulas eu e
minhas colegas treinávamos palavras novas em Libras e desde o início percebi
minha dificuldade quanto ao uso dos Sinais.
Por outro lado sei que como toda nova Língua exige estudo e muito
treino, então eu tenho certeza que para isso terei que fazer um grande esforço
para aprender a Libras.
Desde o início deste ano tenho convivido um
pouco mais com os professores surdos, tendo a oportunidade de aprender a Língua
de Sinais. Cheguei ao convívio do grupo início deste ano, um pouco tímida,
apesar de ainda ser, e um dos professores ao brincar comigo me chamava de
“burra”, pois eu não compreendia seus sinais. Aos poucos fui percebendo que
cada um tem seu jeito de brincar, se expressar e para esse professor foi a
maneira de conversar comigo e de cativar minha atenção.
Outra marca muito forte desse mesmo professor
é o seu humor. Em uma de suas aulas fui convidada por uma colega a assistir sua
aula de Libras e nesse dia ele contou vária piadas para a turma. Lembro que
para minha surpresa consegui entender, pois ele interpretava muito bem os
personagens. Hoje estou tendo a oportunidade de conviver e conhecer a cultura
Surda e aos poucos sinto que está sendo muito importante para minha formação
docente e pessoal.
Os professores surdos podem ensinar
muitas coisas para além da Língua de Sinais, são exemplos de profissionais
capacitados para lecionar tanto para alunos surdos quanto para os alunos
ouvintes. Confesso que durante as aulas de Libras eu sentia a atenção do
professor, através de seu olhar, seus gestos e sua sensibilidade. Isso foi
marcante para mim, apesar de não compreender muito bem os sinais. Um dia desses
vi uma funcionária (ouvinte) da recepção fazendo sinal em Libras, o número de
uma sala de aula, para o professor surdo, ela parecia estar contente em
conseguir se comunicar através do uso de sinais.
Aos
poucos percebo como é fundamental que nossa comunidade (ouvinte) aprenda a
Língua de Sinais. Eu sei que não é uma tarefa fácil, mas ao menos precisamos
entender a importância que a Libras tem na vida dos surdos e para isso é
importante que os professores surdos possam conviver com os ouvintes, pois é na
convivência que todos aprendem uns com os outros.
Forte abraço e votos de sucesso! P.A.
Para: R.P.
Olá,
R!
Nossa!
Faz muito tempo que nos conhecemos! Desde a época em que erámos crianças na
escola de Surdos em Pelotas, RS. Foram tão bons momentos naquela escola... me
bateu saudades da minha infância.
Tenho
um assunto importante para você ler e refletir, e, quem sabe possamos
compartilhar nossas reflexões e nossas lembranças passadas através desta
carta...
Assisti
a entrevista do Capovilla e isto me despertou o interesse sobre a escola inclusiva
e a escola de surdos, sobre a língua de sinais e a língua portuguesa. Lembro-me
que estudava na escola de surdos a disciplina de Língua Portuguesa e era muito
fácil. Eu amava. Ao ser transferida para a escola regular tudo mudou. A
disciplina de Língua Portuguesa era muito diferente, muito difícil. Eu sentia
como se o meu cérebro estava bloqueado e fiquei muito confusa. A partir deste
momento comecei a odiar a língua portuguesa, pois eu não a compreendia. Por
dentro, meu corpo e minha mente estavam chorando e pedindo ‘socorro’. Eu não
entendia nada dos textos que a professora escrevia, ditava. Eu me sentia tão
excluída da língua, me sentia aprisionada, afastada da minha língua de sinais.
Onde está a LIBRAS? Minha língua de sinais estava presa dentro do meu cérebro,
estava parando.
Precisei, então, esforçar-me muito para
aprender a Língua portuguesa. Além dos estudos na escola regular, comecei a
frequentar uma professora particular paga pelos meus pais. Mas todo o tempo,
oito longos anos, estava sem intérprete. Naquela época os intérpretes eram
muito escassos. Penso que, da mesma forma que aconteceu comigo, outros surdos
também sofreram por causa da língua de sinais. Mas hoje, finalmente, temos a
lei que oficializa Libras, no ano de 2004. Teremos, também, as escolas
bilíngues para surdos. O Brasil inteiro está ansioso, lutando para ter acesso a
estas escolas. Nossas crianças surdas precisam disso para desenvolver o
aprendizado destas duas línguas ao mesmo tempo.
Antigamente íamos na fonoaudióloga para
treinar a oralização, utilizávamos a comunicação total, mas oralizar era
obrigatório. Agora temos a língua de sinais e oralizar é opcional. Os
professores ficam discutindo sobre qual o melhor método. Isto não precisa mais.
O que os professores precisam fazer é incentivar e ajudar as crianças surdas a
despertar o interesse para o aprendizado do Português, seja através de livros
infantis, da escrita da língua de sinais, das ilustrações visuais, de jogos
lúdicos com sinais e palavras associadas. Os pais também precisam aprender
LIBRAS para se comunicar, educar e incentivar os estudos. Mas, infelizmente, a
maioria dos pais tem dificuldade na comunicação com seus filhos surdos, então
se torna difícil incentivá-los. Já vi muitos surdos largarem os estudos por
problemas encontrados tanto na escola de surdos, quanto na inclusiva.
A política da inclusão é bonita apenas
na televisão, mas na escola a realidade é outra. Que política é essa? Que
escola é essa? Nada está preparado para receber os alunos surdos numa escola
inclusiva. O ensino do Português é péssimo, a comunicação inexistente, os
conteúdos são simplificados. Acham que os surdos são incapazes de aprender?
Claro que não! Os surdos são capazes, sim!!! Apenas precisam ser incentivados e
receber a acessibilidade necessária. Esses surdos precisam de modelo surdo para
aquisição da língua de maneira mais rápida e desenvolver a nossa língua de
sinais.
O
que você acha, Roger? Já teve experiência durante sua vida nas escolas de surdo
e inclusiva? E a disciplina de Língua Portuguesa? E as políticas?
Vamos
nos ver e nos compartilhar pessoalmente nossas discussões interessantes.
Abraços,
C.M.
Para: C.L.
Olá, C.L.!
Não
nos conhecemos muito bem, mas, pelo que me lembro da sua apresentação,
você é filha de pais surdos e é uma militante da Cultura Surda
(por favor, me corrija se eu estiver errada). Conhecer você nesta
disciplina é um privilégio, pois tenho um tempo de caminhada com os surdos
e ainda não havia conhecido filha(o) ouvinte de surdos. Isso para mim sempre
foi uma curiosidade, pois já ouvi relatos de vários professores de surdos
comentando sobre pais surdos com filhos ouvintes.
O
assunto que vou tratar é Políticas educacionais e linguísticas para
alunos surdos: que impactos e movimentos provocam nas escolas?
Confesso que é um tema complicado para escrever, principalmente para quem não
tem uma formação específica nesta área. Nesse caso, terei de abordar sobre as
observações e conclusões que fui construindo no decorrer da minha caminhada com
os alunos surdos. Sei que corro o risco de pecar, de me equivocar, e peço que
também me corrija neste aspecto. Não tenho parâmetros para dizer como era a
escola em que estou antes de receber os alunos surdos, pois, como já disse no
nosso primeiro encontro, eu entrei na escola junto com os alunos surdos em 2010.
O que posso dizer, ou até mesmo afirmar, é que a escola se difere das demais
com relação à inclusão.
Os alunos transformam a escola e a escola os
transforma, é uma relação mútua em que as partes vão se complementando.
Existem, é claro, as divergências, as dúvidas, os erros, os riscos e as
mudanças, o que torna o espaço diferente dentro das suas peculiaridades.
Alunos, professores, equipe diretiva, funcionários, enfim todos os envolvidos
no processo (re) constroem as suas identidades. Esse era um ponto que esqueci
de salientar na primeira carta que escrevi para a colega Renata: a minha (re)construção
enquanto professora, que diz respeito à mudança da postura, da metodologia e, a
mudança mais importante, do meu “pensar”. Hoje não penso mais como uma
professora que tem em sua classe apenas alunos ditos “normais”, penso em uma classe
com “n” diferenças, em que os alunos sempre estarão esperando por atitudes e
metodologias que, de alguma forma, contemplem a todos.
Quanto
aos impactos causados na escola, pelas políticas de inclusão, é perceptível a
resistência e a divergência, por parte de alguns, como também a aceitação pelo
novo por parte de outros.
Também
quero aproveitar esta oportunidade para fazer um desabafo. Com relação à
inclusão em classes regulares, fomos amparados legalmente por lei, que prevê no
máximo 25 alunos por turma no Ensino Médio, quando há alunos incluídos. Porém a
escola não tem cumprido essa exigência. Atualmente, temos uma turma de 3º ano
do Ensino Médio com 34 alunos (uma aluna com deficiência mental leve e 2 alunas
surdas incluídas) e uma turma de 1º ano do Ensino Médio com 29 alunos (uma
aluna cadeirante com dificuldades cognitivas incluída). Nós, professores, já
questionamos a equipe diretiva sobre as nossas dificuldades em fazermos um
trabalho digno (que contemple a todos) perante uma turma tão grande.
Infelizmente, nossos questionamentos e aflições não foram levados em
consideração.
Também
me questiono sobre a inclusão dos alunos surdos no Ensino Médio em classes
regulares. Percebo dois pontos a serem pensados e discutidos: ensinar conteúdos
de forma indireta (através da intérprete) e a socialização. As dificuldades de
ensinar os conteúdos são grandes, pois todas as informações perpassam por uma
segunda pessoa, a intérprete. Nessa perspectiva, percebo que quando a
explicação é direta (em Libras), realizada pelo professor da disciplina
diretamente para o aluno surdo, a compreensão é viabilizada. Ao mesmo tempo,
também acho que o contato entre alunos surdos e ouvintes vem a disseminar a
Libras e o próprio contato com a Cultura Surda. Nesse caso, entro em
divergência com os meus pensamentos e opiniões. Ora considero mais apropriado
os alunos surdos (do ensino médio) estarem em classes separadas, ora acredito
que a inclusão com ouvintes seja o melhor caminho para disseminar a Libras.
Quanto a isso não tomei uma posição e gostaria de saber a sua opinião sobre o
assunto, o que de fato irá me ajudar a esclarecer muitas outras dúvidas.
Quero
encerrar esta carta dizendo que trabalhar com alunos surdos incluídos se tornou
parte da minha vida, já faz parte da minha identidade, pois é algo que se
naturalizou.
Obs.: Procurei
escrever esta carta baseando-me no meu conhecimento empírico, não me atendo a
leis, para deixar o texto com um caráter subjetivo.
Atenciosamente!
D.K.
Para: E.K.
Oi
EK, tudo bem?
Eu comecei a me inteirar da
realidade dos surdos e escolas para surdos recentemente. A opinião dos
envolvidos – alunos, pais, intérpretes, professores e profissionais – e a dos
responsáveis pela educação em nível nacional – MEC – parecem nunca se
encontrar.
Pela minha percepção, enquanto estes
tentam promover uma escola acessível para todos, através da inclusão, aqueles
querem uma escola bilíngue para o desenvolvimento de sua cultura.
A ideia de inclusão é maravilhosa,
pois parece retratar a realidade em que vivemos. Em todos os lugares que
formos, encontraremos minorias. Muitas vezes nos falta o bom senso e não
sabemos como lidar com essas diferenças. Assim sendo, todos se beneficiariam do
convívio oferecido na escola inclusiva, já que haveria essa lide diária entre
indivíduos com características distintas.
Contudo, há algo que permanece igual
em uma quase totalidade da população: a comunicação oral. Uma das exceções é a
população surda, que se comunica pela língua de sinais. E as duas comunicações
estão presentes na escola inclusiva, então o surdo deveria conseguir aprender
bem nela, certo?
Infelizmente, não é bem assim. A
maioria dos surdos, por virem de famílias de ouvintes que não dominam LIBRAS,
ingressa na escola sem ter domínio de linguagem, enquanto os outros colegas já
se apoiam no português. Na escola, apesar da inclusão, o surdo fica excluído
por não conseguir se comunicar com os demais e não aprende sinais para seu
desenvolvimento linguístico, visto que os outros alunos não sinalizam. O
intérprete tem o seu papel na escola, mas não é de sua incumbência ser
professor. Sem ter uma base sólida, o aprendizado do aluno fica comprometido. A
ideia de escola inclusiva, que é excelente, peca ao não proporcionar condições
para o desenvolvimento do surdo.
A escola bilíngue, por outro lado,
permite que o surdo adquira uma linguagem rapidamente ao proporcionar um
ambiente onde todos sinalizam. Ali, o surdo está no seu lugar e aprende com
facilidade através da sua língua materna, a LIBRAS. O português se faz presente
na instituição como L2 em sua forma escrita, o que é fundamental para a
comunicação com a sociedade que o cerca. Infelizmente, diferindo da escola
inclusiva, desta forma há o distanciamento entre os usuários da comunicação
oral-auditivo e visual-espacial e os ouvintes não aprendem a lidar com os
surdos e vice-versa.
Concluindo, vejo que as duas opções
que se apresentam no cenário da educação de surdos têm seus prós e contras. O
que me parece sensato é a aquisição da língua de sinais pelo surdo antes de
ingressar na escola ou nos primeiros anos em uma escola bilíngue. Uma vez que
adquira o domínio da linguagem, o aprendizado da língua portuguesa torna-se
possível através da LIBRAS e então a família pode decidir o caminho a ser
trilhado, se em uma escola bilíngue ou inclusiva.
Gostaria de saber a tua opinião a
respeito do assunto.
Grande abraço, G.C.
Para: T.M.
Olá,
T.M.,
Fico
feliz em realizar trocas sobre a temática acima com você!
Parte
de minha escrita abaixo fez parte de uma das cartas da disciplina “Memórias, Narrativas e Experiências na
Educação de Surdos II”, mas como aluna PEC, e considero importante relatar a
você também a temática desta escrita...
Há
muito o que falar sobre o assunto proposto para esta carta, principalmente por
estar presente neste contexto e contribuindo para que as mudanças ocorram de
forma gradual e com qualidade. Para que a carta não fique formal e teórica,
focarei a escrita na minha prática e contexto de trabalho, partindo das
mudanças legais e estruturais do sistema e da escola.
São
muitas as leis, decretos, resoluções que vem sendo criadas e a escola regular não pode mais se negar a
receber o alunado com Necessidades Educacionais Especiais (NEE).
Os
sistemas de ensino devem matricular os alunos com NEE nas escolas comuns do
ensino regular e ofertar o AEE no contra turno, promovendo o acesso e as
condições para uma educação de qualidade. Dependendo da quantidade de
matrículas dos alunos com NEE, o MEC manda os recursos necessários para serem
abertas as Salas de Recursos Multifuncionais (SRM). O município se
responsabiliza pela contratação dos profissionais e pela sede da sala (em
escola regular). Resumindo, é desta
forma que tem sido organizado o AEE no ensino público.
O
MEC tem oferecido cursos à distância para capacitar os profissionais para atuar
nas SRMs. Foi um destes cursos oferecidos pelo MEC que conclui em 2011
(Educação Especial – Atendimento Educacional Especializado), tendo sido
realizado pela Universidade Federal do Ceará. E digo que, infelizmente, há
algumas falhas com relação ao que o MEC diz nesta formação sobre o atendimento
aos alunos com Surdez. Eu ainda tenho conhecimento e prática nesta área,
imagina quem não tem! Mas esse é um assunto que nossa colega Ana Cláudia vai
trabalhar em sua pesquisa de Mestrado, pois também realizou este curso e foi
minha colega no mesmo Pólo.
De
acordo com a orientação do MEC as escolas especiais passam a ser escola regular
ou Centros de Atendimento Educacional Especializado. Nós que somos da área
sabemos o quanto as Escolas Especiais de Surdos vem lutando para manter-se,
principalmente para que os alunos surdos continuem entre seus pares e tenham
garantidas a sua língua, identidade e cultura.
No
entanto, minha realidade e toda minha experiência é em escola regular com
inclusão de alunos surdos. Trabalhei durante 8 anos em uma escola filantrópica
com inclusão de alunos surdos nas turmas de 2ª à 8ª série e 1ª série com classe especial de alunos surdos. De
acordo com a lei a instituição estava adequada e atendia às necessidades dos
alunos com relação aos aspectos mencionados anteriormente. Inclusive, havia a
disciplina de Libras na grade curricular da escola. Quando saí da mesma em
2008, era eu quem lecionava essa disciplina (além de lecionar nos Anos
Iniciais), pois era a professora mais habilitada na área e não havia professor
surdo na escola. O maior problema estava na falta de formação de alguns
profissionais. A maioria sabia o básico da Libras e muitas vezes não conseguiam
dar conta dos conteúdos de suas disciplinas em função da falta de vocabulário e
conhecimento da língua. Na época que saí, ainda não havia a atuação de um
Intérprete de Libras.
Desde
2008 atuo na Rede Municipal de São Leopoldo e em 2009 iniciei o trabalho em
Sala de Recursos Multifuncional. No entanto, neste primeiro ano não houve
demanda de atendimento de alunos surdos para mim. Em 2010, atendi uma menina
surda de 6 anos no AEE. No entanto, este ocorria somente uma vez por semana,
devido à falta de disponibilidade da mãe da menina em levá-la ao atendimento
duas vezes por semana (esta era a maneira que estávamos organizados, ou seja,
atender 2 vezes por semana). Eu sentia uma grande angústia, pois era pouco
tempo para trabalhar com a menina e mesmo que o atendimento ocorresse mais
vezes por semana não seria suficiente se a escola dela não se adequasse às suas
necessidades e se a aluna não estivesse entre seus pares. Estive algumas vezes
na escola assessorando a professora e supervisão e emprestando materiais em
Libras. Porém, percebia-se claramente que não havia interesse por parte da
professora em fazer algumas adaptações e mudanças. Em uma das visitas sugeri à
professora que fizesse um curso de Libras ou na área da Surdez (inclusive
poderíamos tentar junto ao município o recurso para este), mas esta deixou
clara a falta de interesse e disponibilidade... No fim das contas, a mãe da
aluna percebeu isso (além de sentir a necessidade da filha desenvolver a
Libras) e resolveu levar para outra escola do município (a de inclusão que
trabalhei) – e eu concordei com sua atitude.
Ao
lecionar algumas disciplinas no curso de Professores para Ensino de Surdos na
Ulbra, muitos dos relatos dos professores assemelhavam-se com o que vivenciei.
A maioria dos professores estavam lidando com uma realidade muito complicada em
seu município com relação à inclusão dos alunos surdos. Ao mesmo tempo que
aprendiam muita coisa interessante no curso, na prática de estágio as
dificuldades iam além do que podiam fazer, pois a maneira que o município
estava organizado para atender aos alunos não estava dando conta das
necessidades dos mesmos. Alguns dos relatos eram: o aluno frequentava o AEE
todos os dias, mas na sala de aula ficava “perdido” (sem interação linguística
e acesso aos conhecimentos); os professores e escola conhecem pouco a Libras e
sobre a didática de ensino; alunos sem fluência na língua, mas que tinham
intérpretes em sala de aula, entre outros relatos.
O
que percebo é que os municípios tentam fazer o que diz a lei, mas sem ter
conhecimento sobre a Educação de Surdos, não adequando às reais necessidades e
à sua realidade. E ainda, há municípios que nem sabem por onde começar...
Agora
vou contar um pouquinho como está acontecendo o processo de inclusão de surdos
na Rede de São Leopoldo.
Até
2011 havia apenas um aluno surdo matriculado na Rede. Há outros surdos em São
Leopoldo, mas estes são transportados até a Escola Keli Meise em Novo Hamburgo
- as famílias optaram pelo ensino nessa escola por que não havia uma estrutura
em nossa rede para esses alunos. Outras crianças surdas de São Leopoldo,
frequentam uma escola filantrópica (na qual trabalhei) com inclusão de alunos
surdos.
Pensando
na necessidade de infra-estrutura adequada ao ensino desse aluno e demais que
poderiam ingressar e entendendo que esta estrutura vai muito além da oferta do
AEE e do Tradutor/Intérprete de Libras, foram tomadas algumas iniciativas por
um grupo de profissionais da Rede de São
Leopoldo – o qual faço parte.
No
ano de 2010, auxiliamos na criação dos cargos de Professor de Libras e
Tradutor/ Intérprete de Libras, havendo o Concurso Público em novembro do
corrente ano. Em 2011 escrevemos um projeto piloto intitulado: Escola Bilíngue:
um espaço em construção. Nosso objetivo geral é “promover um espaço escolar inclusivo para os alunos com surdez
através de uma proposta Bilíngue”. Os objetivos específicos são:
·
Promover
reuniões de formação sobre a Surdez, discussão e construção do PPP e de um
currículo adequado às especificidades dos alunos surdos;
·
Criar
a disciplina de Língua Brasileira de Sinais (Libras), gradativamente, para
todos os anos/séries da escola;
·
Promover
um espaço de interação entre os alunos surdos, contribuindo para aquisição e
comunicação em Libras, bem como, a formação de sua identidade;
·
Matricular
os alunos surdos que ingressarem na Rede Municipal na EMEF Pólo;
·
Inserir
os profissionais chamados no Concurso Municipal (Professor de Libras, Instrutor
de Libras, Tradutor/ Intérprete de Libras) na EMEF Castro Alves, inicialmente,
e em outros espaços que se fizerem necessários;
·
Encaminhar
o trabalho de cada profissional no espaço escolar e na Rede Municipal;
·
Promover
Cursos de Libras para a comunidade escolar, voltados para cada setor
(funcionários, professores, pais e comunidade, etc), bem como para demais
professores da rede.
Portanto,
colega, estamos iniciando esta caminhada na Rede de São Leopoldo e fico feliz
em fazer parte desta construção. No entanto, estamos enfrentando alguns
problemas para dar seguimento na realização do nosso projeto: a falta de
profissionais devido aos equívocos cometidos pela empresa que realizou o
concurso (hoje temos uma professora de Libras, mas contratada); as famílias de
crianças surdas implantadas que não aceitam que seus filhos aprendam Libras,
influenciadas por médicos e fonoaudiólogos (visão clínica da surdez enquanto
deficiência), entre outros.
Não é à toa
que minha pesquisa de Mestrado pretende focar a aplicação de uma proposta
Bilíngue para surdos na escola inclusiva. Enfim, são muitos desafios na prática
e espero buscar subsídios na teoria e nas trocas com os colegas e
professores...
Espero poder contar mais adiante
como está sendo a continuidade do projeto.
Para: I.G.
Olá
I.G.
Não
tenho muitos conhecimentos na área de políticas, mas tenho bastante interesse
nesta área. Minhas pesquisas de conclusão da graduação e da especialização
envolveram questões sobre o movimento surdo e provavelmente minha pesquisa no
mestrado terá relação com esta temática. Ainda não havia pensado em que maneira
tais movimentos afetam os espaços que habito em minhas profissões.
Sou
professora em uma escola especial para surdos e intérprete de Libras na UFRGS,
e tenho plena consciência de que minhas duas profissões só existem em
decorrência de lutas e movimentos da comunidade surda. A escola de surdos é a
grande luta atual dos movimentos que trazem a bandeira da educação bilíngue,
mas nesta carta não me deterei a esta função, mas ao meu papel como intérprete,
área que tenho menos conhecimento e que portanto gostaria de comentar contigo
para que me auxilies a pensar através do teu papel de interlocutor desta minha
escrita.
A
existência de intérpretes na universidade é assegurada pelo decreto 5626/2005,
capítulo 5:
Art. 21. A partir de um ano da publicação
deste Decreto, as instituições federais de ensino da educação básica e da
educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e
modalidades, o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa,
para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos
surdos.
§ 1o O profissional a que se refere o caput atuará:
I - nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino;
II - nas
salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos
curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas; e
III - no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim da
instituição de ensino.
Tal
decreto, como você deve saber, que regulamenta a Lei de Libras (Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002) é
resultado de lutas históricas da comunidade surda. Lei esta que é lembrada por
praticamente todos Surdos como uma das grandes vitórias deste povo, por
oficializar a Libras como língua nacional e assegurar que ela se tornasse mais
acessível a diferentes esferas da sociedade. Hoje, dez anos depois da
assinatura desta lei percebe-se que muita coisa mudou, a busca e a oferta por
cursos de Libras, a produção cultural registrada nesta língua (seja através da
forma escrita, seja através de vídeos), bem como a aceitação em diferentes
espaços como a língua do surdo, seja apresentada em um espaço em que todos se
comunicam através dela, seja em espaços em que ela aparece como língua de
tradução (não irei entrar nesta discussão agora, mas também é um ponto a se
pensar).
Vejo
que muito ainda é preciso se avançar no que tange a oferta de intérpretes de
qualidade e na quantidade necessária ao menos no espaço em que tenho contato,
que é a universidade, mas não podemos negar que tivemos avanços.
Em
minha graduação fiz uma pesquisa na qual li as teses e dissertações produzidas
por surdos na faculdade de educação da UFRGS e dediquei um capítulo ao papel do
intérprete. Algumas dessas teses e dissertações foram escritas anteriormente ao
decreto e ficava nítido a angústia da ausência dos intérpretes e de modo
contrário a alegria do acesso as aulas quando havia uma tradução para Libras
dos conceitos trabalhados antes somente em português no ambiente acadêmico.
Trago abaixo uma citação utilizada nesse meu estudo para ilustrar o que
comentei acima:
[...]
como usuária da língua de sinais, para mim, o direito a interprete particular
foi a outra nova mudança. Podia finalmente acompanhar as aulas e expor minhas
ideias, no curso de pós-graduação, sem depender das colegas mestrandas que
trabalhavam na mesma linha teórica dos estudos surdos. Através do interprete
fiquei surpresa com a variedade e profundidade dos temas discutidos na
academia, aos quais até então, não tinha acesso. (PERLIN, 1998. P.12)
Em
contrapartida, hoje há um acesso grande de surdos a universidade, nesta
disciplina, somente na última seleção de mestrado e doutorado para a linha dos
Estudos Culturais em Educação da UFRGS foram aprovados quatro surdos (além dos
alunos que já estão com suas pesquisas em andamento, alunos de especializações
e alunos PEC), ou seja, a demanda por intérpretes tem sido bem grande e temos
trabalhado geralmente com um número reduzido de profissionais. Assim, muitas
vezes não há um ambiente adequado, com possibilidade de troca de intérpretes
durante as aulas depois de um certo tempo de interpretação; não há tempo de
estudo dos textos das aulas; além de ainda não ter por parte de todos
professores, conhecimento sobre o papel do intérprete na sala de aula. São
todas essas lutas necessárias, que estão em processo certamente, vejo avanços
muito positivos nesses poucos anos. Agora resta seguir lutando, e ao menos
nesta universidade vejo que há pessoas que abraçam essa e outras causas.
J.P.
Para: J.P.
Olá
colega...
É
um prazer esta escrevendo para você e aproveitar e dividir a felicidade que
senti quando vi vários surdos na sala compartilhando de um momento único que é
a discussão , a interação de surdos e ouvintes de igual para igual. Aproveito
então esse momento para dividir um pouco não só sobre minha trajetória na
educação de surdos, mas também em relação as conquistas políticas que refletem
e muito no panorama da Educação Inclusiva e conseqüentemente na Educação de
Surdos.Também aproveito para refletir sobre a relação dessas interferências
políticas na nossa atuação em sala de aula, no perfil educacional das escolas e
na realidade que vai aos poucos se costurando. Quando recordo que no decorrer
de todo esse tempo de sala de aula, de educação inclusiva, de escola de
surdos... nós debatíamos muito a realidade da inclusão , a necessidade da
acessibilidade,a importância e a relevância não só do reconhecimento mas
principalmente a aceitação e do respeito da LIBRAS enquanto Língua é inevitável
não fazer uma retrospectiva tipo túnel do tempo e a medida que avançamos no
túnel a sensação é de que muito ainda temos que conquistar , lutar, exigir mas
ao mesmo tempo temos a sensação de que muito já se conquistou. Nesse momento me
refiro a minha prática onde eram pouquíssimos os espaços onde a LIBRAS eram
divulgadas, as pessoas não percebiam que LIBRAS era uma língua e sim
acreditavam que se tratava de um conjunto de gestos ou até uma seqüência de
mímicas que apenas alguns tinham acesso e domínio... .
Hoje,
devido às atuais políticas educacionais voltadas para a Inclusão e a
Acessibilidade sabemos que a disciplina de LIBRAS foi introduzida em caráter
obrigatório não só em cursos técnicos e de formação acadêmica, mas também em
espaços como prefeituras, hospitais e lugares de atendimento ao público. Certamente
que esta muito longe do ideal quando paramos para refletir no SUJEITO SURDO
enquanto cidadão, enquanto aluno, enquanto profissional capaz de trabalhar,
votar, constituir família e tudo que a essa condição esta atrelado. Mas, não é
possível levantar a bandeira pela busca do que ainda precisa ser feito sem
antes pensar em tudo que já foi conquistado também como uma forma de valorizar
e usar como estímulo para as lutas que ainda serão uma realidade.
No momento que
falamos de educação especial, abrimos um leque de situações que são colocadas
em um discurso educacional mais amplo que sofre constante crítica e que mesmo
resistindo fica a mercê de alterações que em muitos momentos não visualiza a
INCLUSÃO como sendo o foco principal, mas sim uma discussão que se preocupa com
o custo benefício de se manter uma política inclusiva que realmente se preocupe
com o sujeito em questão e que saia do discurso e vá para a prática real dessa
fala. É neste movimento que se reconstrói a cada grito que a Educação de Surdos
seja vista, discutida e respeitada não como fazendo parte do bolo, mas que seja
discutida reavaliando que nesses ingredientes temos uma cultura própria, uma
língua própria, uma realidade própria com situações peculiares e que de forma
alguma podem ser desconsideradas ou relevadas a condição de normalidade dentro
do possível.
Durante minha
prática em sala de aula, fui em muitos momentos a voz dos alunos na escola de
surdos e compartilhei situações onde sentia na pele que a descriminação, a
exclusão, o descaso e o desrespeito da família e da sociedade como um todo é
visível e pertinente se tornado uma luta constante em prol de seus direitos mas
também na busca de uma independência que se arrasta e que para grande maioria é
conveniente.Quando me refiro a conveniente, é por que o domínio e a manipulação
das idéias e da forma de se portar diante do mundo esta atrelado mesmo que
indiretamente a sensação de se estar
vigiado quando precisa necessariamente da voz
e do ouvido do outro para que escute o que o mundo fala e fale o que nem
sempre o mundo ouve...
Não é fácil esse
intermédio, mas a quebra de muitos paradigmas se faz necessário no momento que
repensamos as conseqüências desses conceitos em muitos momentos ultrapassados e
que se tornam verdadeiras fronteiras
sociais na busca de um Sujeito mais crítico, determinado e principalmente além
de consciente mais independente.
Quando coloco o
túnel do tempo como um exemplo aproveito para me referir ao decreto lei 5626
onde destacamos a discussão de necessidade particulares ao sujeito surdo mas
que fica como uma necessidade crescente, como um alerta para perceber que cada
necessidade tem seu perfil e suas peculiaridades e ressaltando a condição da
SURDEZ temos : problemas relativos à formação
e ao perfil de profissionais envolvidos na implantação dos projetos nas redes
regulares de ensino: professor bilíngüe, tradutor/intérprete e instrutor de
LIBRAS, bem como a proposta de educação bilíngüe, que institui a Língua de
Sinais Brasileira como primeira língua de instrução e a modalidade escrita do
português como segunda língua. O Decreto trata ainda da inserção da disciplina
de LIBRAS nos cursos de graduação em Fonoaudiologia, Pedagogia, Educação
Especial e Licenciaturas.
Como
antes coloquei, hoje temos conquistado direitos que no dia a dia com o contato
com o surdo é quase que inacreditável que precisou uma lei para garantir tais direitos,
mas que antes parecia tudo utopia. Posso concluir que, de
muitas situações que vivi, identifico que hoje a situação social do Sujeito
Especial independente da sua necessidade esta mais aberta a discussões nem
sempre o resultado é favorável, mas que hoje são possíveis. É notório que as
políticas procuram manipular os benefícios em prol de uma minoria, mas a
importância de se ter um espaço para reflexão e discussão em busca de
conquistas é fundamental e é neste momento devemos reagir lutando e acreditando
que são batalhas travadas que aos poucos somadas dão uma vida de lutas e
conquistas.
Um abraço L.S.
Para: D.K.
Olá Daiane,
Eu escrevo esta carta para
conversarmos um pouco sobre o tema Políticas educacionais e
lingüísticas para alunos surdos: que impactos e movimentos provocam nas escolas?
da disciplina Memórias e Narrativas III.
Eu tive pouca experiência
como professora na sala de aula, mas enquanto professora da disciplinas de
técnicas de tradução e interpretação de Libras no Unilasalle, formando futuros
intérpretes, tenho ouvido de parte dos meu alunos comentários, angustias e até
pedidos de ajuda de como proceder com as determinações desta nova política.
Muitos destes alunos são intérpretes que atuam diretamente na sala de aula de
inclusão, outros são professores no AEE ( Atendimento Educacional
Especializado) e outros de classes especiais.
E ao assistir a entrevista
do Capovilla e ler a história da menina que passou por uma cirurgia de implante auditivo de tronco cerebral, é
possível vermos aqui duas realidades distintas que aparecem nos comentários dos
meus alunos. O primeiro a importância da Libras, que muitas vezes as crianças
surdas chegam a escola sem conhecimento em sua língua materna e que muito disso
se deve ao fato de que os pais ou não aceitavam ou realizaram cirurgias de
implante coclear na esperança de que seu filho ouvisse.
Tentar
compreender que a educação bilíngüe entende que a Libras é importante para o
desenvolvimento cognitivo da criança surda como também compreender que a
medicina entende que a surdez é algo para se tratar e curar. Percebe-se duas
discussões polêmicas no Brasil e no mundo.
Vejo e
escrevo não como educadora, mas como uma militante na comunidade surda, que vê
a medicina como ciência que agride e violenta os corpos infantis com uma
tecnologia que nem sempre é eficiente, de acordo com os surdos o implante
coclear apresenta sucesso em um a cada cem casos. E nos relatos de meus alunos
esta informação é reforçada, a maioria dos surdos incluídos usa o implante
coclear desde bebês e situações como de ausência de fala oral, agressividade,
agitação, incômodo, remoção continua do aparelho são vistas nestes pequenos
surdos. Os intérpretes colocam ainda que o professor da sala de aula não se
envolve com os alunos, deixam a tarefa de ensinar e disciplinar os surdos para
eles. Desde as atividades de sala de aula, de intervalo, de conversar com os
pais são os intérpretes que o fazem. É interessante nestes relatos que eles se
angustiam por que muitos deles não têm formação pedagógica, não sabem se estão
fazendo o certo, o professor não os procura para conversarem sobre os alunos
surdos, muitos intérpretes colocam que dias de avaliação os alunos surdos são
dispensados da aula. E me pergunto que inclusão é esta? As crianças surdas
passam por uma dolorosa cirurgia de implante coclear que pode não garantir
sucesso e quando chegam na escola não sabem língua de sinais. Se esta é
ofertada desde a infância como coloca Capovilla a criança surda se desenvolve
muito mais rápido, podendo ainda desenvolver a oralidade, num outro momento
fora da escola.
Uma amiga
muito querida, que fez a cirurgia do implante coclear no filho quando ele tinha
5 anos me contou sua história, e desejo compartilhá-la. Ela descobriu que o
filho era surdos aos 2 anos de idade, o aparelho auditivo não era suficiente, e
os médicos aconselharam que ela fizesse o implante coclear, era muito caro e
ela fez vários eventos: almoços, jantares, chás para arrecadar o valor
necessário, aos 5 anos o filho fez a cirurgia. Logo após, o médico lhe passou
uma série de recomendações, a primeira ela deveria procurar uma fonoaudióloga
para estimular a audição, não deveria fazer uso da Libras, o menino poderia
ficar rebelde sobre o aparelho e querer tirá-lo, ele deveria ter alguns
cuidados como não correr, não cair com a cabeça, não entrar na água com o
aparelho, se pudesse ela deveria protegê-lo como vidro. O menino não gostava do
aparelho como o médico já havia lhe dito e ela muitas vezes teve de brigar com
ele para continuar usando. Ela buscou consultar com especialista fonoaudiólogo,
para surpresa dela deveria aguardar e sabia que esta espera podia durar dois
anos, então ela passou a pagar um especialista, o menino ia uma vez por semana,
quando deveria ir mais vezes, mas uma única consulta custava 50,00, ela era
faxineira e o marido frentista, ambos moravam numa cidade em que o custo de
vida era muito alto. Aos 7 anos ele esboçava algumas palavras e usava gestos, ele odiava ir para a escola, e lá as
professoras não conseguiam trabalhar com ele, ela conta que todos os dias ele
fazia desenho. Aos 9 anos ela soube por uma amiga que havia uma escola que
tinha outras crianças como o menino em classes especiais, e ela procurou pela
escola e soube que tinha uma professora surda e outra professora que não era
surda, ela queria a professora que não era surda, por que o médico havia
orientado que ele não usasse Libras, quando o menino começou a estudar na
escola, ela o viu se transformar, procurou pela professora e para sua surpresa
a professora disse que no começo foi difícil visto que ele não usava Libras,
mas quando começou a aprender com ela e com outros colegas ele agora um
“tagarela” e ela perguntou “como assim um tagarela?” pois ela não o viu falar
nada diferente. A professora disse que em suas aulas usava Libras e que ele
falava tudo em Libras. Ela não entendia, quando a professora chamou o menino
disse para ele alguns sinais e o menino riu e sinalizou alguma coisa, ao
perguntar o que foi que falaram, a professora disse “eu falei para ele que você
não sabia que ele usava Libras” e o que ele disse foi “ela não sabe, ela não
gosta”. A mãe ficou envergonhada e enciumada da professora por ela saber falar
com seu filho. Aos dez anos depois de pegar uma chuva o aparelho externo do
implante estragou e ela enviou para São Paulo para orçamento do conserto, visto
que o governo não dava manutenção do aparelho, 15 dias depois soube que era
muito caro e precisou fazer festas beneficentes para juntar o dinheiro, um ano
depois ela mandou consertar, levou dois meses para ficar pronto. Quando o
aparelho chegou, o menino não queria usá-lo, a mãe o obrigou a usar e com
sentimento de raiva o menino arrancou o fio que ligava o aparelho, ela não
esconde que ficou muito aborrecida, pois exigiria que ela tivesse de juntar
mais dinheiro. Numa manhã em que chegou na escola, viu duas mães conversando
com suas filhas em Libras, o seu filho correu até elas, deu beijo delas e
sinalizou com elas, e dentro dela o coração partido, levou-a para casa onde
chorou e pensou em todo o sacrifício e sofrimento que passou para que o filho
pudesse ouvir e falar e se deu conta de que era ela quem deveria mudar, ela
deveria aprender a falar com o filho, e procurou pela escola, aprendeu Libras,
engachou-se em ajudar outras mães que não sabiam o que fazer com seus filhos
que não queriam usar o aparelho, se tornou presidente da associação de pais e
mestres da classe especial. O filho tinha 13 anos e ela vê o filho dizer que a
ama todos os dias. No inicio do ano de 2012 a CRE determinou o fechamento das
classes especiais, os alunos foram separados e enviados a escolas inclusivas,
ela me procurou desesperada e perguntou o que ela faz, pois o filho está
afastado dos colegas surdos, na inclusão a professora não sabe Libras, a
professora que antes trabalhava com eles agora se divide em três ou quatro
escolas para ajudar os alunos nos conteúdos de aula. Com minha orientação ela
coletou assinaturas pela cidade e denunciou ao Ministério Público a negligência
da CRE em determinar o fechamento sem a devida estrutura para a inclusão. O
Ministério Publico fez recomendações de fazer os ajustes de conduta a CRE com prazo de 90 dias, a solução foi abrir
concurso publico, vaga para mais duas professoras que atuariam como
intérpretes. Totalizando 3 que deveriam atuar em todas as escolas do município.
O filho está terminando o ano, e ele reclama da falta que sente dos colegas e
da professora que tinha, diz que a escola não é boa, que não fica na sala de
aula só olhando para a professora e ela não dá bola para ele. Ao ver os
cadernos ela pergunta se ele entendeu o conteúdo, e ele diz que não. Ele vai
para o AEE uma vez na semana, mas lá a professora surda trabalha mais língua de
sinais ele não está aprendendo, segundo ela, ele está regredindo.
Então
Daiane, só este relato poderia dar muita discussão, só este relato poderia nos
fazer pensar sobre como a Política de educação está realmente pensando na
Política educacional e lingüística para surdos. A inclusão de surdos não se
resolve apenas com a presença do intérprete de Libras e estamos vendo em muitas
cidades que são poucos os profissionais para atuar em tantas escolas, além
disso, a escola precisa pensar no currículo, na avaliação e na língua de
instrução desta criança surda. O implante coclear por mais que ele seja
eficiente como garantem os médicos ele tem sérias restrições, e por que não
favorecer a Libras e permitir que esta criança possa desenvolver suas
habilidades seja para a escrita, para a oralidade, mas o pano de fundo de toda
esta aprendizagem está na aquisição da Libras desde a infância, orientando os
pais sobre seus benefícios.
Mas
acredito que tudo ao seu tempo, a Libras ainda há de ser valorizada como deve.
Os movimentos ainda existem fortemente para transformar a realidade desta
in(ex)clusão.
O que acha Daiane? A política de educação deve
repensar a inclusão?
Um grande abraço. C.L.
Para: G.C.
Amigo G.!
Quero em primeiro lugar, dizer o quanto foi
difícil disfarçar, na última aula quando sentamos perto, que tu era o meu amigo
secreto.... Estava com medo de dar pistas! Não podia nem anotar, pois estava
ali bem ao lado! Foi divertido!
Fiquei muito feliz, senti uma afinidade bem
legal nas nossas breves conversas! Numa outra oportunidade termino de te contar
àquela situação que não deu tempo na última aula! (risos, lembra?) nem para a
professora consegui pedir socorro ainda!
Bom, espero escrever algo interessante para as
nossas discussões aqui do seminário com a minha história e relação com a
educação de surdos. Escrevo-te então a carta com o segundo tema: Políticas educacionais e linguísticas para alunos surdos: que impactos e movimentos provocam nas escolas?
Vou iniciar me apresentando para
conheceres melhor e entender o porquê do meu interesse no seminário e de onde
eu me posiciono ao falar sobre a educação de surdos. Eu nunca tive uma
experiência direta, prática com educação de surdos ou escola de surdos.
Como disse no primeiro dia de aula, sou formada em Pedagogia-
habilitada para trabalhar com a educação infantil, escolhi o curso por entender
(na época) que uma faculdade, um curso bem feito na área da educação
principalmente na educação infantil seria a “solução” para os problemas
educacionais do país e do mundo! Já que a educação infantil sendo o primeiro
contato do aluno com a escola sendo bem trabalhado, bem desenvolvido garantiria
o sucesso destes alunos para o resto das suas vidas acadêmicas!”Ah que saudade
que tenho....” Que saudades dos meus 18 anos! Onde acreditava em fatos,
situações... Este período o qual me refiro é o ano de 1999, onde se iniciavam
as discussões sobre inclusão, também acontecia as movimentações referentes á
educação de surdos como o pré-congresso bilíngue onde foi produzido o documento
elaborado pelos surdos Que educação é essa nós surdos queremos? Foi um período
movimentado nas políticas públicas referentes à educação e outras Leis como,
POLÍTICA NACIONAL DE POLÍTICA AMBIENTAL, EDUCAÇÃO INDÍGENA, surgia os
PARÂMETROS EDUCACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL, DIVERSIDADE, INCLUSÃO... e eu
como tinha a experiência (intérprete) de um colega surdo sempre tive interesse
na educação especial e a educação de surdos.
Durante o curso direcionei algumas leituras e trabalhos para a
educação especial e posteriormente na educação de surdos. Passado este período
de graduação, me dediquei a procurar uma especialização que fosse ao menos
interessante e que contemplasse essa idéia inicial. Nesta mesma época de
turbulências e dúvidas da minha vida profissional/acadêmica isso já em 2004,
2005 os surdos estavam contemplados com as políticas educacionais e
lingüísticas com a Lei 10.048/2002 e o Decreto 5626/2005.
Eu trabalhava numa instituição, na APAE de Santa Maria, RS e fui
convidada a apresentar o trabalho realizado, num seminário organizado pela
SMED, Secretaria Municipal de Educação, da minha cidade e ali encontravam um
grande grupo de professores, pesquisadores e acadêmicos interessados na
educação especial. Acho que a minha fala fugiu um pouco do que eles queriam
ouvir ou estavam acostumados a ouvir e acabei chamando a atenção por entender a
educação especial, muito discutida no evento pelo viés da inclusão educacional,
de outra perspectiva. A partir desta
palestra surgiu o convite de um grupo de professores da escola Reinado Cóser,
escola de surdos de Santa Maria, RS que estavam presente naquela ocasião para
participar do curso de pós-graduação em educação de surdos, promovido pela
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) organizado por este mesmo grupo de
professores, numa oportunidade única, onde toda estrutura da universidade seria
trazida para perto dos interessados, sendo este curso ministrado num local
muito especial: na própria escola dos surdos.
Então, apareceu a oportunidade de fazer a especialização
interessantíssima que eu procurava e fundamentar tudo àquilo que eu vivia em
relação à educação de surdos, como filha de surdos e recém formada do curso de
pedagogia.
A experiência foi muito
boa, conviver no universo dos surdos, estar na companhia deles e de pessoas
mais experientes com o mesmo interesse que o meu, como os colegas de curso, foi
com certeza o maior e melhor aprendizado nesse período.
No curso compreendi vários assuntos, consegui entender que palavra
“diferença” é uma palavra enorme de uma grandeza infinita onde não se limita no
bom ou ruim, bonito e feio, especial e normal, entende o que quero dizer? Bom,
Guilherme, não preciso te dizer o quanto isso mexeu comigo. Quanto mais eu lia
e escrevia sentia que não sabia nada! Hoje continuo assim, porém um pouco mais
segura! O curso foi fantástico. Entre várias descobertas e problematizações
também descobri que a educação infantil não é o princípio de uma boa educação,
garantia de nada! Formar bons professores, ao menos professores capazes de
instigar o aluno a pensar, estava na frente de ser uma boa professora de
educação infantil preparada para trabalhar com a inclusão, diversidade, surdos,
índios, negros, deficientes mentais e outras classificações etc. Esse “BUM” fez
com que eu direcionasse a minha formação acadêmica a pesquisar sobre formação
de professores na educação de surdos numa outra perspectiva da qual
provavelmente tenha sido subjetivada a minha vida inteira, defendendo uma
cultura, uma identidade e principalmente uma língua! Agora, defendo aquilo que acredito
fundamentada em aportes teóricos e principalmente legais que o mestrado me
proporcionou.
Depois do mestrado em educação, me tornei uma pessoa muito mais
disposta a discutir e a lutar por aquilo que acredito! Confesso-te G. que me assusto...muito mais hoje do
que antes, estou num processo de “aprendizagem” e não me autorizo a dizer muita
coisa que penso em relação a educação de surdos,
mesmo sendo filha de surdos e estando de certa forma bastante próxima e ligada
principalmente por questões não só emocionais que envolvem a educação de surdos
como por questões de acreditar mesmo. Quando converso com alguém que não quer
ouvir o que eu tenho à dizer sobre educação de surdos já saio na ponta da
língua e das mãos com o que diz a Lei! Na construção
de uma nova política educacional para os surdos, penso que constitui-se também
um novo surdo, que ganha força, com a consolidação das mudanças legais e das
diretrizes para a educação de surdos, para propor a educação dos surdos, a
inclusão que os surdos querem.
O exemplo próximo que tenho sobre
os impactos resultantes destas mudanças legais é o da minha mãe que se preparou
4 anos para terminar o ensino médio e o curso normal tenho condições perante a
Lei de participar do vestibular na UFSM como cotista ou pelo PEIES. (programa
de ingresso ao ensino superior, fazendo as provas por ano).
Bom, tenho tanto assunto para
conversar que tenho certeza que esta será apenas a primeira carta...talvez para
agendar outros/alguns encontros! Foi muito boa a experiência de escrever para
um amigo, não sei se fui clara ou interessante espero ter trazido alguma
contribuição. O que sei é que o surdos de hoje narram a sua histórias que as
políticas públicas permitem esse espaço à esses sujeitos, chega de serem contados
pelos ouvintes!
Um grande abraço, P.S.
Para: R.T.
Oi R.!
A experiência que adquiri na área da
educação de surdos foi a partir da monitoria de educação especial e de libras.
Vou tentar falar um pouquinho de mim para você saber como cheguei aqui.
Nasci e cresci no interior, vim morar em
Porto Alegre para estudar, mas os meus planos acabaram ficando de lado quando
precisei começar a trabalhar e também por ter que cuidar da minha filha.
Fiquei muito tempo sem estudar e já não
acreditava que pudesse entrar na universidade, quando fiz vestibular e consegui
a minha vaga na UFRGS, estou no 4º semestre de pedagogia.
Minha mãe era professora, hoje está
aposentada, e desde muito pequena acompanhei ela nas escolas e observava o seu
trabalho, mas mesmo assim não pensava em trabalhar com educação.
Na minha primeira aula de Educação
Especial, lembro da Professora Adriana Thoma perguntando qual era a expectativa
que cada um tinha em relação a disciplina. Alguns responderam que não esperavam
muito, já eu respondi que essa era para mim a área de maior interesse.
Me inscrevi para monitoria de Educação
Especial onde participei da organização do curso memórias e passei a conhecer
de perto a realidade dos surdos. No inicio tinha muita dificuldade e receio de
me comunicar, confesso que ainda hoje me sinto insegura.
Fiz libras 1 e 2, aprendi bastante, mas
o meu maior aproveitamento foi no curso de
capacitação em libras para os funcionários da Ufrgs, que fiz enquanto
era monitora. Esse curso foi muito importante no meu processo de formação,
principalmente, quando com o grupo, fizemos uma visita na escola Salomão
Watnik, e ali tive a certeza de que estou no caminho certo.
O meu interesse e vontade de aprender só
fez crescer e hoje faço parte do grupo SINAIS onde participo da pesquisa Políticas educacionais e linguísticas como
estratégias de governamento dos sujeitos no campo da educação de surdos.
Sei que ainda tenho muito para aprender
e estou apenas no inicio da minha formação acadêmica, mas além de estudar e
ler, conviver com professores surdos e ter a oportunidade
de acompanha-los de perto tem enriquecido muito o meu aprendizado.
Abraço com carinho, P.V.
Para:
C.S.
Olá C.S.!
Nos conhecemos por e-mail e fiquei feliz
quando te conheci pessoalmente, pois és minha colega de aula, de discussões na
área da educação dos surdos.
Vou falar um pouco de minha
história/trajetória com relação a Políticas Educacionais e linguísticas para
alunos surdos: que impactos e movimentos provocam nas escolas.
Iniciei o Curso de Pedagogia na
Universidade do vale do Rio dos Sinos-UNISINOS, nessa época trabalhei em um
contrato emergencial na minha cidade em uma escola que era conhecida como a
Escola Inclusiva, foi quando conheci um aluno surdo, esse foi, posso dizer o
motivo e a vontade de querer conhecer, aprender sobre a educação de surdos e
sua cultura.
Normalmente, as pessoas fazem suas
escolhas profissionais por que, de uma forma ou de outra, essas escolhas têm
muito a ver com sua história de vida. Minha escolha profissional foi assim,
ligada essencialmente a uma história de vida.
Como já citado, as inquietações que o
aluno surdo havia me proporcionado, foi esse impulso que me levou em direção ao
desafio de querer saber mais.
Quando começaram a existir perguntas,
questionamentos, comecei a procurar respostas, pessoas que me orientassem nesta
busca, pois, sem dúvida, sozinha não seria possível iniciar um trabalho. As
pessoas que me des/orientaram são os/as autores/as que apontam novas maneiras
de pensar, novos caminhos a percorrer, como por exemplo Maura Corcini Lopes e
Elí Henn Fabris professoras da graduação, (1997-2001), Lodenir Karnopp e Ana
Luiza Caldas professora no Curso de Tradutor Intéprete de LIBRAS 2 (2001-2002),
Adriana Thoma no Curso de Pós Graduação Educação Especial: Surdez (2005-2006),
Carlos Skliar, Tomaz Tadeu da Silva, Alfredo Veiga Neto, Marisa Costa, Sandra
Corazza, entre tantos outros/as que, de uma forma ou de outra,
contribuíram/contribuem nessa caminha.
A partir das aulas/leituras dos/as
professores, autores/as acima referidos/as, foi possível delinear o caminho
para a construção de uma concepção de sujeito que há discursos, a práticas
ouvintes de fala e de escrita.
O primeiro impacto foi quando realizei
meu Trabalho de Conclusão da graduação, pois pesquisando, percebi que o sujeito
surdo é produzido por diferentes discursos que disputam diferentes formas de
narrá-lo. Entre esses discursos, um dos que ainda se mantém produzindo verdades
é o discurso colonialista que Skliar (2001) chama de “ouvintismo”, que é o
discurso que ganha sentido em práticas que colocam a surdez no lugar do déficit
e do problema. Skliar (2001) diz que o ouvintismo é “[...] um conjunto de
representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se
e narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse
narrar-se que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte”
p.15
Quando ao falar de Políticas
Educacionais e linguísticas ao meu olhar, não ignoro que minha condição de
estudante ouvinte tampouco “escape” de uma posição de poder que me permite, no
espaço acadêmico, inventar o outro, ao falar da minha perspectiva como tais uma
possível “verdade” sobre uma comunidade à qual não pertenço.
Realizei meu Trabalho de Conclusão da
Graduação, pesquisando escolas públicas estaduais que atendiam alunos surdos em
Classes de Surdos com professores ouvintes. Essa pesquisa foi através de
pareceres descritivos, onde tive como título “Representações de Professores Ouvintes
sobre alunos Surdos”
Os chamados “pareceres descritivos” são
utilizados largamente pelas escolas brasileiras da atualidade como uma forma
mais democrática e menos excludente de verificar o desempenho do aluno/a. Não
são considerados “instrumentos de avaliação” (como provas, testes), mas
alinham-se na mesma categoria do boletim escolar, isto é, como “instrumento de
expressão dos resultados de avaliação”.
Concomitante a minha graduação e
realização de meu trabalho de conclusão de curso, comecei a trabalhar na
Divisão de Educação Especial do Estado do Rio Grande do Sul no ano de 1999.
Lembro que quando cheguei na Secretária
da Educação havia uma discussão sobre o documento “A EDUCAÇÃO QUE NÓS SURDOS
QUEREMOS” em abril de 1999.
Foi um período de muita aprendizagem,
uma experiência riquíssima, pois tive oportunidade de estar participando de
Encontros, Seminários, discussões, realizando Cursos na área da Educação de
Surdos, podendo estar mais próxima da comunidade Surda, conhecendo o
funcionamento das escolas de surdos, a diferença das escolas do interior e da
capital e região metropolitana, as cidades onde havia/há escola de surdos e
onde não havia/há. Conseguimos alguns
avanços na área da educação de surdos. Organizamos e realizamos cursos de
LIBRAS e de Instrutores de LIBRAS em todas as coordenadorias Regionais de
Educação-CRE e foi possível também formar professores na área da Educação
Especial: Surdez de quase todas as CREs do Estado do RS.
Em 2001 comecei a trabalhar como
Intérprete de LIBRAS na universidade Luterana do Brasil-ULBRA, onde acompanhei
muito próximo a caminhada, as conquistas na comunidade surda.
Acompanhei as conquistas com relação a
oficialização da Língua Brasileira de Sinais em 24 de abril de 2002, o decreto
que estabelece a formação do Tradutor Intérprete de LIBRAS, dentre outras
resoluções e leis que possam estar garantindo nossa educação com qualidade.
Em 2006, precisei pedir demissão da
ULBRA para representar o Brasil em um projeto onde o Japão estava selecionando
uma pessoa de cada País para compor o grupo de discussões para o reconhecimento
e autorizações das escolas brasileiras, argentinas, uruguaias, paraguaias,
peruanas, bolivianas, colombianas e chilenas.
Começamos o trabalho primeiramente
conhecendo todas as escolas de ensino comum e especial, de educação infantil ao
ensino médio, para então começarmos a entender a legislação de cada País e
poder construir um documento norteador
os seus projetos políticos pedagógicos.
Construímos nossos Projetos Políticos
Pedagógicos, metas de trabalhos e uma nova construção de escolas no Japão.
Esse trabalho se estende até o momento,
pois é um trabalho também de acompanhamento.
Trabalhei muito próximo a comunidade
surda do Japão, até por que minha comunicação em todas as cidades, locais era em
Língua de Sinais. No Japão um grande número de pessoas sabe/conhece a Língua de
Sinais, lá Língua Gestual Japonesa.
A Educação no Japão possui uma grande
estrutura, onde todo/a aluno/a possui total direito a educação com qualidade.
No Japão há escola e universidades para
surdos, onde o mesmo poderá ter acesso ao ensino aprendizagem via língua oral
(som ampliado), gestual e/ou escrita.
A estrutura é ótima, mas a cultura é um
tanto contraditória, pois ao mesmo tempo que é dado total direito a educação
com qualidade, as escolas não oferecem todos os cursos nas escolas de surdos.
Os cursos oferecidos no Ensino Médio/ Técnico ou Universidade são na área da
Informática, Engenharia e Artes, pois alegam que os surdos são ótimos nessa
área, não necessitando oferecer as demais, assim como as universidades de cegos
é oferecida somente a graduação de massagista, pois os cegos são ótimos nessa
área.
Questionei muito, o motivo dos surdos e
cegos não fazerem outros cursos, em outras áreas... exemplo na área da
licenciatura, pois assim eles mesmos poderiam ser os professores nas
escolas/universidades de surdos. Mas a cultura é tão forte, desde o nascimento
que chegam na adolescência dizendo que realmente serão engenheiros, informatas
e artesões.
A experiência de poder trabalhar,
estudar, morar no Japão foi/é riquíssima, pois aprendi/do muito.
Em outro momento poderei estar falando
um pouco mais sobre essa experiência.
Em 2011, retornando de fato, iniciei o
trabalho como Coordenadora Pedagógica dos Cursos de Pós Graduação do Sistema
Educação Galileu-SEG, onde organizamos a implantação do Curso de Pós Graduação
de Tradutor Intérprete de Língua Brasileiras de Sinais-LIBRAS e Cursos de
LIBRAS.
No mesmo ano, comecei a lecionar a
disciplina de LIBRAS para o Curso de Magistério do Instituto Estadual de
Educação Flores da Cunha.
Este ano, no dia 04 de junho convidei as
alunas do magistério do Instituto Estadual de Educação Flores da Cunha, escola
em que trabalho a disciplina de LIBRAS para acompanharmos a audiência pública,
que teve como tema Escola Bilíngue para Surdos.
Fiquei preocupada, pois parece que todos
avanços começam a regredir quando se fala em fechar as escolas bilíngue, penso
que precisamos cada vez mais lutar em busca do que acreditamos.
Hoje estou cursando a disciplina Memórias,
narrativas e experiências na educação de surdos III: políticas educacionais e
linguísticas como estratégias de governamento dos sujeitos no campo da educação
de surdos, pois acredito que é na universidade pesquisando, discutindo é que
podemos avançar os debates políticos.
Ao final dessa carta, quero dizer que,
minha formação e experiências na área da educação dos surdos e minha
história/trajetória com relação a Políticas Educacionais e linguísticas para
alunos surdos foi o aluno surdo em que trabalhei em 1998 que me trouxe as
inquietações e que me “alavancaram”, me impulsionaram em direção ao desafio de
querer conhecer, aprender, me envolver na área da educação e a cultura surda.
Quero dizer também, que foi um prazer
fazer essa carta para você e espero que possamos fazer muitas trocas nesse
semestre e muitos outros que virão.
Beijos! R.Q.
Para:
P.V.
Boa
noite P.,
Sei
que você sabe que sou eu, pois você me viu tirando seu nome (hehehe). Bem, é
muito difícil falar sobre este assunto “Políticas educacionais e linguísticas para alunos
surdos: que impactos e movimentos provocam nas escolas?”, pois não estou envolvida nas escolas por
enquanto, pois trabalho somente no projeto da deficiência e na universidade.
Para falar sobre este assunto utilizarei a minha visão da escola, que percebi
através de algumas experiências em vários estágios do curso da graduação
Letras/Literatura e Letras/Libras e me baseando somente na reflexão da
entrevista do Dr. Capovilla, pois não
consegui abrir o link do cronograma, diz que o site não foi encontrado.
Para mim é complicado, pois estamos no momento
lutando pela educação de surdos. Queremos que os políticos entendam que
queremos o melhor para os alunos surdos. Às vezes fico com dúvidas, pois as
escolas públicas querem e precisam saber como melhorar a educação de surdos e
elas veem que o melhor por enquanto é a escola bilíngue. Acho ótimo para estas
escolas, mas com as escolas particulares - para mim - é dificil entender o que
eles querem, pois sempre vejo que eles contratam funcionários e professores
para trabalhar sem ter boa fluência de LIBRAS. O que significa para eles a
escola bilíngue? Acho que é só aparência, na prática não é assim que funciona.
Tem muitas pessoas – surdas e ouvintes - formadas e
com boa fluência que podem trabalhar, mas não conseguem entrar, pois eles só
querem as pessoas conhecidas de alguém que está dentro da escola. Como
entender? Nas escolas publicas é diferente, pois é necessário contratar através
de concurso. Para abrir este concurso é preciso um edital e, para o candidato,
são solicitados documentos que comprovem formação profissional e também que
façam uma prova prática avaliada por uma banca específica e não somente
certificado de proficiência em LIBRAS.
Isso que penso sobre o futuro das escolas
bilíngues, acho que este é o momento que temos para pensar nisso. Espero que
compartilhemos esta ideia do movimento surdo neste momento para o nosso futuro
na educação de surdos.
Beijos, R.T.
Para: P.S.
Olá Paula!
Tudo
bem? Não nos conhecemos muito, mas sei que está envolvida na área de educação
de surdos, assim poderei escrever sabendo que iria me entender e entender minha
visão sobre politicas educacionais e linguísticas para surdos, mas antes de
começar, queria falar que escrevi a primeira carta para nossa colega Lucia
narrando minhas experiências bilíngues. Quando nasci surda, adquiri a Libras e
Língua Portuguesa naturalmente e aprendi inglês e alemão basicamente. Entendo
que ser multilíngue é por conhecer parcialmente as línguas, então posso me
assumir multilíngue, conheço também outras línguas, um pouco de ASL (American
Sign Linguage), de SI (Sinais Internacionais). Enquanto crescia bilíngue, não
tinha pensando realmente “nas línguas que tinha aprendido” ou seja, não sabia
que eu tinha duas línguas, até na primeira faculdade Letras, tinha interprete
de Libras, mesmo assim não reparei que era usuária de “duas línguas”. No
decorrer de tempo, em 2005, a FENEIS em parceria do MEC ofertou o curso de
instrutores de Libras, fiquei interessada, quando ingressei, após a conclusão
desse curso (180 horas) compreendi que sou bilíngue, sinalizo a Libras como
primeira língua e LP como segunda língua. Não é assim que se fala que tenho esta
e mais outra língua. Quer dizer que compreendo, aprendo, compartilho através de
Libras, e depois posso escrever em LP os assuntos já adquiridos pela primeira
língua antes. Tudo ok... e depois de um ano, chegou na minha vida uma caixa
surpresa, Letras/Libras, foi o marco histórico da minha vida, pois foi ali que
me tornou a professora bilíngue e mais politizada, e lembro que enquanto tive
experiências nas escolas de surdos no inicio da minha infância e na escola de
ouvintes (não chamo como inclusiva porque não tinha acessibilidade) no meio da
adolescência, retornei na escola de surdos, vivenciei e construí a cultura e
identidade surda no espaço das escolas de surdos, mas não me ensinaram todos
conteúdos que tinha presenciado nas escolas de ouvintes, me assustei ao
presenciar os conteúdos simplificados e muitas vezes omitidos, nessa época
briguei com todos professores por causa disso, tinha mãos batendo forte
(criticando, exigindo a aprendizagem igual a ouvintes mas claro, através de
Libras). Desde então eu, muitos surdos, ouvintes exigimos que hoje respeite e
ouça o que nós queremos sobre a educação, o que prova o documento “A educação o
que nós surdos queremos”, nesse documento contém um trecho “15. Em educação,
assegurar ao surdo o direito de receber os mesmos conteúdos que os ouvintes,
mas através de comunicação visual. Formas conhecidas, em comunicação visual,
importantes para o ensino do surdo são: línguas de sinais, língua portuguesa, e
outras línguas no que tange à escrita, leitura e gramática”. Hoje nós do
movimento surdo lutamos e exigimos a escola bilíngue. Não é a ideia de aprender
uma língua e mais outra língua. Quer dizer, nós queremos o espaço onde possamos
vivenciar nossa cultura surda, onde possamos compreender a nossa língua Libras
como status linguístico, onde possamos adquirir a língua portuguesa como
segunda língua,
Ah
preciso contar uma coisa interessante, lembra que quando nasci e cresci
adolescente não sabia que era “bilíngue”, né...meus pais já tinham me visto
assim e como parte da minoria linguística, uma vez minha mãe estava fazendo
supletivo de 2º grau em ano de 1998, ela tinha que fazer um trabalho sobre
minorias de população, ela me usou como exemplo. Um trecho do trabalho que me
provocou foi “[...] A Carolina tem uma surpreendente capacidade que permite
apreender quatro idiomas, o Português, o Inglês, o Alemão e a Linguagem dos
Surdos, que, para estas pessoas é o mais importante. [...]” Viu? além de ela
utilizar o termo linguagem de forma equivocada, via a Língua Brasileira de Sinais
como IDIOMA. No curso de instrutores e de Letras/Libras realmente compreendi o
significado de idioma e que a Libras era um dos idiomas.
Outro
trecho desse trabalho que me chamou atenção foi: “A resposta do médico, com
postura comum, como que receitasse um antibiótico: - Tua filha não ouve.
Precisa aparelho, escola especial e tratamento com fonoaudiologia”. Por isso
historicamente chamavam de escolas especiais, na verdade, para mim, foram sob
perspectiva clinica, era ideia de tratar surdos como déficit, falta de algo,
assistencialismo, por isso os movimentos surdos querem escola que não trate de
déficit, sim de diferença linguística e cultural. Como já narrei experiências
sobre escolas de surdos, claro que existem escolas de surdos que tratem da
perspectiva cultural, mas hoje queremos escolas bilíngues. Além disso, não
existe mais termo “Não ouve”, culturalmente usamos “surdo”.
Uma
coisa mais difícil é ver comentários dos professores que atuam nas escolas de
surdos, eles não aceitam as escolas bilíngues, porque temem perder as verbas do
Governo, já que este repassa valores ou para escolas comuns ou escolas
especiais, não há previsão de escolas bilíngues, mas podemos negociar com o MEC
que as escolas bilíngues são escolas comuns, que utilizam Libras como língua de
instrução.
Outra
coisa provocante foi quando os lideres surdos sinalizam: “SURDEZ NÃO É
DEFICIENCIA” isso gera confusão e conflito porque a sociedade entende que falta
de audição é deficiência, e surdos falam: “não posso sentir falta, eu nunca ouvi,
não conheço som, sempre usei visualidade”.
Preciso
desabafar contigo algumas coisas... Alguns “interpretes” com mãos de prata
atuando nos concursos, na prova teórica de DETRAN, em escolas inclusivas,
alguns professores com mãos de prata nas escolas de surdos. O que mais me deixa
na duvida (o que mais me provoca) se realmente as escolas bilíngues vai contar
com professores “bilíngues”, quero dizer fluentes em Libras...também vai
trabalhar com todos conteúdos sem omitir, ou simplificar, pois politicas educacionais
e linguísticas exigem educação
bilíngue bem efetiva e de
qualidade. Por isso nós surdos não queremos ser vistos como pessoas com
deficiência e que a Libras seria apenas um recurso para nós, desmerecendo seu
valor linguístico e cultural.
Nas
aulas de CFC tinha livro falando que os leigos não podem mexer, ou tentar
salvar as vitimas em acidente de trânsito, a palavra leigos significa aquele
que não conhece, não compreende, assim, aos leigos ouvintes é importante
saberem: nossas lutas pelas escolas bilíngues e defesa de cultura surda não
podem ser mexidas e também não precisam ser salvas, apenas respeitadas!
Um
abraço sinalizado,
Prof.
Ms C.S.
(se
as politicas linguísticas e educacionais sobre Libras não existissem, não
estaria aqui e nem seria “professora e mestra”)