Cartas 01


A formação e as experiências na área da educação de surdos

- Os nomes nas cartas foram substituídos por suas iniciais a fim de preservar a identidade dos participantes da pesquisa.

De: B.C.
Para: A.R.

Olá, A.R.!

Que bom escrever uma carta para você, já nos esbarramos durante o meu estágio na Escola Salomão, depois no corredor movimentadíssimo da UFRGS onde tem muitas mãos abanando no 9° andar. Até que já nos divertimos juntas (festa inesquecível, morre aqui) e agora seremos grandes colegas, parceiras!!!
Fico feliz em poder contar pra você coisas que tu nem imagina!
Bom, pra começar, sou filha de pais surdos, cresci sinalizando e, coisa da minha avó, fui parar na escola de ouvintes. Antes não se falava em inclusão e sim, em integração. Conclui o ensino médio e técnico em administração sempre com ouvintes e sem intérprete (nem sabia que tinha esse direito).
Durante esse tempo todo, trabalhava voluntariamente com surdos em associações, federações e, juro que, por milagre, entrei para o curso de Letras/LIBRAS.
Falo em milagre porque eu não tinha computador e nem tinha entendido o que era esse negócio de Letras/LIBRAS. Um dia ao visitar a SSRS (Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul) e daí meus amigos vendo a minha ignorância, me arrastaram pra me inscrever para o vestibular. Era em caráter de urgência, último dia, me inscrevi, na casa de uma amiga, sem ler o edital.
Estudar para a prova? Eu tinha certeza que não ia passar porque já vi que o vestibular da UFRGS era para os CDF’s.
E olha só onde eu aprendi de currículo surdo, foi durante a viagem a Santa Maria para prestar vestibular. Eu, apavorada, vendo colegas lendo sobre história surda, personagens surdos, FENEIS, libras em contextos e por aí vai, coisas que eu não tinha conhecimento.
Pronto! Fiz a prova com entusiasmo e passei. Não gosto de comentar muito sobre isso, mas se eu não contar pra ti, com certeza a C.S. chamaria a atenção. Tá bom, fui a primeira colocada no vestibular. Huhulllll
Confesso que me apaixonei pelo Letras/LIBRAS, quatro anos madrugando, viajando e estudando, foram os anos mais intensos da minha vida! Através dela conheci e presenciei congressos, fóruns e politizei.  Às vezes, fico pensando que, se não fosse pelo Letras/LIBRAS, eu seria uma alienada ou uma ignorante que dirá ser a favor da inclusão?
O Letras/LIBRAS me salvou, é através dela que consigo explicar para o mundo a DIFERENTE que sou! (Que legal, até que rimou!)
Passei a lecionar LIBRAS para ouvintes em diversas instituições e a entrar no universo da educação trabalhando para o Letras/LIBRAS como secretária e depois tutora. Ao mesmo tempo, me tornei professora substituta também. E agora sou feliz pois, junto com outras tutoras, formamos mais 21 multiplicadores!
Entrei na especialização em estudos culturais porque eu não consigo viver sem aprender. Mas também não pude deixar de agarrar a oportunidade de tentar novamente o mestrado e pronto, me tornei mestranda.
Eu sei que minha vida é uma loucura e tu deve entender do porque eu dizer que a UFRGS é a minha segunda casa!!!
Ah, deixa eu te contar mais uma, ano passado dei uma olhada no meu boletim de pré-escolar, e levei um susto ao ver o problema que eu tinha: linguagem. Aff, se a professora soubesse LIBRAS seria outra coisa. Agora estou com desejo de dar aula de LIBRAS para todos os professores que tive.
Bom, experiências marcantes mesmo sobre minha formação é de saber argumentar, negociar com pessoas ouvintes dando explicação sobre o universo surdo. A negociação que falo não é de dinheiro e sim de significados. O cuidado com as palavras, o verificar do entendimento deles e introduzir neles o meu significado com “tempero”. Acredito eu, que por crescer no ambiente bilíngüe/bicultural, consigo fazer a ponte entre esses mundos. Isso é uma tentativa diária!
Acho que vou parar por aqui pra não fazer nó na tua cabeça e nos vemos logo!
Beijos


De: A.R.
Para: B.C.

Oi BC,

Obrigada pela carta! Adorei ler sobre tua vida, tuas escolhas, descobertas, enfim, gostei muito de te conhecer um pouco mais. Agora te admiro e respeito ainda mais. Confesso que gostaria de ter lido mais sobre ti. Sendo assim, se quiseres continuar escrevendo ou combinar um encontro para uma boa conversa e algumas risadas, sou parceira. Aliás, grande parceria a tua naquela festa (“morre aqui”)!
Bom, agora é a minha vez de te contar um pouco sobre a minha experiência na educação de surdos. Ainda adolescente, em 1993, escolhi fazer Educação Especial em Santa Maria, sem saber muito do que se tratava. Apenas queria muito sair da minha cidade – Santiago – a qual não me oferecia muitas possibilidades de futuro, pelo menos o futuro que eu pensava para mim.
Na verdade, escolhi este curso por ser um dos mais fáceis de passar no vestibular, pois não tinha condições financeiras para pagar um cursinho pré-vestibular. Passei e fui morar longe da minha mãe e meus irmãos, com sérias restrições orçamentárias e muita vontade de viver coisas novas.
Tenho boas lembranças do tempo da faculdade, principalmente a sensação de ter o mundo aos meus pés. Pensava que depois de formada, poderia fazer o que quisesse, trabalhar onde eu escolhesse. Na verdade, tudo o que veio como efeito desta escolha, foram experiências extremamente ricas e produtivas, as quais permitem que eu seja uma pessoa independente e que conviva com muitas pessoas interessantes (tu és uma delas). Tenho vivido grandes desafios, tenho amadurecido a cada dia e creio que venho me tornando, em alguns aspectos, uma pessoa melhor.
Depois de formada, trabalhei com surdos em APAE, em classes especiais, em EJA, em escolas de surdos, em educação infantil e hoje trabalho com Educação Precoce (mais ou menos um atendimento educacional especializado – AEE), na EMEF de Surdos Bilingue Salomão Watnick, onde nos cruzamos quando tu estavas fazendo estágio. Adoro crianças bem pequenas, vibro muito ao vê-las fazer o primeiro sinal e muitas vezes tenho que conter minha empolgação com as suas descobertas – quero contar e mostrar para todos!!!!!
Em 2001 fiz Especialização em Educação Infantil aqui na UFRGS e em 2009 Especialização em Atendimento Educacional Especializado, pela Universidade Federal do Ceará. Estas formações, aliadas à minha graduação me ajudam no trabalho com meus alunos atualmente. Amo muito todos eles, tenho enorme admiração e respeito por suas famílias. O tempo em que estou trabalhando com eles é de um prazer enorme, já que brincamos, rimos, corremos, sinalizamos, abraçamos, nos olhamos e tantas outras coisas que fizemos juntos e que eu adoro fazer com as pessoas que eu gosto!
 Além disso estou fazendo mestrado aqui na UFRGS. Sempre gostei muito de estudar e pensava muito no mestrado desde que terminei a faculdade. Mas aconteceu uma coisa bem melhor na minha vida: tive um filho e quis estar com ele o máximo que podia, então esperei ele crescer um pouco para entrar no mestrado.  Estou pesquisando sobre como os discursos que circulam em cursos de formação de professores para o AEE constituem o professor de surdos que atua com estes alunos nas escolas comuns.
BC querida, antes de finalizar a minha carta, reli a tua. Gostei muito que tu tenhas pego o meu nome e que tua carta tenha vindo para mim, porque tua história é muito bonita e dá vontade de saber mais. A minha experiência na educação de surdos é apenas uma parte da minha vida, é a minha profissão. Já no teu caso é a TUA VIDA!!!!
Um beijo bem grande para ti,
A.R.

De: B.R.
Para: M.C.

Querida amiga M.C., é sempre um prazer estar em contato contigo, seja pessoalmente, via telefone, email ou cartas.
Minha experiência com educação é muito pequena, afinal, nunca dei aulas oficialmente. Como a minha formação é em comunicação, a sala de aula seria uma opção, para mim, depois do mestrado.
Se minha experiência com educação é pequena, a com educação de surdos é menor ainda. Pensando para escrever essa carta, resgatando as memórias do tempo de colégio e faculdade, me dei por conta de que nunca tive colegas com deficiência auditiva e/ou surdez.
Também nunca convivi com nenhuma pessoa surda, o que me faz ter pouco conhecimento sobre as questões surdas. A gente costuma só prestar atenção às coisas quando elas nos tocam de alguma forma né?
Bom, como bem sabes, eu tenho esclerose múltipla, uma doença degenerativa que pode me causar múltiplas deficiências. Curiosamente, dos nossos cinco sentidos, o único sentido que não é afetado pela minha doença é a audição. A esclerose já me tirou e visão e acabou devolvendo boa parte dela. Minha sensibilidade tátil é bastante prejudicada. Meu olfato e paladar são, para encurtar a história, diferentes, mas a minha audição é 100%. Acho que, justamente por ser uma diferença diferente da minha, algo que não me afeta diretamente, fico mais intrigada em conhecer melhor sobre o mundo e cultura surda.
Como também sabes, comunicação para mim é essencial. Podem me tirar todos os movimentos, desde que não me tirem a capacidade de raciocínio e de comunicação. E, como profissional da comunicação, acho necessário entender minimamente as peculiaridades da cultura surda, para poder produzir materiais de comunicação adequados e/ou acessíveis a todos.
Espero que essa seja a primeira de muitas experiências com educação de surdos. Sei que aprenderemos muito juntas nessa jornada.
Abraços.
B.R.


De: M.C.
Para: B.R.

Oi B.R.,

Gosto de pensar que escrever uma carta é falar com alguém bem ao pé do ouvido, pois somente eu e tu vamos, efetivamente, compartilhar desta conversa. O fato de nós duas já termos uma caminhada comum facilita, mas nem por isso é mais fácil pensar sobre a formação e as experiências na área da educação de surdos, tema proposto para esta primeira carta. Para começar, penso que estou por aqui por ser muito metida e gostar de desafios. Quando ouço ou leio que nós ouvintes temos medo destes ‘outros’ os surdos, me desacomodo e, porque não dizer me incomodo. Não tenho medo dos surdos, mas sinto que não sei exatamente o que fazer. Sabe quando estamos em um lugar com o qual não temos familiaridade e não sabemos onde colocar as nossas mãos: ora elas parecem muito grandes e vão chamar muita atenção, ora são muito pequenas e não sustentarão o que devemos segurar.
Não tenho nenhuma formação específica para trabalhar com surdos, mas foi no ambiente escolar que pela primeira vez tomei contato cm os surdos, não quaisquer surdos, mas jovens surdos. Nos intervalos das aulas na ULBRA, no bar do prédio 11, lá estavam eles. Minha curiosidade me instigava a observá-los, mas minha timidez, associada ao politicamente correto, me impedia. Queria conhecê-los, saber mais, entender o que diziam... Porém faltava pegar o jeito. Comentava com meus colegas como eles eram barulhentos, como com seus gestos – hoje compreendo que mais que gestos estavam se comunicando em Libras, numa língua – moviam o ambiente e muitas vezes perturbavam a minha atenção quando queria estudar ou corrigir trabalhos e provas. Meus colegas me diziam que eu estava sempre procurando sarna para me coçar!
A aproximação não se deu de forma gradual. Num mesmo semestre recebi na oficina de rádio um aluno surdo e um aluno cego. Ambos queriam trabalhar como repórteres. E mais, através de um projeto de extensão passei a coordenar a montagem de uma assessoria de comunicação para o Sport Clube ULBRA e para o curso de Educação Física que juntos desenvolviam um projeto chamado ULBRA Olímpica consagrado como modelo a ser seguido por várias instituições pelo Ministério dos Esportes. No pacote estava incluído o CEAMA – não lembro exatamente a tradução da sigla – um projeto que trabalhava com vários ‘outros’: deficientes visuais, surdos, cadeirantes, portadores de síndromes variadas. Nele reencontrei a Lodi – sorte a minha – que era uma das coordenadoras.
A partir daquele semestre comecei a buscar informações. Precisava de programas de computação que pudessem ser trabalhados pelos meus dois alunos, programas diferentes que dessem conta das especificidades de cada um. Também foi um momento em que tive que lidar com a minha “falta”, a minha diferença, o meu mais completo despreparo para lidar com a situação. A cada movimento junto à direção de curso ou centro, a resposta era carregada de preconceito, muito amparado, aí sim, pelo medo e pela ignorância de muitos de meus colegas, o que me incomodava bastante. Descobri maneiras alternativas, li o que consegui e teimei muito com o senso comum e com as respostas do tipo: ‘passa eles para outra oficina’. A falta de estrutura era um problema, mas o preconceito e a postura do ‘eu não tenho nada que ver com isso’ era pior.
Num dos períodos de férias, organizamos uma colônia de férias que colocou em contato os atletas de alto rendimento, campeões brasileiros de vôlei, campeões mundiais de futsal, medalhistas olímpicos em atletismo e campeões brasileiros de trampolim acrobático nos mesmos espaços e atividades que as crianças e jovens atendidos pelo CEAMA. Para a minha ‘equipe’ de trabalho constituída por alunos do curso de Comunicação Social e para os atletas um momento impar: hora de olhar no espelho e ver a imagem do outro refletida na sua. Momento de buscar alternativas e se confrontar com a sua própria incapacidade, ignorância e porque não arrogância de ‘sujeitos normais’. Aprendemos todos e vimos naquelas pessoas ‘gente diferente, mas gente igual a gente’. Muitos de nós estão hoje trabalhando em lugares em que podemos aprender mais e colaborar, talvez, neste processo de inclusão/exclusão que busca olhar a diversidade para além da tolerância.
Neste momento, estou envolvida com o aprendizado de Libras, buscando aprofundar conhecimentos sobre o povo e a cultura surda, (re)conhecer os jovens surdos como sujeitos inscritos em uma cultura peculiar, específica, que está ocupando o seu espaço na sala de aula universitária, este espaço que habito/frequento/construo e que me habita/frequenta e constrói ora como aluna, ora como professora, há quase cinquenta anos. Ainda é tempo de aprender.

Bjs
M.C.

De: C.M.
Para: D.K.

Querida Daiane!
Foi um imenso prazer te escrever esta carta, mesmo não te conhecendo tão bem ainda. Mas, em breve, nos conheceremos muito mais. Estou escrevendo esta carta para te contar um pouco sobre minha vida, da minha experiência...
Nasci e moro em Rio Grande, RS. Nasci surda porque minha mãe teve rubéola no primeiro trimestre da gestação. Quando eu tinha cinco anos entrei na Escola Especial Professor Alfredo Dub, em Pelotas. Lembro-me que quando entrei na escola era tímida, porque não conhecia ninguém e não tinha amizade com os colegas surdos. Mas, aos poucos, isto foi superado e fiz muitos amigos. Também comecei a aprender a língua expressiva e gestual, juntamente com a língua oral, o que foi muito difícil! Sempre adorei minha grande companheira e professora Surda, que eu admirava muito. Brincava e jogava futebol com os meus amigos surdos, eu era muito agitada e feliz! Nessa época a minha experiência educacional foi prazerosa! Foram tantos os bons momentos da minha infância nesta escola para Surdos, pois me sentia livre, sem diferenças.
Nesta escola eu cursei até terceira série. Na quarta série, fui transferida para uma escola particular de ouvintes em Rio Grande, onde estudei até formar-me no Ensino Médio. Percebi que eu era diferente e, de fato, me sentia assim, o que aumentou ainda mais minha timidez. Depois de várias dificuldades, comecei a fazer contatos com meus colegas, mas foi difícil! Minha vida mudou radicalmente, precisei aprender a defender-me a fim de adaptar-me a esta escola.
Meu ingresso no curso de Pedagogia da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG) só aconteceu no segundo vestibular. No primeiro vestibular não fui aprovada porque a Universidade não estava preparada para avaliar de forma diferenciada a redação de uma pessoa Surda. Para acontecer o respeito à minha diferença foi necessário que minha mãe buscasse, através da Associação dos Surdos de Pelotas (ASP), leis que me possibilitassem participar do vestibular em igualdade de condições com os ouvintes. Isso só aconteceu no ano de dois mil e três, em dezembro. Nesse momento a FURG disponibilizou intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) que me acompanhou na prova e posteriormente na correção da minha redação, valorizando o conteúdo semântico da escrita. A minha felicidade ao saber do resultado do vestibular foi enorme, mas melhor ainda foi encontrar no dia da matrícula algumas futuras colegas que conheciam a LIBRAS. Foi emocionante saber que poderia usar, na sala de aula, minha língua natural (LIBRAS).
Desde o primeiro dia de aula havia uma intérprete de LIBRAS, mas ela sempre chegava atrasada. Ela utilizava uns sinais diferentes por causa das regionalidades da língua, pois ela é natural do Rio de Janeiro, e eu, do Rio Grande do Sul. Fiquei um pouco confusa no início, mas mesmo assim, interessei-me e aprendi com ela a LIBRAS do Rio de Janeiro.
A intérprete permaneceu por um mês e meio, abandonando logo após, pois não agüentou mais a trabalhar devido ao contínuo atraso no pagamento dos salários. A Comissão de Curso – COMCUR de Pedagogia resolveu procurar a outra intérprete de LIBRAS, o que demorou semanas para acontecer. A nova intérprete de LIBRAS que mora em Pelotas já tinha experiência como intérprete e também tem um filho surdo. Imediatamente preocupei-me se os sinais que ela usava eram diferentes dos meus. Felizmente, não eram!
Em agosto de 2004 participei de um Seminário sobre Surdos em Pelotas. O seminário foi inesquecível porque pude reencontrar vários surdos que há muito tempo não via e também aprender coisas a respeito dos surdos que eu desconhecia. A partir desse momento decidi fazer pesquisas sobre a educação de Surdos e sua história através da internet e livros da área. Durante os quatro anos de faculdade, desenvolvi estudos sobre a educação de surdos através de pesquisas e contato com outros professores surdos.
Trabalhei como a voluntária na Escola Especial Professor Alfredo Dub, no município de Pelotas, por mais ou menos um ano. Essa experiência profissional como voluntária aconteceu porque havia uma disciplina de Psicologia Especial no meu curso, o qual o professor pediu pra fazer um trabalho de observação das crianças numa escola especial. Fui bolsista voluntária no Projeto de Libras, na Fundação Universidade Federal de Rio Grande, trabalhando com a divulgação da Libras. Fiz estágio por dois meses na Escola Estadual de Ensino Fundamental Barão de Cerro Largo, em Rio Grande, onde há inclusão de alunos surdos. Participei de diversos seminários e fóruns sobre surdez e também atuei como palestrante em alguns deles.
Formei-me Letras / Libras, no pólo de Universidade Federal de Santa Maria, que é um curso à distância da Universidade Federal de Santa Catarina e também Especialização em Educação na Universidade Federal de Pelotas.
O meu maior interesse na educação de Surdos é ensinar e transmitir aos surdos conhecimentos ligados à sua Identidade, História, Cultura e Comunidade para que eles possam reconhecer e desenvolver a sua própria identidade e história. Mas, a minha experiência na Escola Especial Alfredo Dub me fez pensar profundamente sobre a educação especial, ou melhor, a educação diferenciada. Percebi a diversidade de crianças na escola de surdos, diferente do que ocorria quando eu estudava lá. Havia surdos com outras diferenças: surdos - down, surdos com outras síndromes, deficientes auditivos, surdos com vitiligo, surdos - paralíticos cerebrais, entre outros. Isto me chamou a atenção instantaneamente. Então, essa observação me fez pensar muito sobre a educação especial, ou melhor, a educação diferenciada. É necessário perceber o contexto da diversidade existente e da educação de Surdos, ampliando o seu olhar e forma como identificar as diferenças intelectuais ali inseridas como: surdo - cego, surdo com síndrome de down, surdo autista e outros. Estas experiências foram importantes para mim, ao observar essas crianças diferentes, mostrando a coragem de lutar pela vida digna e orgulhosa. Hoje eu respeito muito mais as diferenças.
Atualmente sou aluna regular do Mestrado em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre. Minha pesquisa propõe uma continuação da especialização, onde analisarei se os PPPs (Projeto Político Pedagógico) das escolas de surdos de Porto Alegre, RS, contemplam os surdos que possuem outras diferenças identidárias e culturais, e ainda, saber quantos surdos com outras diferenças e professores possuem capacitação para trabalhar com educação de surdos.
Encerro aqui, momentaneamente, o conto da história da minha vida, da minha experiência. Espero que possamos compartilhar nossas experiências, o que fará com que nossa amizade floresça!
Abraços,
C. M.

De: A.K.
Para: P.A.
Querida P.A.,
Estou muito feliz por poder dividir contigo as experiências que tive e ainda tenho com alunos surdos. Penso que a falta de informação e estrutura foram fatores importantes para que eu demorasse tanto a entender e gostar deste assunto.
                Tudo começou numa aula de Inglês no 3º ano do Ensino Médio, numa turma do noturno, na Escola que eu trabalhava (e hoje não trabalho mais). De repente me dei conta que tinha um aluno surdo na sala. Fui à direção e elas me avisaram que ele era aluno novo e que eu deveria cuidar para falar de frente para ele. Era um rapaz loiro, magro, não muito alto. Disse meu nome à ele, lembrava de alguma letras, pois um dia na minha vida eu aprendi (não sei porque,  mas li o papel  com os sinais, imitei e nunca mais saiu da minha mente). Fui para casa chocada. Como eu ia ensinar um aluno surdo? Notei que por parte da escola, nenhuma orientação a mais foi dada, nenhum treinamento, nada. E nesta época eu não tinha a menor ideia do que se fazia com alunos incluídos. Ele foi o primeiro, eu não conhecia orientações legais, não era um assunto difundido. Estamos falando de 5 anos atrás.
 Na próxima semana, quando nos encontramos novamente, eu escrevi uma mensagem no caderno dele para que ele me pedisse ajuda quando precisasse, chamasse minha atenção quando eu esquecesse dele. Eu tenho o hábito de caminhar pela sala. Tive que me policiar muito na turma dele. Os colegas estavam tão “incomodados” quanto eu por não saber o que fazer com aquele sujeito, aparentemente tão igual e ao mesmo tempo tão deferente, tão longe de nós, como lidar com ele, como ajudá-lo. Mas tive uma ótima surpresa. Ele sabia muito de inglês. Ele conhecia as regras da gramática e sabia traduzir. Tinha uma letra linda. Então aquilo que ele não entendia direito eu escrevia no caderno e ele lia. Assim fomos até setembro ou outubro quando ele sumiu. Fiquei sabendo que aconteceram problemas na família e ele parou de estudar naquele ano. A escola não tinha como praxe, ligar e tentar resgatar os alunos que abandonavam. Então, não houve uma campanha para que ele terminasse o ano, independente da situação. E isso era para os “normais” também.
Uns dois anos depois, eu o encontrei. Estava trabalhando na C&A, na Rua dos Andradas. Estava naquele andar do atendimento, sentado em um dos guichês, mas não fazia atendimento ao público. Retirei minha senha, sentei-me próximo e fiquei observando. Ele estava totalmente concentrado na sua digitação. Uma mulher se aproximou e pediu uma informação. Ele, gentilmente, sinalizou para que ela fosse ao guichê ao lado. A senhora, sem notar que ele era surdo, agradeceu e sentou na cadeira ao lado. Ele voltou ao seu trabalho com a maior naturalidade. Neste momento eu percebi, mais de perto, como os surdos eram capazes de “se virar” sozinhos. A maturidade, a atenção e dedicação que ele tinha, ajudavam com certeza na sua ocupação de trabalho e no seu sucesso. Nunca mais tive notícias dele.
Depois desta experiência na sala de aula com aquele menino, no início do outro ano, passei a dar aulas de Língua Portuguesa, pela manhã, numa escola particular da cidade onde moro. Turmas pequenas, uma turma de cada série, Sistema Positivo, tudo normal. Quando entrei na sexta série, deparei-me com uma aluna especial, quase surda. Ela teve uma doença na infância e foi perdendo a audição gradativamente. Naquela época ouvia gritos e barulhos fortes e irritava-se em ambientes tumultuados. Era uma excelente aluna. Até tentava fazer leitura oral, quando a turma tinha esta atividade. Os alunos, que já estavam acostumados com a colega, me ajudaram a entendê-la e organizar melhor as atividades para ela. Sempre fazia tudo, estudava em casa, ótima interpretação, participativa, pedia explicações, assim parecia tudo ficar mais fácil para ajudá-la. Terminei o ano com tudo em ordem e bem feliz.
No ano seguinte deixei estas duas escolas e fui trabalhar em outra próxima da minha casa onde trabalho até hoje. Fui chamada para substituir a que estava dando aulas de Inglês e saiu. Depois de algumas aulas, notei que quando eu tinha aula com a 7ª série, uma menina sempre faltava. Perguntei para a supervisão qual era o problema. Elas foram averiguar. Retornaram-me que a outra professora havia dispensado a aluna da aula de Inglês porque ela era surda e não precisava frequentar. Eu, que nada sabia além daquilo que tinha vivido antes, tinha consciência apenas de que qualquer aluno só pode ficar fora da sala de aula se tiver outro professor para atendê-lo. Isto aprendi devido ao problema com o Ensino Religioso, onde alguns alunos e pais argumentavam que não deveriam assistir. E a escola resolveu isso mostrando que isto só aconteceria se houvesse uma aula alternativa, coisa que na escola pública não existe. Esta informação pesava sempre na minha argumentação com os alunos quando trabalhei Ensino Religioso e até para aqueles que faziam curso de Inglês. Então, pensando que isto seria um problema para mim que tinha assumido a turma e não queria depois ser punida por deixar a aluna excluída da aula, resolvi “obrigá-la” a assistir minhas aulas. Ela até ficou na sala, mas logo vieram os pais para conversar com a direção da escola. O início da conversa foi “- O que eu estava pensando?” “-Quem eu era para obrigar alguém a assistir aula?” e outras coisas. A direção ouviu os pais e depois veio conversar comigo e me contar o histórico da aluna. Ela tinha ficado doente aos 4 anos de idade e a sequela da doença foi a perda gradativa da audição. Nesta época, ela ainda ouvia ruídos e entendia algumas falas. Participava de um grupo de dança que elas e as amiga tinham montado. Postaram até um vídeo no Youtube “The Cats”. Os pais ainda não tinham assimilado a ideia de que a filha ficaria realmente surda. Fui chamada para conversar com os pais numa outra oportunidade. Expliquei-lhes minha posição em relação à aluna ficar fora da sala sem atividade. Eles argumentaram da situação dela ficar na sala e não fazer nada. Eu comentei que o fato dela estar perdendo a audição não influenciava no aprendizado de outro idioma. Os pais continuavam achando que aquilo seria ruim para a filha. Mas concordaram em deixá-la na sala. Nas atividades para a turma, sempre levava folhas fotocopiadas, passava algumas coisas no quadro e muito pouco era oral. A aluna, no início não realizava as tarefas, mas com o tempo, ela entendeu que a audição não atrapalhava na tradução, na busca das palavras no dicionário e até ajudava que entendesse a tradução das músicas que elas dançavam. O tempo foi passando e a aluna foi aprendendo, fazendo os exercícios e até fazia os mesmos trabalhos e provas que todos. Nunca fiz atividade especial para ela.  Ela foi minha aluna na 7ª e na 8ª. No ano passado, a família mudou-se para a cidade vizinha e ela trocou de escola. Lá onde ela está agora tem uma professora tradutora e a escola tem uma estrutura melhor para atender os alunos incluídos.  Conversando com a mãe há uns seis meses atrás, descobri que a aluna faz curso de Inglês e que está gostando muito do curso e é uma das melhores alunas. Notas sempre altas.
Há três anos atrás, aquela aluna surda da 6ª série da escola particular, estava entrando para o Ensino Médio na escola onde estou. Como já a conhecia, não tive problemas para lidar com ela, uma vez que ela é ótima aluna e não precisa de muitas explicações para me entender e para entender as lições de Inglês. No meio de 2010, a 12ª Coordenadoria de Educação organizou um curso de LIBRAS para professores que trabalhavam com alunos surdos. Eram 25 professores. E a grande surpresa: nossa professora era surda. No primeiro dia, foi um choque para todos. Pensamos de igual forma: como vamos nos entender.  Porém no segundo dia já estávamos entendendo que aquela era a maneira mais eficiente de aprendermos LIBRAS. Foram 80 horas de curso onde aprendi muitas coisas que hoje até nem lembro porque não pratiquei mais, por relaxamento e até porque nossa aluna surda não gosta muito. Parece que assim ela realmente sente-se diferente e entendemos que ela ainda não gosta de ser assim.  Eu uso algumas coisas com ela, mas muito pouco.  Mas o que eu mais gostei foi onde pudemos aprender a entender uma pessoa surda. Conviver com aquela professora, “ouvir” seus relatos e entender o que pensa e sente um aluno surdo foi muito importante para que eu parasse de corrigir as escritas da minha aluna surda, para que eu soubesse entender o que ela quer dizer, onde eu pudesse até me comunicar com mais facilidade, usando os verbos no infinitivo e escrevendo menos. Hoje eu me sinto bem mais confiante para lidar com os alunos NEs e descobri que este é meu novo amor, minha nova busca, meu novo aprimoramento. Eu pensava em fazer mais especializações em Literatura, mas acredito que se eu me especializar na Educação Inclusiva, estarei atendendo os alunos que precisam de ajuda e ainda poderei levar a eles o encantamento da literatura de uma maneira mais acessível. E o melhor de tudo, poderei ajudar outros professores que infelizmente não sabem como lidar com estes alunos e não dão o atendimento adequado.
Este é o meu relato. Breve porque tive poucos contatos. Porém, de grande importância para minha vida.

Um abraço e até nosso encontro.

            A.K.

De: P.A.
Para: I.G.

Olá I.G!Tudo bem?!

         Ainda não tive a oportunidade de te conhecer, mas com certeza não vai faltar oportunidades para isso. Vou começar contando um pouco sobre minha vida pessoal. Sou natural de Encantado/RS, meu pais moram no interior do Estado no município de Coqueiro Baixo/RS, mas resido em Porto Alegre desde 2005. Atualmente estou no 4° semestre do curso de Pedagogia (UFRGS) e confesso que estou adorando cada vez mais o curso. Apesar de ainda não ter experiência docente, hoje eu percebo a minha afinidade pela área da educação que requer muito estudo.
         Desde o primeiro semestre do curso de Pedagogia, tive a oportunidade de conhecer a professora Adriana Thoma na disciplina de Educação Especial e Inclusão e foi durante essas aulas que senti meu coração bater mais forte, algo dentro de mim me perturbou, me fez sentir algo novo!Diversos sentimentos me trouxeram até aqui.
          Lembro que saía das aulas de Educação Especial emocionada, pois os assuntos abordados em algumas aulas tratavam de exclusão, abandono, preconceito, enfim, cenas fortes que mexeram com meus sentimentos. Talvez, por eu ter tido muito contato desde criança com minha tia deficiente visual, tenha aguçado minha sensibilidade ao longo da minha vida, sem falar que sou e sempre fui muito sensível.
          Durante o 3º semestre do curso de Pedagogia tive uma cadeira de Libras com o professor Nelson, muito atencioso. Durante as aulas eu e minhas colegas treinávamos palavras novas e desde o início percebi minha dificuldade quanto ao uso dos Sinais. 
Por outro lado sei que como toda nova Língua exige estudo e muito treino, então eu tenho certeza que para isso terei que fazer um grande esforço para aprender a Libras.   
           Hoje estou em busca de minha formação profissional, não sei ao certo para qual caminho a vida irá me conduzir, mas tenho a certeza de que tudo o que estou aprendendo está sendo fundamental para minha formação profissional.
         Como já havia comentado, preciso confessar que ainda não me sinto segura com a Língua de Sinais (Libras) e isso parece distanciar-me da Cultura Surda na qual pretendo conhecer. Sei que para isso devo treinar e estudar para que aos poucos tenha sucesso na comunicação com os Surdos, mas por outro lado, sinto que minhas mãos ficam tímidas ao tentar sinalizar é como se eu não fosse capaz, fico nervosa e misturo os sinais.
           Tu já deves ter percebido que não tenho experiência na área de educação de Surdos, mas pretendo atuar de alguma forma nessa área, seja como docente ou não, e termino esta carta com a letra da música do Zeca Pagodinho:

“E deixa a vida me levar (vida leva eu)
Deixa a vida me levar (vida leva eu)
Deixa a vida me levar (vida leva eu)
Sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu.”

 Um forte abraço e votos de sucesso, P.A.

De: I.G.
Para: C.A.

Olá, Cássia!
Fico feliz em escrever para você que é minha colega em todas as disciplinas e temos a mesma orientadora! Tenho certeza que durante os dois anos de Mestrado poderemos fazer muitas trocas!
Minha caminhada profissional e acadêmica estão entrelaçadas em todos os momentos, pois conforme os desafios apareciam eu buscava formação e qualificação do meu trabalho.
            Ano passado participei da disciplina “Memórias, Narrativas e Experiências na Educação de Surdos II”, mas como aluna PEC. Hoje, com muita alegria, escrevo esta carta como Mestranda em Educação, tendo a professora Adriana como minha orientadora. Sendo assim, aproveitei a escrita da carta do ano passado para escrever esta para você....
Minha experiência profissional iniciou em 2000, um ano marcante! Foi nesse ano que ingressei na Feevale no Curso Normal Superior (que é equivalente à Pedagogia) e que fiz meu estágio do Magistério. Acabei realizando o estágio em uma instituição filantrópica de São Leopoldo com inclusão de alunos surdos.
No primeiro semestre de 2000, no meu estágio, tive uma turma apenas de ouvintes, pois desconhecia completamente a Língua de Sinais, só sabia parte do Alfabeto Manual. Ao longo do ano fiz um pequeno curso de Libras que a escola oferecia e aos poucos fui conhecendo e gostando desta língua.
Ao final deste semestre me formei no magistério no Colégio São José em São Leopoldo. Pouco antes de me formar, a escola em que realizei o estágio me convidou para ficar trabalhando provisoriamente na secretaria. Fiquei feliz com o convite, seria meu primeiro emprego! Porém, não dei muito certo como secretária, eu era muito atrapalhada... Aos poucos, a direção foi me colocando de volta para a sala de aula: primeiro no turno da manhã na creche da escola com alunos surdos ou com paralisia cerebral; depois, no turno da tarde em uma turma de 1ª série somente de alunos surdos. Aí que começou o grande desafio, interesse e estudo pela Educação de Surdos.
O curso de Libras que a escola me oferecera não era suficiente. Então comecei a fazer cursos de Libras na Ulbra no segundo semestre de 2000. Gostei e continuei até o nível 3, no 4 não abriu turma... Em 2002, a Ulbra me ligou, perguntando se eu queria fazer um teste de seleção para o Curso de Intérpretes que eles estavam abrindo (1ª Edição) Aceitei, fiz o teste e passei! Na época, não pensava em trabalhar na área, mas em continuar aprendendo a língua e ter contato com os surdos adultos.
De 2000 a 2008, trabalhei na mesma escola com diferentes turmas: classes especiais de surdos, classes com inclusão de surdos e a partir de 2004 lecionava uma vez por semana a disciplina de Libras para os alunos de 5ª à 8ª séries, pois não havia professor surdo na escola e eu tinha maior habilitação para esta tarefa. Durante este período terminei o curso de intérprete em 2003 e me formei na graduação da Feevale em 2006. Meu TCC focou a Avaliação na Educação de Surdos e tive orientação da professora Madalena Klein.
Em 2007, comecei a trabalhar na Feevale como Tradutora/ Intérprete de Libras todas as noites para uma surda na turma da EJA. No início foi muito difícil, pois eu interpretava eventualmente. Aos poucos fui pegando a prática! Em 2008 comecei a interpretar na Graduação para uma surda da Pedagogia (que hoje é minha colega no Letras Libras) e outra da Educação Física, porém, eram menos noites por semana.
No início de 2008, fui chamada no Concurso Público de São Leopoldo para trabalhar nos anos iniciais. Desta forma, pedi para sair da escola onde trabalhei por 8 anos, pois iria assumir o concurso e continuar trabalhando na Feevale, seria complicado trabalhar três turnos.
Em 2009, eu estava com pouco tempo disponível para a atuação na Feevale, pois assumi mais horas na Rede de SL. Fui até minha coordenadora e coloquei que só poderia atuar uma ou duas noites por semana. Devido ao pouco tempo disponível para a instituição, a mesma decidiu pela minha demissão.
Nesta época eu estava a procura de cursos de Especialização, pois não me sentia preparada para dar um passo maior, como ingressar no Mestrado. Porém, os cursos em que me inscrevia na área da Inclusão, acabavam não fechando turma ou ocorriam em dias que eu não tinha disponibilidade. Foi neste mesmo ano que surgiu o vestibular do Curso Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina, Pólo UFRGS. Resolvi fazer, pois na época não estava estudando e queria continuar me aprofundando na área da Surdez e da Língua de Sinais. Nem acreditei quando passei!
Ao assumir mais horas no Município (2009) iniciei o trabalho em Sala de Recursos Multifuncional (SRM) no Atendimento Educacional Especializado (AEE) atuando 20h semanais em SRM e 20h semanais em sala de aula.
Em Sala de Recursos tenho aprendido a trabalhar com alunos de diferentes NEE – Necessidades Educacionais Especiais e a assessorar os professores destes alunos, o que não é tarefa fácil!
Em 2010 veio via MEC para a SMED de São Leopoldo, 4 vagas para o curso de Especialização em Educação Especial para o AEE. Ganhei uma destas vagas e, finalmente, ia começar uma Pós Graduação!
Em maio de 2011 passei a atuar 40h semanais em SRM, pois finalizei meu Estágio Probatório. No mesmo ano, conclui em outubro a Especialização.
Atualmente, também leciono (em alguns sábados) no Curso de Formação para Professores de Surdos nas disciplinas de “Avaliação Escolar”, “Currículo Escolar” e “Língua e Educação: Bilinguismo versus Letramento Surdo”, além de atuar na Orientação dos Estágios do mesmo curso pelo Programa Permanente de Acessibilidade (PPA) – ULBRA.
Tive algumas publicações em congressos, principalmente sobre a temática da Avaliação na Educação de Surdos. Em 2009, foi publicado pela Editora EDUNISC o livro “Currículo e Avaliação: a diferença surda na escola”, organizado pelas autoras Adriana da Silva Thoma e Madalena Klein, no qual participei com a elaboração de um artigo.
Foi muito desafiador o ano de 2011: trabalhar 40h semanais, ter os finais de semana de trabalho no curso da ULBRA ou de aula no Letras Libras e fazer dois cursos ao mesmo tempo - uma graduação e uma especialização – sendo que na mesma época ocorreu o estágio da graduação e o TCC do Pós, e ainda realizei a disciplina PEC.
Relembrando minha caminhada, percebo que sempre fiz mais de uma coisa ao mesmo tempo e nunca parei de estudar. Uma coisa me levava a outra, e quando me dava conta, já estava com tarefas demais.
As coisas foram acontecendo e me levando sempre em direção à Educação de Surdos e Educação Inclusiva. Fui me apaixonando e me aprofundando. Hoje tenho a visão e experiência de diferentes papéis na educação: de professora de sala de aula, tradutora/ intérprete de Libras, professora do AEE e de professora em curso de formação de professores.
Em julho deste ano conclui o Letras Libras, minha formatura ocorrerá em novembro! Ao mesmo tempo que realizava o TCC do Letras Libras, também estudava para a seleção do Mestrado em Educação na Linha dos Estudos Culturais. Após, muito esforço, desejo e estudo estou hoje realizando meu grande sonho de ser Mestranda em Educação da UFRGS! Agora aprenderei com maior propriedade a realizar pesquisa e buscar subsídios teóricos! Mais do que produzir conhecimento farei de tudo para que minha produção proporcione um repensar sobre as políticas e práticas na Educação de Surdos.
Espero que você tenha conseguido me conhecer um pouquinho... Fiz um resumo bem rápido da minha trajetória até aqui. Espero que possamos nos conhecer melhor durante o Mestrado!
Abraço!!!



De: D.K.
Para: R.T.

Olá R.T., não te conheço muito bem, apenas tivemos dois encontros durante a Disciplina de “Memórias, Narrativas e Experiências na Educação de Surdos III: Políticas Educacionais e Linguísticas como Estratégias de Governamento dos Sujeitos no Campo da Educação de Surdos”, então não tive a oportunidade de conversar com você ainda.
A possibilidade de te escrever uma carta será muito importante para a nossa aproximação. Primeiramente vou lhe contar sobre a minha formação e posteriormente sobre a minha experiência como professora de Matemática e Física de alunos surdos incluídos em classes regulares.
Com relação a minha formação, primeiramente gostaria de dizer que sempre tive o sonho de fazer uma graduação, porém as minhas situações financeiras não eram as melhores. Tinha apenas 17 anos quando me formei no Ensino Médio na Escola Estadual de Ensino Médio de Alexandrino de Alencar, ainda dependente dos meus pais, sabia que seria difícil ingressar em um curso de ensino superior sem a ajuda dos pais, as Universidades Federais eram distantes e as Universidades particulares da Região, muito caras. Então surgiu a oportunidade de fazer um curso de Licenciatura, em Cachoeira do Sul, na ULBRA (distante 100 km de Passo do Sobrado), na modalidade de férias e com um preço mais acessível. Convenci, depois de muitas brigas, os meus pais a me ajudarem, pois sendo de uma família de agricultores, a situação econômica com certeza não é das melhores. Então, em dezembro de 2002, prestei vestibular e no seguinte já estava cursando a graduação de Licenciatura em Matemática.
O sonho estava em minhas mãos, mas era preciso de muito esforço para poder alcança-lo por completo. Tive que abrir mão de muitas coisas, trabalhar muito, economizar e claro, estudar. Por fim, tudo deu certo, consegui completar a caminhada e em janeiro de 2007, estava colando grau. Nossa, que susto! Meus pais quase não chegaram a tempo para me ver, pois saíram muito tarde de casa, em função do trabalho, então chegaram pouco antes da cerimônia começar.
Terminada a graduação, fiquei um ano apenas trabalhando, pois o contrato de 20 horas, na prefeitura de Passo do Sobrado, não permitia investir em uma especialização. No final de 2007, estava à procura de um curso de pós-graduação, quando recebi um convite para cursar Mestrado em Políticas e Gestão da Educação, em Montevidéu, no Uruguai. Fiz rapidamente um projeto e uma prova de espanhol, e consegui a aprovação. No impulso e com muita vontade de retornar a estudar, realizei a matrícula. As aulas iniciaram em janeiro de 2008. Aos 22 anos e com pouca experiência, pela primeira vez saí do estado e me vi perdida em meio a vários conceitos políticos-educacionais abordados em Língua Espanhola - as dificuldades linguísticas e teóricas eram muitas. Mesmo assim, não desanimei, lia os textos (todos em espanhol), tentava entender os conceitos e me coloca a escrever os artigos solicitados. Em 2011, defendi a minha dissertação, sendo aprovada com ‘Muy Bueno’.
Durante o curso de mestrado, em 2010, fui selecionada para cursar Especialização em Mídias na Educação, na UFSM/UaB. Então eram dois cursos ao mesmo tempo, para dar conta, escrever a dissertação e fazer as disciplinas da Especialização. E mais uma vez viajar para estudar, pois o pólo da UFSM ficava em Cachoeira do Sul. Tudo deu certo e concluí mais um curso em dezembro de 2011, quando realizei a defesa do artigo intitulado “Potencialidades do Ensino-Aprendizagem de Matemática Mediado pelas Tecnologias na Escola Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora do Rosário em Santa Cruz do Sul – RS”.
E agora em 2012, o que fazer? Parar? Não! A caminhada não estava concluída, ainda há outros sonhos a serem alcançados. Entrei, a convite de um professor da Unisc (Universidade de Santa Cruz do Sul), em um grupo de pesquisas na linha Identidade e Diferença e posteriormente me inscrevi como aluna especial no Mestrado em Educação da Unisc. Com certeza a disciplina que escolhi - Educação, Mecanismos Disciplinares e Dispositivos de Segurança: a arte de governar a partir da liberdade  -  reformulou a minha identidade, como se me recriasse a cada instante. Então, com muito incentivo da colega Janete, pesquisadora da Cultura Surda, me inscrevi no Mestrado em Educação da UFRGS, como aluna PEC, com a Professora Adriana da Silva Thoma. E aqui estou eu, fazendo a primeira tarefa da disciplina (escrevendo uma carta).
Essa é a minha formação acadêmica, agora lhe contarei sobre a minha experiência como professora de surdos. Conforme me apresentei no dia 05 de setembro, iniciei o meu trabalho com alunos surdos no ano de 2010, o qual coincidiu com a minha chegada e a chegada dos alunos surdos na Escola Rosário. Faltava professora de Física para o Ensino Médio do Noturno, então fui convidada a ministrar esta disciplina, duas novidades para mim, a Física (pois minha formação é em Matemática) e os alunos surdos incluídos em turmas regulares. Bom, a única coisa que eu sabia era o alfabeto em Libras, o que me ajudou inicialmente. As aulas iniciaram, e lá estava eu enfrentando outro obstáculo, modificar a metodologia. Seguia as orientações dadas nas reuniões de professores: escrever tudo no quadro, não escrever e falar ao mesmo tempo, dar tempo para os alunos copiarem a matéria, ir mais devagar para que as intérpretes pudessem fazer o seu trabalho, entre outros detalhes. Assim fui experimentando e tentando, claro entre acertos e erros, pois muitas vezes esquecia esses detalhes e recomeçava tudo de novo. Também sentia falta da Língua Brasileira de Sinais, pois queria falar diretamente com eles nas situações mais individuais, como explicações na classe. Logo recebemos a boa notícia de que um Curso Básico de Libras gratuito, oferecido pela 6ª CRE em parceria com a UNISC. Fiquei muito feliz por ter sido selecionada, e lá estava eu todos os sábados aprendendo Libras. O curso me ajudou muito, pois consegui me comunicar diretamente com os surdos e aprender com eles na prática pedagógica. Então o ensino se dava de forma recíproca, eu ensinava Física e Matemática e eles me ensinavam Libras. Eles foram os maiores incentivadores, sempre dizendo: “- Você precisa aprender libras, precisa se esforçar!” Claro, eles estavam certos, se eu exigia que eles aprendessem Física e Matemática, eles também tinham o direito de exigir que eu aprendesse Libras, pois era o meu dever, afinal sou professora. Muitas risadas nós damos juntos, na tentativa de aprender muitas vezes eu trocava os sinais. Uma situação que ficou para a história, foi o dia em que o troquei o sinal de fazer pelo sinal de beijar, que rendeu algumas risadas. Era assim que eu aprendia e continuo aprendendo. Uma experiência única e gratificante, pois é maravilhoso conhecer o diferente, ou seja, nos permitir conhecer outras identidades.
Neste ano de 2012, uma cena que ficou em minha memória, foi quando entrei na turma 102, do Ensino Médio, onde haviam quatro alunas surdas incluídas.  Apresentei-me para turma, e comecei a sinalizar para elas, então pude ver a expressão de felicidade nos olhos de cada uma ao perceberem que eu entendia a Linguagem delas.
Já trabalhei com vários alunos surdos incluídos no Ensino Médio, muitos já estão incluídos no mercado de trabalho e outros ingressaram no Ensino Superior. Às vezes, esses ex-alunos visitam a escola e nos contam sobre o que estão fazendo, se estão trabalhando ou estudando. É nesses momentos que sinto o quanto o papel de professor pode ser importante para a vida das pessoas.
Cordialmente, D.K.

De: R.T.
Para: A.C.
Gostaria de dizer que ainda não nos conhecemos, mas no decorrer do tempo vamos nos conhecer mais e melhor.
Como não temos intimidade, escrevo esta carta para falar um pouco sobre minha vida.
Nasci surda e frequentei a escola especial Concórdia desde os 10 meses de vida. As aulas iniciavam no mês de março. Um mês maravilhoso, pois reencontrávamos os colegas, as professoras, tínhamos materiais novos e a temperatura ótima, nem muito frio nem calor. Nessa escola, recebi o aprendizado e as lições para minha vida, como qualquer outra pessoa.
Na minha casa, sempre tive o apoio de minha mãe. Ela me auxiliava nos estudos e nos deveres de casa durante duas horas todos os dias, só depois eu podia sair para brincar com os vizinhos. Cresci tendo a oportunidade de fazer coisas das quais tinha vontade, e que a escola oferecia, como por exemplo: participar da dança folclórica, grupo de teatro e aulas de balé, onde fazíamos diversas apresentações e viagens.
Fora da escola, fiz aula de patinação, que é minha paixão esportiva, e também participei de vários eventos para não cortar o vínculo com a comunidade surda. Gostava de fazer algo satisfatório depois da escola e, no decorrer do meu crescimento fui desenvolvendo uma capacidade de autonomia com minhas responsabilidades. Meu primeiro emprego foi um estágio que realizei, onde pude juntar dinheiro para comprar um TDD (Telephon Device for Deaf), pois na época era muito caro e minha mãe não tinha condições financeiras para compra-lo.
Meu sonho era ser dentista, porém com o alto custo das mensalidades no curso de odontologia, decidi fazer primeiro o curso de prótese dentária. Após, percebi a grande dificuldade em arranjar emprego na área. Desde a 4ª série do ensino fundamental fui incentivada por minha professora de português a gostar de leituras e a estudar a língua portuguesa. Foi então que decidi ampliar meus conhecimentos nessa área, e optei por estudar Letras e Literatura, com o objetivo de ajudar os surdos a compreenderem melhor a sua segunda língua que está relacionada com a primeira língua. Após dois anos abriu o curso de Letras Libras, onde com muito esforço e dedicação consegui mais esta formação e adquirir dois diplomas de graduação em duas línguas.
Porém tenho tido muita dificuldade em conseguir emprego dentro da minha área de formação. Atualmente trabalho no Rumo Norte onde ensino português através de oficinas. É um trabalho diferente, mas por enquanto é o único lugar que consegui para trabalhar.
E como “SER SURDA”, a subjetividade assume a sua postura com a identidade, cultura, alteridade, o aceitar a si mesmo como surdo, a política das lutas pela diferença e também na parte política com suas bandeiras de luta: a) pelos direitos linguísticos culturais reconhecidos; b) na educação de surdos e seus aspectos político/educacionais para defender a educação que queremos e c) pela conquista do espaço educacional adequado, currículo próprio dos surdos, pedagogia surda e outros;
É difícil entrar como docente, pois em várias escolas os ouvintes ocupam nossos espaços. Sabe-se que nas escolas de surdos, o ideal seria que profissionais surdos pudessem trabalhar, pois possuem perfis talentosos de qualidade, podendo promover as condições necessárias a uma educação ampla e consistente, servindo como modelo e estabelecendo um vínculo com os outros surdos que ali estudam. “as pessoas fluentes na língua de sinais têm presente a identidade e cultura surda” Estes professores surdos acabam sendo modelos, auxiliando os alunos na construção de sua identidade e cultura. Este processo ocorre, conforme o autor Silva diz:

(...) A própria auto-identificação do professor enquanto pertencente a uma cultura distinta é importante para, a partir daí, poder estabelecer os vínculos com o aluno; da mesma forma, a crença de que todos os alunos têm potencial cognitivo e podem vir a desenvolvê-lo rompe com a lógica da exclusão a priori. (2003, p. 30).

Me sinto frustrada, pois os ouvintes possuem muito mais oportunidades e estão ocupando nossos lugares, além disso, as escolas de surdos tem uma visão global diferente sobre a educação de surdos. Consegui uma oportunidade de entrar para o corpo docente da ULBRA na área de Libras. Uma experiência nova, com excelentes desafios de poder constantemente atualizar meus conhecimentos, ler mais, publicar minhas propostas de seminários e congressos. É realmente um trabalho que valoriza meu currículo como professora efetiva, pois um aspecto muito importante nos currículos é a questão de ter experiências anteriores.
Para finalizar é muito importante refletirmos sobre a importância do aluno ter a identificação com o professor surdo.
Abraços da colega R.T.

De: G.C.
Para: R.P.
Oi, R., tudo bem? Lembro que te conheci no ano passado. Achei que tu tava trabalhando de segurança na Câmara dos Vereadores. Tu tava sério, braços cruzados. Fiquei com medo. Agora vejo que é bobagem, não tem por que ter medo.
            Então, vou te contar um pouco da minha trajetória. Eu nasci ouvinte e fui perdendo a audição gradualmente. Minha mãe percebeu porque ela chegava em casa, me chamava, mas eu não respondia. Quando eu a via, eu manifestava surpresa e felicidade.
            Ela achou estranho e me levou no médico. Eu tinha uns 3 anos quando detectaram perda moderada nos dois ouvidos.
            Desde então, comecei a usar aparelhos. Com eles, eu conseguia entender o que as pessoas falavam, os resultados eram bons, mas nem todos entendiam o que eu dizia.
            As consultas com as fonoaudiólogas ajudaram a melhorar minha comunicação.
            O tempo foi passando e minha audição, piorando. Minha perda se tornou profunda e os aparelhos já não me ajudavam mais. Tive que me adaptar.
            Na escola, minha mãe sempre me deu muito apoio.
            Ela ia ao colégio antes de começar o período letivo e explicava aos professores para falarem de frente comigo porque eu era surdo, que eu sentaria na 1ª fila para ficar mais fácil de fazer leitura orofacial.
            Pedia para que evitassem ditados e dessem preferência para matérias escritas no quadro. Dessa forma, eu consegui acompanhar bem as matérias escolares e era sempre um dos melhores da turma.
            Embora eu tivesse um bom desempenho escolar, não tinha muitos amigos. Eu era tímido e tinha dificuldade em entender os outros alunos. Os professores eram calmos e articulavam bem, enquanto os colegas em geral falavam rápido e não mexiam os lábios direito.
            Tinha outro surdo 2 anos mais velho que eu no colégio. Assim como eu, ele também era um bom aluno e tinha dificuldade de comunicação com os colegas. Nossas famílias eram bem amigas. Quando eu tava na 8ª série, o pai dele me disse que ele tava tendo dificuldade em algumas matérias do 2º grau por não conseguir entender o que o professor ensinava. Foi nessa época que me perguntaram se eu gostaria de ser implantado.
            Inicialmente, eu disse não. Achei que não tinha necessidade. Que ia ficar igual a todo mundo. Bobagem. Mas 1 ano depois, durante o 1º ano do 2º grau, percebi que tudo tava ficando mais difícil. Pensei o que eu poderia fazer para facilitar minha comunicação com todos e decidi aceitar o implante coclear.
            Foi uma decisão acertada! Depois de ativado, tudo melhorou. Tanto o colégio como a faculdade ficaram bem mais fáceis.
            Fiz faculdade de Agronomia na UFRGS. Para conseguir acompanhar as aulas, eu conversava com os professores quando necessário. Na maioria das vezes não precisei, as aulas da faculdade eram mais expositivas, então o professor falava de frente, e também usavam muito Power Point, eu conseguia ler a matéria.
            Na faculdade eu fiz mais amizades. Depois que comecei a usar o IC, fiquei mais confiante, comecei a falar melhor, todos me entendiam e eu entendia todos. Foi ótimo.
            E quando comecei a aprender LIBRAS? Antes de me formar na Agronomia, eu tava voltando da fono e vi um aluno e uma professora conversando em sinais em um gira-gira. Era a escola Salomão antes da mudança. Fiquei curioso, era a 1ª vez que eu via essa forma de comunicação. Conversei com uma mulher na escola e ela me indicou cursos de LIBRAS na UFRGS e na FENEIS. Depois que me formei na faculdade, comecei a aprender LIBRAS na UFRGS e no Rumo Norte. Tô gostando muito. Me falta contato e prática, mas tô melhorando aos poucos.
            Tô vivendo nos dois lados, dos oralizados e sinalizantes. Tenho o sonho de que um dia os dois lados aceitem as diferenças do outro e haja união. Eu sei que as necessidades dos grupos são diferentes, mas a vontade de lutar por acessibilidade existe. Por que não lutam juntos?

De: R.P.
Para: C.L.
No dia de Hoje (quarta feira 12/09) quase não acreditei quando vi o nome da pessoa que eu fui contemplado. Fiquei muito feliz por ter sido esta pessoa a escolhida, claro que ao escrever minha história sei que esta pessoa já conhece muito bem a minha história. Então vou contar alguns detalhes ainda desconhecidos por ela...
Pois bem, sou Roger Prestes filho da Dona Cleusa Chaves e do Auxiliar de medicina Sr Clovis Prestes, nasci na terra do doce onde se fabricam doces – Pelotas e lá cresci. Fiquei surdo com 1 ano e 6 meses quando minha mãe descobriu que eu estava com a meningite, pois tive uma febre muito alta com 40 graus e minha mãe ainda me levou para tomar banho gelado, acredite?! Então quando a febre baixou me levaram para o hospital Beneficência Portuguesa, o hospital mais famoso em Pelotas e fui internado, ficando 40 dias em coma, passando os 40 dias o medico disse para minha mãe e meu pai que talvez eu pudesse ficar com sequelas do coma, como paralisa cerebral, cegueira, deficiência física ou outras deficiências e minha mãe ficou preocupada! Quando acordei o médico me avaliou e disse para minha mãe que eu estava muito bem, sem deficiência alguma, mas no momento em que o médico deixou cair um objeto no chão, eles perceberam que eu não reagi ao barulho do objeto caído e nem reclamei, foi assim então que ele fez uma avaliação do meu ouvido com fez teste da orelhinha, diagnosticando que eu fiquei surdo! Mas minha mãe ficou aliviada porque não havia problema algum em relação a minha surdez.
Aos 6 anos de idade minha mãe procurou uma escola para mim e  encontrou a Escola  Especial para Surdos a Escola Especial Professor Alfredo Dub, esta escola  utilizava o método oral de ensino onde era proibido o uso da Língua de Sinais. Estudei lá ate o ano de 1992, até que um grupo de mães resolveu procurar um curso especifico para surdos, quando resolveram vir a Porto Alegre e encontraram a Escola Concórdia que utilizava o método da Comunicação Total no Ensino. Utilizava-se dos sinais e da fala... Na Escola Concórdia elas aprenderam mais a respeito dos surdos trazendo estas informações para Pelotas mesmo que havia outras mães que não aceitavam que os filhos usassem Língua de Sinais na comunicação.  A partir disto foram fundadas Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos, abrindo o primeiro Curso de Sinais em que minha mãe foi primeira pessoa a se inscrever passando a me ensinar a utilizar e a se comunicar em Língua de Sinais, pois até então eu era oralizado, por causa da escola que era oralista.  Passando alguns anos fui matriculado em uma escola regular onde cursei o 2º grau.  A escola tinha o Curso Técnico em Contabilidade e na minha sala havia mais de 4 surdos que não eram como eu pois não oralizavam.  Neste momento percebi que precisávamos de Intérprete de Libras na sala de aula por isso minha mãe resolveu chamar as outras mães dos outros alunos para ir junto a Coordenadora Regional de Educação - CRE e solicitar a presença de Intérprete de Libras na sala de aula onde inicialmente não conseguiram, mas continuaram a insistir e fazer pressão na CRE até que quando estávamos perto de concluir o 2º grau, faltando cerca de 6 meses para a conclusão do segundo grau  a CRE resolveu mandar Intérpretes de LIBRAS para a sala de aula. Completamente sem graça (sem sentido) termos conseguido isto somente no final dos nossos estudos.
Após resolvi fazer o vestibular para o curso do meu sonho que era Direito, tentei na Federal pela UFPEL, mas não havia Intérprete de Libras e desisti, foi então que tentei fazer o curso de Letras/espanhol na UCPEL que tinha Intérprete de Libras e consegui cursar.  Patrícia minha amiga que era assessora da Secretaria de Educação em Pelotas me ofereceu um estágio para trabalhar em escola pela SME onde aprendi muita de política com eles.
 Através disto foi criado o CAPTA Centro Apoio de Tecnologia para Acessibilidade na SME, onde este projeto provocou o meu pensamento visto que eu tinha pouco conhecimento da política e das leis de acessibilidade. Quando mudou a equipe governamental da prefeitura de Pelotas, em que o partido político era do PT – Partido Trabalhadores todos saíram da Secretaria não havendo mais lugar para mim, foi então que vim para Porto Alegre, atrás do PT, pois “aonde o PT vai sempre vou com ele”.
Quando mudei para Porto Alegre fui convidado a trabalhar em uma escola de surdos em Gravataí, e também trabalhei na ULBRA como Instrutor de LIBRAS, começando a conhecer mais da política em Canoas através do contato com a Secretaria Municipal de Canoas conseguindo um Estágio para trabalhar na Unidade de Inclusão da Secretaria Municipal de Educação, lá onde pude aprender muita coisa e buscar mais informações sobre a política da Educação Inclusiva junto com o Ronaldo Ribeiro que era favor da inclusão.  Comecei a estudar o texto política pública do MEC e também estudar AEE que a SME oferecia o curso para professores que trabalhavam no município de Canoas. Fui como “ouvinte” assistir aula e fiquei chocado pois não esperava que estivesse escrito no texto do AEE em Fortaleza que os surdos precisavam aprender primeiro a oralizar e briguei com os colegas da UNI – Unidade Inclusão que pois não concordava com a redação deste texto do AEE.
A partir disto comecei a agir procurando me envolver mais com a educação de surdos sendo que fiz a proposta do CAS – Centro Atendimento de Surdos em Canoas e a SME aprovou a proposta sendo encaminhada a Câmara de Vereadores para votação.  Meus colegas ficaram sabendo que haviam coisas erradas onde se perdeu o número do protocolo de meu projeto do CAS e ninguém sabia onde havia se perdido...  Continuando na luta e procurando apoio foi que conheci o projeto inclusão Legato. Este projeto contemplava muitas crianças com deficiência onde a proposta era estimulação nas crianças com deficiência e apresentei meu projeto do CAS e as propostas para surdos em Canoas. A associação gostou da idéia em fazer o projeto para encaminhar prefeitura sendo aprovado também, ficamos muito felizes, mas a SME não aceitou fornecer os recursos financeiros para comprar os materiais e equipamentos de acessibilidade. Depois disto comecei a estudar muito a legislação de acessibilidade onde descobri que todos tem direito de acordo com a Constituição Federal, como cidadãos onde diz no artigo 1º parágrafo único:
 - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Passei a me interessar e a procurar saber mais sobre a política de educação inclusiva e os direitos humanos para todos. Conheci o assessor do Paulo Paim e ele me ajudou muito buscando mais informação com eles percebendo que o poder público “pensa” que o povo não sabe a lutar pelos seus direitos.
Estava trabalhando na Secretaria quando recebi um email sobre a CONAE – Conferência Nacional de Educação na cidade Novo Hamburgo, Canoas e Porto Alegre era o último dia da inscrição. Recebi pela manhã e a não cheguei a ler no primeiro momento, mas depois quase no final da tarde antes de ir embora para casa é que sentei para ler e ler... Descobri que era muito importante para a comunidade surda e para a Escola de Surdos a nossa participação.  Foi então que mandei email para a Ana Paula Jung que na época era diretora da Escola de Surdos de Novo Hamburgo a qual conseguiu se inscrever e também mandei para um surdo em Porto Alegre, o Cacau que foi inscrito como representante de Porto Alegre. Fiquei mais aliviado da participação dos surdos na Conferência de Educação.
No ano 2009 recebi o convite para participar como membro do projeto Negro Surdo em São Paulo, projeto que luta pelos direitos dos Negros Surdos e comecei a pesquisar aqui Rio Grande do Sul percebendo que os surdos negros não estão afastados da sociedade, mas na cidade de São Paulo existe sim afastamento da comunidade surda afastamento dos surdos negros.
No ano passado o Diretor Regional da FENEIS Francisco Rocha estava chamando surdos e ouvintes para se reunirem e assumirem como membros da FENEIS e fui aprovado como diretor da Política Educacional da FENEIS participando de vários eventos, reuniões, palestras, representando a FENEIS quando conheci o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência – COEPEDE e passei a participar como suplente do Francisco sendo que agora sou um Conselheiro.  Isto me proporcionou muitas oportunidades em que passei a estudar muito a política com a COEPEDE, a minha melhor amiga e melhor tradutora da minha voz, para qual hoje estou escrevendo esta carta, é para ela que vou agradecer muito... Pois na COEPEDE sempre indica meu nome para participar do Fórum Permanente para Política Pública PcD, onde passei a viajar a várias cidades com a FADERS e COEPEDE aprendendo muito de  política.
A política é muito importante, e também como entender a política? Segundo Guareschi, ComunellNardini & Hoenisch (2004, p. 180.), entende-se por Políticas Públicas:
o conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas. Expressa a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público.
Por isso a Política é muito importante para a sociedade e para a militância que constrói o pensamento e também oportuniza a busca de mais conhecimento. Atualmente sou secretario executivo do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Porto Alegre, conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Delegado da Conferência Nacional Emprego e Trabalho Docente, Delegado Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência onde hoje tenho muito política para comunidade surda e para as Pessoas com Deficiência, por isso a luta é muito importante para todos.
Acho já escrevi muito da minha história e ainda tem mais, só vou te contar pessoalmente que vai ficar melhor o bate-papo. Hoje estou aqui no curso PEC com minha amiga Cristina Laguna, que é excelente pessoa e lutadora, militante dos surdos e das Pessoas com Deficiência. Estou muito feliz que escolhi o nome dela para a  primeira carta do curso. Espero que você goste!
Um Grande beijo do seu Negro... hehehehe....

De: C.L.
Para: G.C.
Olá G.,

Eu escrevo esta carta para contar um pouco da minha história e de como foi minha caminhada na educação de surdos.
A principio acho importante dizer a você que sou CODA – Children of deaf adults, ou seja, venho de família de surdos, minha mãe, padrasto, que considero como pai, e tios são surdos e talvez eu possa dizer para você que fui e sou intérprete da minha família, quando falo de educação de surdos, acredito que posso afirmar que por muitas vezes tive de traduzir cartas e receitas recebidas por meus pais, muitas vezes traduzi o bilhete da minha escola para que eles pudessem assinar aquele bilhete de autorização para um excursão, os bilhetes de escola que meus irmãos recebiam também eram traduzidos por mim, além disso desenvolvi um instinto de proteção com os meus irmãos, eu os ajudava a fazer os temas, cobrava isso deles, por que sabia que meus pais não podiam e não fizeram isto por mim.
Lembro-me de uma dada situação de minha mãe precisar fazer um tratamento ginecológico e eu tive de ler e traduzir para ela todo o procedimento, lembro de não saber muitos termos que apareciam nos procedimentos.
Lembro de uma situação na escola, eu estava na segunda série do ensino fundamental, e minha turma, por terem tido comportamento inadequado, foram punidos pela Diretora que disse que todos nós deveríamos entregar o caderno “ASSINADO”, eu não sabia o que significava a palavra “ASSINATURA”, quando cheguei em casa pedi a minha mãe que escrevesse um bilhete, tive de soletrar todas as palavras, através do alfabeto manual, minha mãe escreveu letra por letra, que dizia que eu não tinha culpa dos outros alunos fazerem bagunça na sala de aula. Quando no dia seguinte mostrei o bilhete para a Diretora, ela falou que aquilo não era a “ASSINATURA”, mas eu não sabia o que significava aquela palavra, até ver o caderno de um colega e perceber que “ASSINATURA” significava o nome. Como meus pais eram surdos, eu não conhecia muitas palavras na Língua Portuguesa. Me lembro que quando fiquei aos cuidados da minha vó por volta dos dois anos e meio ou três anos, quando minha mãe precisou trabalhar, que minha vó escondia meu bico e me forçava a pedi-lo, também não me dava mamadeira enquanto eu não pedisse, eu tenho muito clara esta memória da minha infância, hoje tenho certeza que minha primeira língua foi a língua de sinais.
Lembro também, que minha mãe foi para uma escola de alfabetização de adultos, na época se chamava CAEDA, eu ia junto, por que ela não tinha com quem me deixar, lembro que a professora me perguntava alguns sinais como “primo”, “tio”, “praia”, isto também está na minha memória.
Quando meu tio começou o Ensino Médio na Escola especial concórdia ele precisava ler alguns textos, como era muito material para ler, ele pedia que eu fizesse algumas para ele, eu estudava e fazia resumos, e lembro que eu escrevia na estrutura da língua de sinais, meu tio conseguia entender e pedia que eu fizesse para todas as matérias. Lembro que quando ele ia se formar, foi convidado para ser o orador sinalizante da turma e pediu que eu escrevesse o que ele sinalizava, primeiro na estrutura de língua de sinais, depois traduzido em língua portuguesa por que tinha que entregar uma cópia para a direção da escola.
Lembro que os amigos dos meus pais iam a nossa casa e pediam que eu os acompanhasse em compra de carro, casa, lojas, audiências para traduzir além de ler o papel que eles tinham que assinar, eu lembro que eu tinha muita dificuldade de entender as clausulas eram termos muito técnicos, e quando eu não entendia alguma coisa eu perguntava para o vendedor ou atendente o que significava. Depois eu ganhava um presentinho, um sorvete, um cachorro-quente, um refrigerante em troca.
Curioso que me lembro que minha tia estava apaixonada por um rapaz que era soldado do exército e ele escrevia cartas para ela eu tinha de ler e traduzir para ela, era engraçado por que muitas cartas eram muito eróticas e eu tinha uns 8 ou 9 anos, minha tia pedia que eu escrevesse as cartas, mas as dela não tinha nada de erótico, eram cartas românticas. Lembro que no primeiro encontro deles, marcado por ele numa das cartas, eu tive de ir junto para traduzir para eles, depois que eles trocaram o primeiro beijo, minha tia me levou ao parque onde eu andava nos brinquedos enquanto eles namoravam. Esta mesma tia também foi assaltada e agredida uma vez tive de ir a delegacia registrar ocorrência junto com ela.
Tenho certeza que sempre tive envolvida com educação de surdos desde minha infância, quando os celulares deixaram de ser luxo para ser necessário, tive de ensinar meus pais, tios e amigos deles a usarem. Lembro que eu fazia um passo-a-passo desenhado numa folha de papel, para eles saberem como faziam para mandar mensagem e olhar a mensagem, eu escrevi neste passo-a-passo algumas palavras que era de uso rotineiro deles como “vem casa?” que significava se vai para casa, “hora?” qual hora, “sim”, “não” e “ok”, também aconselhei que eles usassem um dicionário de Libras para procurar as palavras que queriam dizer, lembro que as primeiras palavras que minha mãe escreveu diferente da que ela tinha na lista dela eram “Lou C.. saudade amor beijar”, quando recebi aquela mensagem, eu chorei, por que minha mãe me escreveu coisa tão linda e verdadeira, o esforço de ter procurado as palavras e ter enviado as primeiras palavras para mim, como um gesto de amor, carinho e reconhecimento pelo que eu fizera para ela. Hoje minha mãe se dá muito bem com a tecnologia, ela tem um celular melhor que o meu.
É interessante que esta minha vivência com minha família esteja vindo agora nesta carta, pois sempre falei delas com tanta naturalidade que nunca pensei que minha família tinha sido meu ingresso na educação.
Sou formada no Curso Normal Superior – Licenciatura para os anos iniciais do ensino fundamental minha relação com a alfabetização se intensificou durante meus estágios com alunos surdos na escola de surdos. Senti mais dificuldade em trabalhar com as crianças surdas do que com os adultos surdos na EJA – Educação de jovens e Adultos, talvez meu contato com minha família tenha me dado esta predisposição para um melhor entendimento de trabalho com a EJA do que com as crianças. A maioria das crianças não estavam alfabetizadas na Libras, ou seja, elas se utilizavam de sinais caseiros, muitos gestos, apontavam para objetos, havia em meus planejamentos de aula trabalhos com leitura e escrita e tive de usar estratégias que pudesse fazer com que os alunos fizessem registros em seus cadernos. Senti angustia com relação ao ensino destas crianças. Diferentemente com os adultos, que mesmo não alfabetizados em Libras havia um entendimento por outras formas de comunicação viso-espacial que favorecia também o registro por escrita.
Antes da Faculdade eu havia feito o curso para ser intérprete de Libras e me  profissionalizei. Enquanto vivo a profissão de tradutora e intérprete de Libras nas diversas áreas, meu trabalho perpassa por espaços da educação acadêmica traduzindo textos para Libras e Língua Portuguesa, interpretando disciplinas das mais diversas áreas de formação superior e pós.
Quando pisei pela primeira vez numa faculdade para interpretar, eu percebi que os professores não entendiam por que eu tinha de traduzir as provas, e por que eu tinha de traduzir os textos dos alunos surdos. Quando se explicava a questão da estrutura da escrita, muitos professores me olhavam desconfiados. Assim também era na sociedade quando traduzi provas teóricas do DETRAN para os surdos, havia uma desconfiança muito grande sobre a tradução sem cola.
Ainda há esta dificuldade, de fazer a sociedade entender que os surdos possuem uma leitura diferente, e que o intérprete de Libras possui uma formação que lhe orienta sobre condutas éticas de trabalho.
Atualmente, ainda atendo surdos em audiências, consultas médicas, lembro de uma surda que precisava de ajuda sobre o receituário que recebeu do médico para dar banho em seu filho que estava com congestão nasal, era um procedimento de vaporização com quantidades de litros de água, mais dosagem de pó na água que deveria estar fervida. Para esta mãe, era importante que ela fizesse por sete dias, e retornasse ao médico. Depois que a ajudei, pensei nas várias mães surdas que vão com seus filhos ao médico, e este por sua vez escreve como se todo o surdo soubesse ler, e penso quantas destas mães acabam não fazendo o procedimento e muito menos voltando ao médico.
Voltando sobre meu trabalho como intérprete na Universidade e percebendo que meu trabalho de tradução e interpretação exigia um conhecimento acadêmico para questões de vocabulário e uma conduta como mediadora da comunicação, precisei esclarecer por diversas vezes, para alunos e professores, que meu papel na sala de aula era o de interpretar e não de ensinar o acadêmico surdo incluído. Meu trabalho muitas vezes era confundido com o de professora sendo questionada pelo aluno sobre o conteúdo, ou receber do professor atribuições de explicar o conteúdo ou ser parceira de trabalho do surdo.
Em minha trajetória na Univesidade me descobri como profissional, tanto como intérprete na sala de aula como também no processo tradutório dos trabalhos acadêmicos desde artigos, TCC e Dissertação de Mestrado. Em 2008, recebi uma proposta para atuar como docente no Curso de Capacitação para Tradutor e Intérprete de Libras na disciplina de Técnicas de Tradução e Interpretação, onde ainda atuo e formei aproximadamente cem intérpretes.
Meu gosto pela minha profissão me leva a discuti-la e problematizá-la constantemente dentro da educação. Há uma série de documentos que falam sobre um intérprete educacional, sobre sua ética, sobre seus princípios, mas é importante pensar também que papel vem desempenhando este sujeito na educação de surdos. Talvez se diga que o intérprete educacional seja aquele que está na Instituição, no entanto penso que os intérpretes que são CODA’s são educadores em sua própria família.
Hoje a realidade da educação de surdos na inclusão, vem sendo debatido e acredito que seja até polêmico, pois há um grande movimento em defesa da educação bilíngüe, mas está havendo distorções sobre esta forma de educação e os surdos em seus constantes movimentos vem defendendo uma escola bilíngüe para surdos, por que a proposta do MEC de uma escola bilíngüe parece estar na garantia da presença do intérprete de Libras. E não sei se você concorda comigo, mas se o intérprete de Libras é o mediador da comunicação entre surdos e ouvintes como ele poderá fazer essa mediação se o surdo não for alfabetizado e também não souber a Libras, se for uma criança surda em que a família usa com ela alguns gestos de casa.
O que você acha Guilherme, o intérprete deve ensinar a criança surda? Qual formação deve ter este intérprete para trabalhar no processo de letramento da criança surda?
Aguardo seu retorno.
Foi um prazer contar um pouco da minha história e poder compartilhar com você alguns questionamentos que tenho sobre o papel do intérprete de Libras na sala de aula inclusiva.
Um grande abraço. C.L.

De: J.P.
Para: T.M.

Olá T.M.
Esta é terceira carta que escrevo sobre essa temática, pois participo de diferentes formas do “memórias” desde a primeira edição. Mas cada carta é única pois minha vida está em constante mudança neste caminho da educação de surdos, pois inúmeras oportunidades chegam até mim.
Antes de te contar mais a fundo minha história, vou contar-te algo interessante em relação a essas cartas: na primeira edição do curso eu era bolsista de iniciação científica e meu conhecimento linguístico nesta área ainda era bastante superficial. Recordo-me que nesta época enquanto eu observava os encontros ficava admirada como professores surdos e ouvintes conseguiam uma comunicação tão fluente, e ficava imaginando se um dia conseguiria algo assim. Um dia, em um dos encontros fizemos a leitura de cartas e lembro de maneira bastante viva da carta da professora Liège K. que dizia do encantamento com a educação e como havia sido de forma inesperada o encontro com a educação de surdos, nesse dia pensei para mim mesma que meu sonho para aquele momento era ter aquele mesmo encantamento, me tornar professora de surdos.
Um ano após, tendo contato com surdos diariamente nas minhas atividades de pesquisa na faculdade, já havia aprimorado minha fluência na Libras e iniciava minha vida como professora na escola Frei Pacífico. Assim, na segunda edição do “memórias” encontrei um novo sonho: não me lembro em que encontro exatamente, havia intérpretes estagiárias do Letras-libras fazendo a tradução da aula. Lembro-me que admirei aquele trabalho e o achei desafiante, me perguntei se algum dia seria capaz de me tornar intérprete e principalmente se algum dia seria capaz de fazer a interpretação oral de algum surdo em uma aula ou palestra. Hoje, na terceira edição do memórias já me tornei intérprete de libras contratada na UFRGS e percebi que quando se constrói um sonho, uma meta, por mais desafiante que pareça ela nunca é impossível de ser alcançada. Tenho muito ainda que me aprimorar seja como intérprete, seja como professora (pois exerço as duas funções atualmente), mas sei que estou a caminho.
...

Mas vou voltar um pouco ao passado, pois embora eu já tenha contado essa história diversas vezes, como mal nos conhecemos provavelmente para ti ela vai ser novidade. Não é uma história muito longa, pois como deves ter percebido no pequeno resumo que contei inicialmente já tenho diferentes experiências (e digo isso no sentido de Larrosa, no sentido de quem realmente foi tocado por tais vivências) neste percurso da educação de surdos, mas que aconteceram em um curso espaço de tempo (cerca de cinco anos bem aproveitados).
O fato é que nesses anos me aconteceram fatos bastante importantes, que costuraram minha caminhada de maneira muito bela. Em primeiro lugar, nasci no dia do surdo, 26 de setembro, mas é claro que muitas outras pessoas nasceram no mesmo dia e nem por isso seguiram este caminho.
A minha lembrança mais remota de algum contato com a língua de sinais foi há uns 10 anos, quando na semana da água eu vi a apresentação de uma turma de alunos surdos de uma classe especial apresentarem a música “Planeta Água” de Guilherme Arantes em um coral. Na época, não fiz nenhum julgamento, nem tenho muitas lembranças do evento, recordo apenas que foi neste momento que aprendi o primeiro sinal: água, que tem muita relação com a maneira em que me fui me relacionando com a Libras. A água não é parada, é fluida, móvel, nos escapa das mãos, não é possível prendê-la entre os dedos, embora ela sempre deixe resquícios.
Desta apresentação me ficaram duas coisas: um sinal (água) e um encantamento, mas eu não imaginava que seria mais que isso...é estranho como na vida nós não temos completamente o controle de tudo, não sabemos onde vamos parar seguindo por um ou por outro caminho... Assim como não sabemos que algo remoto do passado pode se relacionar com algo importantíssimo no presente. O fato é que quando em 2006 eu passei no vestibular para pedagogia da UFRGS eu não imaginava que isto iria me aproximar de tantas coisas. Não imaginava que esta faculdade mudaria de tal forma a minha vida.
O fato é que em uma das viagens diárias de ônibus até a faculdade encontrei um menino surdo, um menino que parecia sempre triste e solitário no ônibus, e não sei exatamente porque até hoje, que embora eu seja bastante tímida resolvi começar um contato com ele, mesmo sem saber libras, nem conhecer nada sobre os surdos. Ele foi quem me ensinou os primeiros sinais e impulsionou-me a buscar mais conhecimentos nessa área. Agradeço muito a ele, somos amigos até hoje.
...
Concomitantemente a estas viagens até a faculdade, obviamente, haviam as aulas, e foi em uma cadeira eletiva durante o meu terceiro semestre do curso de pedagogia que fui conhecer mais uma das pessoas que me auxiliariam a percorrer este caminho de busca e encantamento com o povo surdo: a professora Lodenir Becker Karnopp. Foi durante esta disciplina que li os primeiros textos sobre a surdez, os quais como tantos outros constituem os meus textos (falados, sinalizados ou escritos), bem como constituem a pessoa que eu sou, além de ser também nesse período que passei a perceber a surdez como um espaço de cultura, não como uma deficiência. As “aulas de libras” no ônibus continuaram e foi em um desses momentos que recebi o meu sinal, “um J finalizando em espiral”, remetendo ao meu cabelo (embora hoje em dia muitos achem que é um J unido ao sinal de “magro”). E foi a partir desse dia que eu senti que estava sendo aceita nesse mundo que eu tanto admirava, eu também podia ser representada em libras, foi um dia bastante marcante, que me recordo muito bem até hoje.
...
Em 2008 então resolvi estudar mais, me inscrevi na disciplina de LIBRAS na faculdade, e também me inscrevi em um curso de LIBRAS nível básico e nesse mesmo semestre, por coincidência (se é que coincidências existem) a professora Lodenir me convidou para ser monitora da disciplina que ela ministrava : Educação especial e inclusão. Foi então que eu conheci a professora Adriana Thoma (que também ministrava a mesma disciplina), e o professor Cláudio Mourão que foi meu grande parceiro no aprendizado da Libras.
E a partir daí tudo aconteceu de maneira ainda mais interligada e rápida, e em menos de dois anos eu já havia me tornado professora de surdos.Primeiro, em pouco tempo como monitora, me tornei bolsista de iniciação cientifica da professora Lodenir, e assim intensifiquei minhas leituras, ampliei meus conhecimentos e também o meu contato com o povo surdo, uma vez que a pesquisa na época demandava que eu visitasse escolas e aplicasse questionários a alunos surdos, tendo por companhia um pesquisador surdo. Fui bolsista de duas pesquisas “A educação de surdos no Rio Grande do Sul” e “Produção, circulação e consumo da cultura surda brasileira” tendo me afastado um pouco ano passado em função de estar trabalhando dois turnos na escola Frei Pacífico, mesma escola em que fiz meu estágio curricular da pedagogia.
Fiz meu trabalho de conclusão da graduação sobre as narrativas dos surdos nas produções acadêmicas de mestrado e doutorado na Faculdade de Educação da UFRGS e ano passado conclui uma especialização na área dos Estudos Culturais em educação tendo como pesquisa final a temática do movimento surdo no Youtube.
Desde dezembro passado, iniciei meu trabalho como intérprete de Libras nesta mesma universidade, que é minha casa, onde construí muito do que minha vida é hoje e que seguirá sendo meu lar ao menos nos próximos dois anos uma vez que passei no mestrado na linha dos Estudos Culturais em educação tendo como orientadora novamente a professora Lodenir.
É isso, minha vida nesta área é cheia de acontecimentos, desafios... Gostaria de me inserir mais ainda, participar mais ativamente da comunidade e das lutas surdas, mas vejo que na vida temos que respeitar nossos processos, nosso próprio tempo, para que vá construindo tudo sobre bases sólidas que sustentem as novas etapas. Espero que tenha sido uma leitura agradável.

De: T.M.
Para: R.Q.

Olá querida R.Q!

Primeiramente, gostaria de te dizer o quando estou feliz por estar fazendo parte desta disciplina “Memórias, Narrativas e Experiências na Educação de Surdos III”. Como não trabalho diretamente com a educação de surdos, esta experiência está sendo nova e cativante. Trabalho numa escola de ensino regular, no município de Gravataí, nas séries iniciais do Ensino Fundamental Gostaria de compartilhar contigo, um dos fatos atrelados à minha prática docente que me fizeram chegar até esta disciplina, despertando-me o interesse pela educação de surdos...

Março de 2012

No início deste ano letivo, na escola em que trabalho, algo chama atenção do grupo de professores que dela fazem parte: ingressa, no primeiro ano do ensino fundamental, um menino de 12 anos de idade, surdo. O fato causa bastante surpresa frente a todos, pois mesmo sabendo que nossa escola atente inúmeros casos de inclusão, entre eles o atendimento de crianças deficientes auditivas, mesmo sabendo que contamos com o apoio de monitores em salas de aulas e também com professores especializados para o atendimento em sala de recurso, sabíamos que este ambiente, não era o mais indicado para o menino surdo que ali ingressara.
Não demorou muito para que as dificuldades começassem aparecer para aquele aluno. Aquele era o primeiro ano de escolarização de sua vida. Ele estava iniciando sua vida escolar aos 12 anos, sendo surdo, numa escolar regular de ensino e tendo como colegas, alunos ouvintes com seis anos de idade. Além do mais, não havia nenhuma condição apropriada para receber este menino. Na nossa escola, não possuímos intérpretes, e mesmo que os tivéssemos, este aluno não tinha conhecimento da língua de sinais, pois como havia mencionado, ele nunca frequentara uma escola antes.
Sendo assim, a inclusão deste aluno nessa sala de aula regular de ensino se tornava inviável. O menino surdo, além de não conseguir acompanhar a aula, não conseguia se comunicar com seus colegas. Ele se comunicava por sinais com a professora, e quando o fazia, geralmente, era para sinalizar o tamanho de seus colegas em comparação ao seu, demonstrando que aquelas crianças eram todas menores que ele e que elas eram ouvintes, e ele não.
A professora, sem experiência na educação de surdos, tentava ensinar o português escrito para o menino. Evidentemente, não havia sucesso em suas tentativas.
Depois de, aproximadamente, um mês de tantas dificuldades, a família compareceu à escola. A mãe relatou que o menino se sentia desmotivado para continuar frequentando a escola, em virtude da diferença de idade em relação aos e da impossibilidade de se comunicar com todos ali. Foi sugerido a esta mãe que o menino fosse transferido para escola de surdos, situada no centro da mesma cidade.
Depois desse dia, o menino não compareceu mais à escola de ouvintes.

Creio que esta história nos possibilita pensar sobre algumas questões. A primeira delas é por que um menino surdo ingressou em uma escola regular de ensino? O que aconteceu para que o mesmo ficasse sem escolarização até os 12 anos de idade? Histórias como essa, que retratam a dificuldade de escolarização de pessoas surdas, são recorrentes? Afinal, este fato ocorreu numa cidade da região metropolitana de POA, em uma cidade onde existe uma escola para surdos. E como será que acontece nas cidades do interior, onde se pode presumir que o acesso às escolas de surdos é mais restrito?
Creio que questões como essas merecem no mínimo ser discutidas.  No município de Gravataí, onde está localizada a escola cenário da narrativa acima, há uma escola de surdos situada no centro da cidade, onde é oferecido pela prefeitura, transporte gratuito para seus alunos. Os alunos surdos matriculados na rede são, diretamente, encaminhados para essa escola. Quando os alunos são considerados portadores de deficiência auditiva, permanecem na rede regular de ensino e lhes é oferecido o atendimento em sala de recurso e um monitor em sala de aula, quando necessário. No município, apenas dois alunos surdos frequentam a escola de ouvintes, com o acompanhamento de intérpretes. Segundo a coordenadora do Núcleo de Educação Especial do Município, esta situação apenas ocorre em nível de ensino médio, pois o município não oferece uma escola para surdos para essa etapa de ensino, havendo assim a necessidade dos surdos serem incluídos em escolas comuns.
 Creio que vários fatores podem ter levado esse menino até a escola comum, o que pode ter lhe causado uma experiência frustrante e até mesmo desmotivadora para sua aprendizagem.  Me questiono se  tal experiência não fora completamente desnecessária na vida desse menino e se a mesma não poderia ter sido evitada. Não estou com isso tentando encontrar culpados para o fato, simplesmente, procuro aqui refletir sobre outras possibilidades que poderiam ter sido levadas em conta para direcionar de forma mais apropriada esta situação.
Infelizmente, essa não é a única história que tenho conhecimento de pessoas surdas que ficaram sem acesso a escola ou tiveram um acesso tardio à mesma. Essa também não é a única história de insucesso escolar envolvendo alunos surdos na escola regular da qual fui informada. São histórias como essa, que nos suscitam pensar sobre a visão que se tem tido com relação à educação de surdos e sobre os encaminhamentos que têm sido dados a ela, a partir das políticas públicas, que muitas vezes consideram a inclusão do surdo nas escolas comuns, como possibilidade satisfatória para a aprendizagem dos mesmos. Histórias como essa podem abrir espaços para discussões sobre uma educação de surdos que contemple de forma mais ampla os interesses e as necessidades dos mesmos.
Abraços, T.M.

De: R.Q.
Para: P.V.
Olá P.V.!
Te conheci na nossa segunda aula em algumas palavras da Professora Adriana. Acredito que pelo motivo de você estar envolvida com as questões da surdez, poderemos ter muitas coisas em comum.
Falarei um pouco de minha história/trajetória acadêmica e profissional.
Sou Raquiel, tenho 33 anos, casada, sou do interior, da cidade de Santo Antônio da Patrulha.
Vou trazer um lembrança, que me significou muito em minha vida, que é 20 anos atrás na cidade de Santo Antônio da Patrulha, poucas mulher trabalhavam fora de casa, mulher era educada para cuidar da casa, dos filhos e do marido.
É pouco tempo, mas realmente era assim e talvez possa me atrever a dizer que ainda é. Fato esse, que tenho como exemplo que, quando falei para minha mãe que iria estudar para poder ser professora, ela me perguntou: “Como minha filha que você vai estudar e trabalhar? Quem irá cuidar de seus filhos?”
Normalmente, as pessoas fazem suas escolhas profissionais por que, de uma forma ou de outra, essas escolhas têm muito a ver com sua história de vida. Minha escolha profissional foi assim, ligada essencialmente a uma história de vida.
O fato de crescer vendo minha mãe cuidando da casa, dos filhos e não sendo valorizada e ao mesmo tempo, vendo algumas poucas professoras trabalhando, tendo sua independência, fez com que eu tivesse mais vontade ainda de estudar, trabalhar e conquistar minha independência.
Quando concluí o Ensino Fundamental, antes primeiro grau, fui fazer magistério. Precisava fazer um teste vocacional para ingressar na escola, pois as irmãs religiosas da escola, falavam que estavam formando muitos/as alunos/as sem “vocação” para tal, por isso a necessidade do teste para o ingresso.
Realizei então o teste, para minha surpresa, foi negado, me justificando que meu teste havia como resultado a área das artes, não podendo então cursar o magistério.
Cursei Técnico em Ciências Contábeis, com dificuldade, pois na época minha mãe não queria que eu cursasse o referido curso, pois era um curso noturno, onde somente meninos cursavam.
Quando concluí o Ensino Médio/Curso Técnico em Ciências Contábeis, antes segundo grau, fiz o vestibular para Pedagogia e comecei então a cursar
No mesmo semestre, abriu contrato emergencial na cidade para trabalhar em séries iniciais. Me inscrevi e fui chamada no mesmo mês. Fique surpresa, pois estava cursando o primeiro semestre da faculdade.
Muito Feliz, me apresentei no dia e hora agendada, quando me informaram: “Você irá trabalhar numa escola de Educação Inclusiva.” Não sabia o que era, pois tinha o entendimento que pessoas deficientes iriam para a APAE.
Soube então, que fui chamada, pelo motivo que nenhum/a professor/a havia aceitado o convite.
Assumi a primeira série e no meu primeiro dia, antes mesmo de conhecer os educandos a professora me apresentou cada aluno, através de pareceres descritivos, sobre o olhar dela.
Dentre os “pareceres”, continha um em que a professora destacou, o qual se referia a um aluno surdo: “B... é um aluno “surdo e mudo”, mas não se preocupe, pois é somente falar bem alto de frente para ele que ele entende muito bem e não “incomoda”nada.
Nesse mesmo semestre tive a sorte de ter como professora na graduação, a Professora Maura Lopes Corcine, onde em uma de suas aulas, falava e dava exemplos de crianças surdas.
No mesmo dia, ao final da aula, fui ao seu encontro, saber mais sobre tal assunto que por mim totalmente desconhecido.
Explicou-me algumas coisas rapidamente e falou que seria necessário conhecer a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, orientou ainda em quais locais poderia encontrar cursos de LIBRAS e fui nesses locais.
Iniciei o Curso de LIBRAS na FADERS/RS no turno da tarde, trabalhava com a 1° série pela manhã e tinha aula na UNISINOS a noite.
Estava me realizando, pois o aluno B... estava aprendendo, aprendíamos juntos, aprendia e o ensina. Foi quando um determinado dia, chegou na escola a Supervisora Pedagógica, Direção, Psicóloga, Fonoaudióloga e a mãe do aluno Bernardo me dizendo que eu não poderia mais usar as mãos para me comunicar com ele, pois eu estava fazendo com que ele não quisesse mais falar, não queria mais aprender a falar.
Não tive argumento, concordei e falei que não usaria mais LIBRAS, mas não foi verdade, voltei nos dia seguintes acordando com B... que iríamos continuar usando LIBRAS e ele iria na Fonoaudióloga.
Chegou ao final do ano, exigiram que fosse “aplicada uma prova” da Secretária da Educação, onde B... não conseguiu realizá-la.
Neste momento, soube que essa experiência estava sendo o início de uma caminhada.
Queria muito trabalhar com surdos, foi quando a professora Maura me orientou a procurar uma secretaria da Educação onde tivesse Atendimento na área da Educação Especial, pois não poderia trabalhar em escola, por que não havia formação. Procurei a Divisão de Educação Especial do Estado do Rio Grande do Sul e em 1999 comecei a trabalhar como estagiária.
 Em 2001 concluí minha graduação realizando meu Trabalho de Conclusão de Curso com uma pesquisa de pareceres pedagógicos de professores ouvintes sobre alunos surdos, tendo como Título “Representações do Professor Ouvinte sobre o aluno Surdo”.
Concluindo a Graduação iniciei o curso de Tradutor Intérprete de LIBRAS e logo a Pós em Educação Especial: Surdez, foi quando comecei como Técnica em Educação na área da surdez na Secretaria da educação  e concomitante comecei também a trabalhar como Intérprete de LIBRAS na ULBRA/Canoas e em 2003 fui Coordenadora Adjunta da Divisão de Educação Especial/SE/RS.
Foi um período de muita aprendizagem, uma experiência riquíssima, pois tive oportunidade de participar de Encontros, Seminários, discussões, realizando Cursos na área da Educação de Surdos, podendo estar mais próxima da comunidade Surda, conhecendo o funcionamento das escolas de surdos, a diferença das escolas do interior e da capital e região metropolitana, as cidades onde havia/há escola de surdos e onde não havia/há.  Conseguimos grandes avanços na área da surdez. Conseguimos organizar cursos de LIBRAS e Instrutores de LIBRAS em todas as coordenadorias Regionais de Educação-CRE e foi possível também formar professores na área da Educação Especial: Surdez de cada CRE do Estado do RS.
Em 2006, precisei pedir demissão da ULBRA para representar o Brasil em um projeto onde o Japão estava selecionando uma pessoa de cada País para compor o grupo de discussões para o reconhecimento e autorizações das escolas brasileiras, argentinas, uruguaias, paraguaias, peruanas, bolivianas, colombianas e chilenas.
Começamos o trabalho primeiramente conhecendo todas as escolas de ensino comum e especial, de educação infantil ao ensino médio, para então começarmos a entender a legislação de cada País e poder construir um documento norteador para os seus projetos políticos pedagógicos.
Construímos nossos Projetos Políticos Pedagógicos, metas de trabalhos e uma nova construção de escolas no Japão.
Esse trabalho se estende até o momento, pois é um trabalho também de acompanhamento.
A experiência de poder trabalhar, estudar, morar no Japão foi/é riquíssima, pois aprendi/do muito.
A Educação no Japão possui uma estrutura ótima, onde todo/a aluno/a possui total direito a educação com qualidade.
Estando no Japão pude estudar e conhecer um pouco mais sobre a cultura. Em 2010 comecei a fazer o mestrado na Faculdade de Leon, em Leon na Espanha, tendo como minha orientadora a Dra. Noboru Mori que também trabalhávamos juntas no Japão. As aulas aconteciam no mês de julho e janeiro e nos demais meses a distância.
A experiência foi ótima, mas estava indo ao desencontro do que acreditava/acredito, as leituras orientadas não condiziam/condizem com o que procuro, então pensei em voltar estudar no Brasil para que eu pudesse estar com meus pares.
Em outro momento poderei estar falando um pouco mais sobre essa experiência.
Em 2011, retornando de fato, iniciei o trabalho como Coordenadora Pedagógica dos Cursos de Pós Graduação do Sistema Educação Galileu-SEG, onde organizamos a implantação do Curso de Pós Graduação de Tradutor Intérprete de Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS e Cursos de LIBRAS.
No mesmo ano, comecei a lecionar a disciplina de LIBRAS para o Curso de Magistério do Instituto Estadual de Educação Flores da Cunha.
Ao final dessa carta, percebo que, contei minha formação e experiências na área da educação dos surdos, mas foi o aluno B... que me trouxe as inquietações que me “alavancaram”, me impulsionaram em direção ao desafio de querer conhecer, aprender sobre a educação e a cultura surda.
Espero que nosso semestre seja muito gostoso com muitas discussões e trocas.
Abraços! 
R.Q.

De: P.V.
Para: C.S.
Oi C.S!
Que enorme responsabilidade escrever para ti.
Não tenho muita experiência na área da educação de surdos, mas vou te contar um pouquinho de mim para você saber como cheguei aqui.
Nasci no interior, Encruzilhada do Sul, lá cresci em meio a muitas brincadeiras de rua, jogava bola, vôlei, taco, pulava fogueira e também brincava de boneca. Tive uma infância muito boa, com muitos amigos e primos.
Quando tinha 17 anos fui morar em Curitiba com meu pai, lá conclui o ensino médio e fiz cursinho pré-vestibular. Retornei a Porto Alegre para fazer o vestibular, mas um imprevisto me impediu de chegar até o local da prova.  No ano seguinte voltei em definitivo para o Rio Grande do Sul e comecei a trabalhar, casei e minha filha nasceu. Precisei adiar um pouco a minha entrada na universidade. Já nem acreditava mais que conseguiria, quando em 2011 fiz o vestibular e passei para o curso de pedagogia na Ufrgs.
Na minha primeira aula de Educação Especial, lembro da Professora Adriana Thoma perguntando qual era a expectativa que cada um tinha em relação a disciplina. Alguns responderam que não esperavam muito, porque não era a sua área de maior interesse, já para mim, era ali que estavam depositadas as maiores pretensões.
Me inscrevi para monitoria de Educação Especial onde participei da organização do curso memórias e passei a conhecer de perto a realidade dos surdos. No inicio tinha muita dificuldade e receio de me comunicar, confesso que ainda hoje me sinto insegura.
No semestre passado, enquanto era monitora, participei do curso de capacitação em libras para os funcionários da Ufrgs. Esse curso foi muito importante no meu processo de formação, principalmente quando, com o grupo, fizemos uma visita na escola Salomão Watnik, e ali tive a certeza de que estou no caminho certo.
Nessa visita, a escola e a importância da educação bilíngue nos foram apresentadas. Depois fizemos uma caminhada pelos espaços da escola. Pude observar as crianças brincando, interagindo de forma muito positiva. Lembro que saí dali, conversando com outro colega, feliz em saber que é possível sim, fazer algo diferente e contribuir para uma melhor educação de crianças tão “especiais”.
O meu interesse e vontade de aprender só fez crescer e hoje faço parte do grupo SINAIS onde participo da pesquisa Políticas educacionais e linguísticas como estratégias de governamento dos sujeitos no campo da educação de surdos.
Abraço com carinho

P.V.


De: L.S.
Para:  B.A.


Oi, Sou L.S. Tenho 39 anos, sou natural de Belém do Pará, sou casada com um gaúcho e mãe de duas lindas criaturas de Deus, o L e a LA. Moro aqui no sul desde 1999. Durante toda a minha vida fui professora e durante toda a minha infância eu brincava de dar aulas para boneca, para as irmãs menores, para os vizinhos e sonhava em um dia ter minha própria sala de aula. Aos 14 anos passei pela experiência de ser professora substituta no turno oposto da escola em que eu estudava para cobrir a licença maternidade da professora da 3 série. Era para ser uma semana e foram 6 meses.Foi encantador porque no início eu sempre começava a aula avisando que a professora titular já estava a caminho e todos diziam ehhhhh! Mas com o passar do tempo eu começava com boa tarde e se alguém perguntava quando vinha a professora titular eu dizia que não sabia eles gritavam e diziam ehhhhh! Isso me confortava, pois eu mesma não sabia se estava fazendo a coisa certa. Eu seguia meus instintos, planejava respeitando os planos auxiliares deixados em forma de tópicos pela professora antes de sair da licença, mas principalmente eu respeitava as crianças. Como eu não era a professora titular e a escola estava passando pela grande dificuldade de conseguir uma professora substituta, era ótimos que os pais não estavam reclamando da aula, alunos não estavam faltando e a turma tinha atividades de artes e educação física. Eu me baseava nas atividades que eu tive na escola e que eu considerava muito legal. Ensinava na maioria das vezes da forma como tinha aprendido e aproveitava minhas dificuldades para tentar amenizar as dificuldades deles (matemática...). Brincávamos muito e fazíamos trabalhos com argila e pintura com tintas, o que é pouco comum na 3º série. No fim do ano em meio a muitas lágrimas e presentes nos despedimos. Foi tudo que eu precisava para ter certeza que ser professora era a minha escolha. Após o magistério comecei a faculdade em Pedagogia e fui trabalhar em uma escola particular da rede SINODAL muito conceituada na minha cidade. Nesta escola tive mais um grande desafio, um aluno surdo. Ele era negro e mesmo sendo adotado era muito amado e filho de uma família tradicional da cidade. Sua mãe era muito dedicada, advogada e estava ali para garantir que seu filho não só tivesse uma educação de qualidade, mas, principalmente fosse aceito pela sociedade. Mesmo sabendo que nossa escola não tinha professores especiais para atendê-lo, acreditava-se que ainda era a melhor opção. Naquela época eu nem conhecia LIBRAS, mas a mãe do meu aluno viajou até para fora do país e de três em três meses viajava e participava de cursos e em muitos momentos fui para casa deles e aprendi muitos sinais me tornando na escola uma referência para ele e um elo de comunicação dele com outros professores e colegas. Foi uma experiência incrível em nossas vidas (na minha e na dele) e depois de dois anos a família mudou para São Paulo e eu casei e vim para o Rio Grande do Sul. Assim depois de casada, vim passar férias na casa dos familiares do meu marido, na época. Estava maravilhada com a beleza do lugar e estava no  berço da educação de qualidade considerada em todo país como sendo o referencial em educação. Depois de descobrir repentinamente que não íamos mais voltar e começar a trabalhar nas escolas de Campo Bom, tive uma colega que me falou do curso de LIBRAS da UNISINOS. Fui para assistir uma aula e fiquei três anos. Me apaixonei pelo André, pela Ana Luiza, pelo Augusto, pela comunidade surda. Comecei em 2002 a trabalhar na APADA de Sapiranga onde estou até hoje. Nesse meio tempo sempre estou buscando me atualizar, fazer cursos, ler livros e principalmente manter contato com alunos surdos. Hoje estou concluindo o curso de Tradutor Intérprete em Língua de Sinais no Lasalle - Canoas e já fiz o curso de Instrutor, capacitação de professores para alunos surdos e já trabalhei como Intérprete em palestras e oficinas na FACCAT, no SENAI em outros lugares também. Hoje penso que a estamos em um mundo bem mais acessível, com mais oportunidades para o SUJEITO SURDO o que não acontecia há tempos atrás. Tenho consciência de que ainda temos muito a cobrar, a exigir, a protestar, mas hoje pelo menos se fala abertamente dos direitos, das políticas que precisam sair do papel e no momento em que vejo meus alunos trabalhando, meus alunos na universidade sei que toda a luta é válida pois  isso parecia tão distante que fico ao mesmo tempo que feliz por tudo e todas as conquistas, fico impulsionada a buscar mais e mais colocando sempre minhas expectativas como motivação. O mestrado para mim é uma forma de organizar, filtrar, compartilhar e principalmente me apropriar, me aprofundar mais em estudos já realizados e participar de outros que vão contribuir de forma significativa na qualidade de vida desses sujeitos que hoje buscam um espaço que lhes é de direito e que vem sendo negligenciado por uma série de motivos. Certamente tenho muitos episódios para contar em relação a caminhada com os surdos e a Língua de Sinais na minha vida mas vamos deixar para um segundo momento.
Querida colega, espero que essa carta seja apenas uma ponta da linha que vai a partir de agora unir nossas histórias...  costurar nossas vidas.
Um abraço.

De: P.S.
Para: J.P.
Querida amiga quase secreta, J.P!

            Inicio a carta com "querida amiga" por que já a considero com certa intimidade. Estar num mesmo espaço dividindo um momento muito especial, discutir, problematizar e socializar sobre a educação de surdos me faz sentir próxima das pessoas que se interessam pelo assunto, fazendo com que o tempo, a distância ou o falta do contato, “de um olá muito prazer" não faz a menor diferença, se está aqui na mesma experiência que eu é por que gosta daquilo que gosto, portanto temos os mesmos interesses e por isso já considero uma querida amiga!
O "quase secreta" se trata do nosso último encontro na aula, que pude conversar informalmente contigo, não és mais secreta! Fico feliz por estar escrevendo para ti e logo entenderá o motivo!
Bom, direcionando ao da proposta foco, digo que ao me deparar com os desafios que o seminário propôs tive um pouco de resistência ao escrever sobre a minha experiência com a educação de surdos, isso porque nunca tive uma experiência direta com alunos surdos. Fiquei um pouco insegura por acreditar que não teria muito sentido para quem l^sse as minhas experiências. Antes de retirar o papelzinho da dinâmica, reportei o pensamento em algumas experiências e lembrei-me de algumas histórias e principalmente em relação à minha história com os surdos para pensar em algo interessante que pudesse ser divida. Lembrei então de uma que, por sorte acho que te causar alguma curiosidade, pelo fato de trabalhar como intérprete!
Como disse no primeiro dia de aula, sou filha de surdos. E meus pais sempre nos participaram (eu e minhas irmãs) e fazendo muita questão da nossa presença em suas vidas, social junto à comunidade surda, nas festas, casamentos, aniversários, nos eventos, na colônia de férias, reuniões e cursos de Libras. Nossos amigos, a nossa turma de amigos sempre foram de surdos ou dos filhos de surdos, até hoje. Nossas vidas giravam em torno e junto da vida dos surdos. E muitas questões sobre vários assuntos apareciam a todo instante principalmente em relação à educação, da minha mãe, do meu pai, e dos meus amigos.
Com  a minha história pessoal com os surdos e meu envolvimento  com aquilo que era importante para meus pais, também apareciam as cobranças em relação à eu ser intérprete. Por quê? Porque que t.odo filho de surdo tem que ser intérprete? Naquele tempo parecia regra Aquelas cobranças não só por parte deles, dos surdos, mas de toda sociedade me incomodavam profundamente. Ser intérprete, dos meus pais numa situação, é uma coisa, agora num evento, numa reunião, profissionalmente ah não... é muita responsabilidade.
Nunca tive uma relação muito legal com a fala, me atrapalho, fico nervosa, entendo errado, imagina interpretando a de outro alguém, não conseguiria. Gosto de conversar, mas o público me assusta, não gosto nem de me apresentar para um grupo relativamente grande como o nosso, (do seminário) tenho vergonha e meus pais nunca entendiam isso, acabei me travando cada vez mais cada vez que precisavam de mim eu sumia. Mesmo assim, na falta de alguém, ia lá interpretar o que alguém dizia ou ser a voz de quem precisava ser ouvido, a Paula estava pronta para quebrar um galho, e cada vez mais eu me indignava com a falta de seriedade das pessoas com a figura do intérprete. O tempo foi passando, os cursos surgiam, a Língua de sinais sendo disseminada, os intérpretes aparecendo. Isso década de 90.
No ano de 1995 mais precisamente quando entrei no ensino Médio de uma Escola particular de Santa Maria,RS quando ainda se falava em integração(acho) e logo depois em inclusão, uma novidade, eis que três surdos se matriculam na minha escola, um surdo oralizado e usuário de aparelho auditivo e os outros dois usuários da Libras. Claro que os dois alunos usuários de libras por ter um contato prévio comigo foram cair na minha turma! Amei, os dois já eram meus amigos, e eu como aluna nova tinha dois conhecidos no  primeiro dia de aula, hoje entendo a situação da escola em colocá-los na minha turma. Não preciso te contar Juliana, como foi o nosso primeiro dia de aula, tu já imagina né? Todos olhares em nós, principalmente neles....
Foi passando o tempo as aulas seguiam seu fluxo quase normal, pois tinham dois seres estranhos na sala. E as barreiras da comunicação aparecendo e a Paula para quebrar o galho. Quebrando o galho eu me perguntava de que "diabos" de inclusão, integração que falam? Como uma escola aceitam dois alunos surdos sem intérepretes, numa escola e paga, ainda?  Assim com esse olhar de indignação para uma escola que oferece uma estrutura sem estrutura que eu olhava para os meus colegas e via que nada valia, que tudo o os professores diziam não passava de movimentos labiais. E eu me sentia mal com aquilo e tentava passar tudo aquilo que eu entendia para eles, tudo o que estava no meu alcance eu participava os dois, mesmo sabendo que não bastava. Aí cada vez mais eu me envolvia com as questões de interpretação.
Lembrando que naquele ano não se falava em oficialização da língua ou na figura do intérprete, bastava conhecer um pouquinho da língua" já quebrava o galho".
Um dia a mãe de um dos alunos foi até minha casa e pediu que eu interpretasse as aulas todos os dias e que assim ela conseguiria uma bolsa na escola. Meu pai amou a ideia de não pagar mensalidade e eu continuar fazendo o que já estava fazendo. Bah Juliana, alí apareceu a minha primeira e única experiência como intérprete. Amei, eu ficava a manhã inteira traduzindo para eles, lá na frente num cantinho da sala. que cansaço, mas eu só sentia quando chegava em casa, lá na aula eu estava realizada. Batia de frente com alguns professores, que esqueciam dos dois e passavam alguns exemplos grosseiros como um que nunca esqueci, numa frase na aula de português: " ele é tão surdo como uma porta" coisas assim, e eu me indignava, ou não explicavam direito... bom, resumindo a minha história, naquele primeiro ano fui super mal na aula eu e eles!  e a professora, orientadora educacional, chamou minha avó, por que não entendia meu pai, e disse que eu estava sendo prejudicada e por isso me trocariam de turma. Tiraram-me do contato matavilhoso com os surdos e ainda colocaram a culpa neles. A culpa de eu não estudar em casa (Risos) a culpa era minha, eu cansava mesmo e não estudava em casa por outros motivos e isso acarretou um problemão, pq acreditava-se que era ao fato de me dispersar com eles.  A mãe do aluno que sugeriu a interpretação insistiu e disse te pago um salário mínimo para ti ir todos os dias na minha casa ensinar o “fulano” o que foi dado em aula. Aceitei, o desafio organizado uma forma que contemplasse os dois (três na realidade ) lados passei sendo a intérprete oficial da escola eventualmente e professora particular do meu colega em casa. Ali, eu me interessava em aprender mais para poder ensinar, ia com sol e chuva e ficava a tarde inteira e assim eu cada vez mais ia tendo mais contato e as primeiras noções sobre a cultura surda e era bem melhor compreendida em casa.
As inquietações e as questões sobre a forma de educação de surdos e a escolha pela minha profissão sem dúvidas nenhuma iniciaram com essa experiência.
Bom, para ilustrar e encerrar, o fim da história, ou o começo de outras, fiquei os dois anos seguintes, estudando com ele em casa, consciente que o papel socializador da escola tinha ficado para segundo plano, que as experiências dele aí não faziam muito sentido, que ele precisava mesmo era do certificado de conclusão. Resumindo, ele passou no vestibular e eu não! Depois o acompanhei por um período na faculdade, e depois ele desistiu e se encontrou num outro curso, onde não precisou mais de intérprete! Atualmente mantenho contato com essa família, acompanho todos casamentos  e separações desse meu amigo, e alguns conflitos no campo profissional!
Da experiência, ficou o meu respeito e admiração pela figura do intérprete. Não é uma profissão para qualquer um! Fico feliz pelas conquistas do espaço desse profissional capacitado na sociedade e acredito cada vez mais na educação bilíngue para surdos, na escola de surdos, nas pesquisas, nos grupos que discutem a educação de surdos, na educação que os surdos querem, na inclusão que os surdos querem e principalmente nas lutas e conquistas que estamos vivenciando com os surdos!

No mais era isso, agradeço o tempo dedicado a minha leitura e espero estreitar laços com este encontro!
Um grande abraço, P.S.

De: C.S.
Para: L.S.
Querida L!
Que bom que sorteei você, pois estamos no mesmo “barco”, ou seja, lutando pelas
causas surdas. É muito bom compartilhar com você sobre minha formação e experiências na
área da educação de surdos. Ao longo da minha vida, pela minha criação familiar, educação e
trabalho,  adquiri  traços  identitários,  sou  surda,  mulher,  gaúcha,  brasileira,  educanda,
educadora,  pesquisadora  e  ativista.  Todos  esses  fazem  parte  do  meu  contexto  histórico
antropológico que contribuíram para minha construção linguística, cultural, política e social.
Durante  a  alfabetização,  estava  na  escola  dos  surdos,  lembro  muito  bem  que  me
ensinaram através de materiais visuais, me ensinavam como escrever alfabetos, mas cresci
tendo  escrita  diferente  de  português,  pois  sinalizava  através  da  minha  língua,  Libras,  e
escrevia  com  estrutura  dessa  língua,  que  é  diferente  da  estrutura  do  português.  Foram
tantos  anos  de  leitura  e  escrita  para  chegar  a  escrever  na  estrutura  do  português.  E
quanto ao letramento, tive a maior oportunidade de entrar no mundo da internet, que usava
constantemente  mantendo  contato  com  amigos  pelo  ICQ,  MIRC,  MSN.  Ler  romances
também  era meu passatempo favorito. Os livros que  mais lia  eram os de Daniele Steel e
Sidney Sheldon. Confesso que tenho o meu jeito sonhador e romântico e tenho quase toda a
coleção  da  Daniele  Steel,  pois  ela  é,  na  minha  opinião,  uma  das  melhores  romancistas  de
nossa época.
  Tudo isso me fez querer ser professora de português e colaborar para que outros
alunos surdos possam entrar no mundo maravilhoso das letras, palavras, frases, significados
e  sentimentos.  Decidi  seguir  firme  com  essa  decisão,  prestei  vestibular  para  o  Centro
Universitário  La  Salle-  UNILASALLE  –  Canoas/RS  e  fui  aprovada,  iniciando  o  curso
Letras/Literaturas em 2004. Foram quatro anos maravilhosos, com muito estudo e sucesso
nas minhas aprendizagens e nos meus ensinos.
  Mas nada se compara com o ano de 2006,  em que entrei no  polo da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) no curso de Letras/Libras/Licenciatura (Matriz de UFSC-
Universidade Federal de Santa Catarina). A minha formação aconteceu no verão de 2011 e
minha grande  alegria  foi  chegar com 53 colegas surdos recebendo o canudo. Gostaria de
registrar aqui o quanto „evolui‟ nesse espaço tão importante, pois a instrução foi no ensino
bilíngue, em que se priorizava o conhecimento, primeiro, através da Libras, e por meio dela
o conhecimento da leitura e escrita da Língua Portuguesa.
Durante  meu  trabalho  na  área  de  Língua  Portuguesa  e  Libras,  acredito  que  você
também vivenciou essas experiências bilíngues e sabemos que o surdo adquire naturalmente através  de  Libras,  através  dessa  instrução  aprende  a  Língua  Portuguesa  como  segunda
língua.
Tive  experiências  riquíssimas,  tanto  no  ensino  de  Língua  Portuguesa  para  surdos
como  de  Libras  para  ouvintes  em  que  destaco  a  seguir  algumas  das  áreas  e  instituições.
Lecionei  LP  e  Libras  nos  cursos  do  Projeto  Rumo  Norte,  trabalhei  como  professora
voluntaria de LP na Escola Padre Réus, trabalhei nos cursos de Libras em diferentes níveis
através da FENEIS, também fui professora substituta nas disciplinas de Libras da UFRGS,
sou  professora  de  Libras  no  pós-graduação  de  professores  e  intérpretes  de  Libras  na
Uníntese  em  diferentes  polos,  leciono  linguística  aplicada  da  Libras  nos  cursos  de
capacitação  para  instrutores  de  Libras  e  para  intérpretes  de  Libras  no
UNILASALLE/Canoas e atualmente sou professora concursada no IFRS onde trabalho com
as duas línguas. Todo o meu trabalho é voltado para uma perspectiva cultural bilíngue onde
os surdos aprendem a LP como segunda língua e os ouvintes aprendem Libras como segunda
língua.
Sabe  Lúcia,  alguns  pensam,  ou  se  perguntam,  ou  ficam  comentando  algo  assim:
"Surdo  escreve  mal....surdo  escreve  errado...".  ISSO  É  EQUIVOCO!!!  Ele  escreve
DIFERENTE  e  possui  escrita  com  as  mesmas  características  de  outros  estrangeiros  que
aprendem  a  Língua  Portuguesa  como  segunda  língua....Como  os  surdos  podem  aprimorar  a
escrita  de  LP?  pelo  contato  com  a  leitura  e  a  escrita,  com  a  mudança  da  metodologia
docente. Da mesma maneira que a aprendizagem dos ouvintes da segunda língua em Libras,
eles vão ampliando vocabulário dessa língua através de cursos, leitura e escrita através de
vídeos, principalmente contato com surdos.
Por  isso  vamos  continuar  navegando  em  nosso  barco  neste  oceano  chamado  lutas
surdas, sabemos que ainda existem muitas lacunas para preencher juntamente com outros
surdos, professores, interpretes, pesquisadores e ativistas.
Abraços sinalizados, C.S.















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