Os “especiais” no vestibular da UFRGS,
por Adriana da Silva Thoma*
Especial é um adjetivo (ou eufemismo) utilizado para nos referirmos àqueles e àquelas cujas diferenças decorrem, entre outras, de condições convencionalmente denominadas deficiências, condutas típicas ou dificuldades de aprendizagem.
Tais diferenças, marcadas no corpo, na forma de raciocinar ou de se comportar, exigem dos sistemas educacionais serviços, recursos materiais e humanos, equipamentos e distribuição dos espaços e tempos de aprendizagem diferenciados, de modo a garantir a todos o acesso à educação.Durante quase toda a história da humanidade, os sujeitos com tais características ficaram “de fora”, excluídos da possibilidade de participação da vida coletiva. Através dos tempos, os sentidos dados às suas existências foram constituídos por diferentes interpretações, que variam desde a crença, entre os espartanos e gregos, de que esses deveriam ser eliminados, passando pelo conformismo piedoso do cristianismo, pela segregação e marginalização operadas pelos exorcistas da Idade Média, pelo paradigma da institucionalização do século 18 em diante e pelo paradigma de serviços do século 20, chegando às políticas da inclusão escolar e social da atualidade.
A inclusão, no atual contexto, chega ao Ensino Superior através de políticas acadêmicas como as mencionadas no último dia 2 de janeiro pelo professor Carlos Alexandre Netto, reitor da UFRGS, em artigo para este mesmo jornal. No referido artigo, nosso reitor fala sobre a decisão do Conselho Universitário quanto à reserva de 30% das vagas para alunos egressos da escola pública e/ou para autodeclarados afrodescendentes, política que foi implantada no vestibular de 2008. Há, ainda, uma política institucional que prevê o ingresso de estudantes indígenas, através de processo seletivo específico.
Neste artigo, trago a questão da inclusão dos alunos “especiais”, que no vestibular de 2009 somam 29 candidatos. Para eles, a UFRGS busca garantir a acessibilidade, prevista em lei e assumida pela instituição, em espaços físicos adequados, através de provas ampliadas, em escrita braile ou com ledores orais para os deficientes visuais, com correção que considera a escrita do português como segunda língua para os surdos etc.Várias instituições de Ensino Superior estão hoje mobilizadas para tentar atender às demandas desses alunos, e algumas universidades têm tido iniciativas bastante interessantes nesse sentido. Esse é o caso, por exemplo, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que em 2008 aprovou a reserva de uma vaga por curso para alunos com necessidades especiais que obtiverem aprovação no vestibular e possui um núcleo de acessibilidade, voltado a atender a permanência daqueles que ingressam nos seus cursos. No Rio Grande do Sul, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) disponibilizará as provas em Libras (Língua Brasileira de Sinais), que serão projetadas para os surdos durante os dias do vestibular, sendo essa uma política linguística em expansão hoje no país.Entretanto, não basta garantirmos a acessibilidade para esses alunos no vestibular. Para aqueles que lograrem êxito, teremos que garantir a permanência, assumindo, cada vez mais, uma política institucional que faça investimentos na formação dos professores, funcionários e bolsistas para atender as demandas que a inclusão coloca.Para que a inclusão ocorra, não podemos cair no erro de acreditar que será suficiente contarmos com alguns bem-intencionados e dispostos a assumir esse desafio por sua conta e risco, pois essa simplificação reduz o problema (cultural) da relação com a diferença e com o diferente. Para que a inclusão ocorra, será necessário nos questionarmos, permanentemente, sobre nossa disponibilidade para o convívio e a relação pedagógica com esses acadêmicos, problematizando suas presenças na universidade e duvidando das verdades que nos foram ensinadas sobre eles e elas. Será necessário oferecermos uma hospitalidade incondicional, que não deseje, obstinadamente, apagar suas diferenças e aprisionar suas formas de aprender e produzir conhecimento. Será necessário nos permitirmos experimentar a relação com esses outros, cujas diferenças nos escapam, sendo irredutíveis e quase sempre intraduzíveis em nossos parâmetros de normalidade.
*Professora da UFRGS
Publicado na Zero Hora - edição de 06/01/2009