A formação e as
experiências na área da educação de surdos
- Os nomes nas cartas foram substituídos por suas
iniciais a fim de preservar a identidade dos participantes da pesquisa.
Para: A.R.
Olá,
A.R.!
Que
bom escrever uma carta para você, já nos esbarramos durante o meu estágio na
Escola Salomão, depois no corredor movimentadíssimo da UFRGS onde tem muitas
mãos abanando no 9° andar. Até que já nos divertimos juntas (festa
inesquecível, morre aqui) e agora seremos grandes colegas, parceiras!!!
Fico
feliz em poder contar pra você coisas que tu nem imagina!
Bom, pra começar, sou filha
de pais surdos, cresci sinalizando e, coisa da minha avó, fui parar na escola
de ouvintes. Antes não se falava em inclusão e sim, em integração. Conclui o
ensino médio e técnico em administração sempre com ouvintes e sem intérprete
(nem sabia que tinha esse direito).
Durante esse tempo todo,
trabalhava voluntariamente com surdos em associações, federações e, juro que,
por milagre, entrei para o curso de Letras/LIBRAS.
Falo
em milagre porque eu não tinha computador e nem tinha entendido o que era esse
negócio de Letras/LIBRAS. Um dia ao visitar a SSRS (Sociedade dos Surdos do Rio
Grande do Sul) e daí meus amigos vendo a minha ignorância, me arrastaram pra me
inscrever para o vestibular. Era em caráter de urgência, último dia, me
inscrevi, na casa de uma amiga, sem ler o edital.
Estudar
para a prova? Eu tinha certeza que não ia passar porque já vi que o vestibular
da UFRGS era para os CDF’s.
E
olha só onde eu aprendi de currículo surdo, foi durante a viagem a Santa Maria
para prestar vestibular. Eu, apavorada, vendo colegas lendo sobre história
surda, personagens surdos, FENEIS, libras em contextos e por aí vai, coisas que
eu não tinha conhecimento.
Pronto!
Fiz a prova com entusiasmo e passei. Não gosto de comentar muito sobre isso,
mas se eu não contar pra ti, com certeza a C.S. chamaria a atenção. Tá bom, fui
a primeira colocada no vestibular. Huhulllll
Confesso
que me apaixonei pelo Letras/LIBRAS, quatro anos madrugando, viajando e
estudando, foram os anos mais intensos da minha vida! Através dela conheci e presenciei
congressos, fóruns e politizei. Às
vezes, fico pensando que, se não fosse pelo Letras/LIBRAS, eu seria uma
alienada ou uma ignorante que dirá ser a favor da inclusão?
O Letras/LIBRAS me salvou, é através dela que consigo explicar para o mundo a DIFERENTE que sou! (Que legal, até que rimou!)
O Letras/LIBRAS me salvou, é através dela que consigo explicar para o mundo a DIFERENTE que sou! (Que legal, até que rimou!)
Passei
a lecionar LIBRAS para ouvintes em diversas instituições e a entrar no universo
da educação trabalhando para o Letras/LIBRAS como secretária e depois tutora.
Ao mesmo tempo, me tornei professora substituta também. E agora sou feliz pois,
junto com outras tutoras, formamos mais 21 multiplicadores!
Entrei
na especialização em estudos culturais porque eu não consigo viver sem
aprender. Mas também não pude deixar de agarrar a oportunidade de tentar
novamente o mestrado e pronto, me tornei mestranda.
Eu sei que minha vida é uma
loucura e tu deve entender do porque eu dizer que a UFRGS é a minha segunda
casa!!!
Ah, deixa eu te contar mais
uma, ano passado dei uma olhada no meu boletim de pré-escolar, e levei um susto
ao ver o problema que eu tinha: linguagem. Aff, se a professora soubesse LIBRAS
seria outra coisa. Agora estou com desejo de dar aula de LIBRAS para todos os
professores que tive.
Bom, experiências marcantes
mesmo sobre minha formação é de saber argumentar, negociar com pessoas ouvintes
dando explicação sobre o universo surdo. A negociação que falo não é de
dinheiro e sim de significados. O cuidado com as palavras, o verificar do entendimento
deles e introduzir neles o meu significado com “tempero”. Acredito eu, que por
crescer no ambiente bilíngüe/bicultural, consigo fazer a ponte entre esses
mundos. Isso é uma tentativa diária!
Acho
que vou parar por aqui pra não fazer nó na tua cabeça e nos vemos logo!
Beijos
De: A.R.
Para: B.C.
Oi
BC,
Obrigada pela carta! Adorei ler sobre
tua vida, tuas escolhas, descobertas, enfim, gostei muito de te conhecer um
pouco mais. Agora te admiro e respeito ainda mais. Confesso que gostaria de ter
lido mais sobre ti. Sendo assim, se quiseres continuar escrevendo ou combinar
um encontro para uma boa conversa e algumas risadas, sou parceira. Aliás,
grande parceria a tua naquela festa (“morre aqui”)!
Bom, agora é a minha vez de te contar
um pouco sobre a minha experiência na educação de surdos. Ainda adolescente, em
1993, escolhi fazer Educação Especial em Santa Maria, sem saber muito do que se
tratava. Apenas queria muito sair da minha cidade – Santiago – a qual não me
oferecia muitas possibilidades de futuro, pelo menos o futuro que eu pensava
para mim.
Na verdade, escolhi este curso por ser
um dos mais fáceis de passar no vestibular, pois não tinha condições
financeiras para pagar um cursinho pré-vestibular. Passei e fui morar longe da
minha mãe e meus irmãos, com sérias restrições orçamentárias e muita vontade de
viver coisas novas.
Tenho boas lembranças do tempo da
faculdade, principalmente a sensação de ter o mundo aos meus pés. Pensava que
depois de formada, poderia fazer o que quisesse, trabalhar onde eu escolhesse.
Na verdade, tudo o que veio como efeito desta escolha, foram experiências
extremamente ricas e produtivas, as quais permitem que eu seja uma pessoa
independente e que conviva com muitas pessoas interessantes (tu és uma delas).
Tenho vivido grandes desafios, tenho amadurecido a cada dia e creio que venho
me tornando, em alguns aspectos, uma pessoa melhor.
Depois de formada, trabalhei com
surdos em APAE, em classes especiais, em EJA, em escolas de surdos, em educação
infantil e hoje trabalho com Educação Precoce (mais ou menos um atendimento
educacional especializado – AEE), na EMEF de Surdos Bilingue Salomão Watnick,
onde nos cruzamos quando tu estavas fazendo estágio. Adoro crianças bem
pequenas, vibro muito ao vê-las fazer o primeiro sinal e muitas vezes tenho que
conter minha empolgação com as suas descobertas – quero contar e mostrar para
todos!!!!!
Em 2001 fiz Especialização em Educação
Infantil aqui na UFRGS e em 2009 Especialização em Atendimento Educacional
Especializado, pela Universidade Federal do Ceará. Estas formações, aliadas à
minha graduação me ajudam no trabalho com meus alunos atualmente. Amo muito
todos eles, tenho enorme admiração e respeito por suas famílias. O tempo em que
estou trabalhando com eles é de um prazer enorme, já que brincamos, rimos,
corremos, sinalizamos, abraçamos, nos olhamos e tantas outras coisas que
fizemos juntos e que eu adoro fazer com as pessoas que eu gosto!
Além disso estou fazendo mestrado aqui na
UFRGS. Sempre gostei muito de estudar e pensava muito no mestrado desde que
terminei a faculdade. Mas aconteceu uma coisa bem melhor na minha vida: tive um
filho e quis estar com ele o máximo que podia, então esperei ele crescer um
pouco para entrar no mestrado. Estou
pesquisando sobre como os discursos que circulam em cursos de formação de
professores para o AEE constituem o professor de surdos que atua com estes
alunos nas escolas comuns.
BC querida, antes de finalizar a minha
carta, reli a tua. Gostei muito que tu tenhas pego o meu nome e que tua carta
tenha vindo para mim, porque tua história é muito bonita e dá vontade de saber
mais. A minha experiência na educação de surdos é apenas uma parte da minha
vida, é a minha profissão. Já no teu caso é a TUA VIDA!!!!
Um beijo bem grande para
ti,
A.R.
Para: M.C.
Querida
amiga M.C., é sempre um prazer estar em contato contigo, seja pessoalmente, via
telefone, email ou cartas.
Minha
experiência com educação é muito pequena, afinal, nunca dei aulas oficialmente.
Como a minha formação é em comunicação, a sala de aula seria uma opção, para
mim, depois do mestrado.
Se
minha experiência com educação é pequena, a com educação de surdos é menor
ainda. Pensando para escrever essa carta, resgatando as memórias do tempo de
colégio e faculdade, me dei por conta de que nunca tive colegas com deficiência
auditiva e/ou surdez.
Também
nunca convivi com nenhuma pessoa surda, o que me faz ter pouco conhecimento
sobre as questões surdas. A gente costuma só prestar atenção às coisas quando
elas nos tocam de alguma forma né?
Bom,
como bem sabes, eu tenho esclerose múltipla, uma doença degenerativa que pode
me causar múltiplas deficiências. Curiosamente, dos nossos cinco sentidos, o
único sentido que não é afetado pela minha doença é a audição. A esclerose já
me tirou e visão e acabou devolvendo boa parte dela. Minha sensibilidade tátil
é bastante prejudicada. Meu olfato e paladar são, para encurtar a história,
diferentes, mas a minha audição é 100%. Acho que, justamente por ser uma
diferença diferente da minha, algo que não me afeta diretamente, fico mais
intrigada em conhecer melhor sobre o mundo e cultura surda.
Como
também sabes, comunicação para mim é essencial. Podem me tirar todos os
movimentos, desde que não me tirem a capacidade de raciocínio e de comunicação.
E, como profissional da comunicação, acho necessário entender minimamente as
peculiaridades da cultura surda, para poder produzir materiais de comunicação
adequados e/ou acessíveis a todos.
Espero
que essa seja a primeira de muitas experiências com educação de surdos. Sei que
aprenderemos muito juntas nessa jornada.
Abraços.
B.R.
Para: B.R.
Oi B.R.,
Gosto de pensar que escrever uma carta
é falar com alguém bem ao pé do ouvido, pois somente eu e tu vamos,
efetivamente, compartilhar desta conversa. O fato de nós duas já termos uma
caminhada comum facilita, mas nem por isso é mais fácil pensar sobre a formação
e as experiências na área da educação de surdos, tema proposto para esta
primeira carta. Para começar, penso que estou por aqui por ser muito metida e
gostar de desafios. Quando ouço ou leio que nós ouvintes temos medo destes
‘outros’ os surdos, me desacomodo e, porque não dizer me incomodo. Não tenho
medo dos surdos, mas sinto que não sei exatamente o que fazer. Sabe quando
estamos em um lugar com o qual não temos familiaridade e não sabemos onde
colocar as nossas mãos: ora elas parecem muito grandes e vão chamar muita
atenção, ora são muito pequenas e não sustentarão o que devemos segurar.
Não tenho nenhuma formação específica
para trabalhar com surdos, mas foi no ambiente escolar que pela primeira vez
tomei contato cm os surdos, não quaisquer surdos, mas jovens surdos. Nos
intervalos das aulas na ULBRA, no bar do prédio 11, lá estavam eles. Minha
curiosidade me instigava a observá-los, mas minha timidez, associada ao politicamente
correto, me impedia. Queria conhecê-los, saber mais, entender o que diziam...
Porém faltava pegar o jeito. Comentava com meus colegas como eles eram
barulhentos, como com seus gestos – hoje compreendo que mais que gestos estavam
se comunicando em Libras, numa língua – moviam o ambiente e muitas vezes
perturbavam a minha atenção quando queria estudar ou corrigir trabalhos e
provas. Meus colegas me diziam que eu estava sempre procurando sarna para me
coçar!
A aproximação não se deu de forma
gradual. Num mesmo semestre recebi na oficina de rádio um aluno surdo e um
aluno cego. Ambos queriam trabalhar como repórteres. E mais, através de um
projeto de extensão passei a coordenar a montagem de uma assessoria de
comunicação para o Sport Clube ULBRA e para o curso de Educação Física que
juntos desenvolviam um projeto chamado ULBRA Olímpica consagrado como modelo a
ser seguido por várias instituições pelo Ministério dos Esportes. No pacote
estava incluído o CEAMA – não lembro exatamente a tradução da sigla – um
projeto que trabalhava com vários ‘outros’: deficientes visuais, surdos,
cadeirantes, portadores de síndromes variadas. Nele reencontrei a Lodi – sorte
a minha – que era uma das coordenadoras.
A partir daquele semestre comecei a
buscar informações. Precisava de programas de computação que pudessem ser
trabalhados pelos meus dois alunos, programas diferentes que dessem conta das
especificidades de cada um. Também foi um momento em que tive que lidar com a
minha “falta”, a minha diferença, o meu mais completo despreparo para lidar com
a situação. A cada movimento junto à direção de curso ou centro, a resposta era
carregada de preconceito, muito amparado, aí sim, pelo medo e pela ignorância
de muitos de meus colegas, o que me incomodava bastante. Descobri maneiras
alternativas, li o que consegui e teimei muito com o senso comum e com as
respostas do tipo: ‘passa eles para outra oficina’. A falta de estrutura era um
problema, mas o preconceito e a postura do ‘eu não tenho nada que ver com isso’
era pior.
Num dos períodos de férias,
organizamos uma colônia de férias que colocou em contato os atletas de alto
rendimento, campeões brasileiros de vôlei, campeões mundiais de futsal,
medalhistas olímpicos em atletismo e campeões brasileiros de trampolim acrobático
nos mesmos espaços e atividades que as crianças e jovens atendidos pelo CEAMA.
Para a minha ‘equipe’ de trabalho constituída por alunos do curso de
Comunicação Social e para os atletas um momento impar: hora de olhar no espelho
e ver a imagem do outro refletida na sua. Momento de buscar alternativas e se
confrontar com a sua própria incapacidade, ignorância e porque não arrogância
de ‘sujeitos normais’. Aprendemos todos e vimos naquelas pessoas ‘gente
diferente, mas gente igual a gente’. Muitos de nós estão hoje trabalhando em
lugares em que podemos aprender mais e colaborar, talvez, neste processo de
inclusão/exclusão que busca olhar a diversidade para além da tolerância.
Neste momento, estou envolvida com o
aprendizado de Libras, buscando aprofundar conhecimentos sobre o povo e a
cultura surda, (re)conhecer os jovens surdos como sujeitos inscritos em uma
cultura peculiar, específica, que está ocupando o seu espaço na sala de aula
universitária, este espaço que habito/frequento/construo e que me habita/frequenta
e constrói ora como aluna, ora como professora, há quase cinquenta anos. Ainda
é tempo de aprender.
Bjs
M.C.
Para: D.K.
Querida
Daiane!
Foi um imenso prazer te escrever esta
carta, mesmo não te conhecendo tão bem ainda. Mas, em breve, nos conheceremos
muito mais. Estou escrevendo esta carta para te contar um pouco sobre minha
vida, da minha experiência...
Nasci e moro em Rio Grande, RS. Nasci
surda porque minha mãe teve rubéola no primeiro trimestre da gestação. Quando
eu tinha cinco anos entrei na Escola Especial Professor Alfredo Dub, em
Pelotas. Lembro-me que quando entrei na escola era tímida, porque não conhecia
ninguém e não tinha amizade com os colegas surdos. Mas, aos poucos, isto foi
superado e fiz muitos amigos. Também comecei a aprender a língua expressiva e
gestual, juntamente com a língua oral, o que foi muito difícil! Sempre adorei
minha grande companheira e professora Surda, que eu admirava muito. Brincava e
jogava futebol com os meus amigos surdos, eu era muito agitada e feliz! Nessa
época a minha experiência educacional foi prazerosa! Foram tantos os bons
momentos da minha infância nesta escola para Surdos, pois me sentia livre, sem
diferenças.
Nesta escola eu cursei até terceira
série. Na quarta série, fui transferida para uma escola particular de ouvintes
em Rio Grande, onde estudei até formar-me no Ensino Médio. Percebi que eu era
diferente e, de fato, me sentia assim, o que aumentou ainda mais minha timidez.
Depois de várias dificuldades, comecei a fazer contatos com meus colegas, mas
foi difícil! Minha vida mudou radicalmente, precisei aprender a defender-me a
fim de adaptar-me a esta escola.
Meu ingresso no curso de Pedagogia da
Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG) só aconteceu no segundo
vestibular. No primeiro vestibular não fui aprovada porque a Universidade não
estava preparada para avaliar de forma diferenciada a redação de uma pessoa
Surda. Para acontecer o respeito à minha diferença foi necessário que minha mãe
buscasse, através da Associação dos Surdos de Pelotas (ASP), leis que me
possibilitassem participar do vestibular em igualdade de condições com os
ouvintes. Isso só aconteceu no ano de dois mil e três, em dezembro. Nesse
momento a FURG disponibilizou intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira de
Sinais) que me acompanhou na prova e posteriormente na correção da minha
redação, valorizando o conteúdo semântico da escrita. A minha felicidade ao
saber do resultado do vestibular foi enorme, mas melhor ainda foi encontrar no
dia da matrícula algumas futuras colegas que conheciam a LIBRAS. Foi
emocionante saber que poderia usar, na sala de aula, minha língua natural
(LIBRAS).
Desde o primeiro dia de aula havia uma
intérprete de LIBRAS, mas ela sempre chegava atrasada. Ela utilizava uns sinais
diferentes por causa das regionalidades da língua, pois ela é natural do Rio de
Janeiro, e eu, do Rio Grande do Sul. Fiquei um pouco confusa no início, mas
mesmo assim, interessei-me e aprendi com ela a LIBRAS do Rio de Janeiro.
A intérprete permaneceu por um mês e
meio, abandonando logo após, pois não agüentou mais a trabalhar devido ao
contínuo atraso no pagamento dos salários. A Comissão de Curso – COMCUR de
Pedagogia resolveu procurar a outra intérprete de LIBRAS, o que demorou semanas
para acontecer. A nova intérprete de LIBRAS que mora em Pelotas já tinha
experiência como intérprete e também tem um filho surdo. Imediatamente
preocupei-me se os sinais que ela usava eram diferentes dos meus. Felizmente,
não eram!
Em agosto de 2004 participei de um
Seminário sobre Surdos em Pelotas. O seminário foi inesquecível porque pude
reencontrar vários surdos que há muito tempo não via e também aprender coisas a
respeito dos surdos que eu desconhecia. A partir desse momento decidi fazer
pesquisas sobre a educação de Surdos e sua história através da internet e
livros da área. Durante os quatro anos de faculdade, desenvolvi estudos sobre a
educação de surdos através de pesquisas e contato com outros professores
surdos.
Trabalhei como a voluntária na Escola
Especial Professor Alfredo Dub, no município de Pelotas, por mais ou menos um
ano. Essa experiência profissional como voluntária aconteceu porque havia uma
disciplina de Psicologia Especial no meu curso, o qual o professor pediu pra
fazer um trabalho de observação das crianças numa escola especial. Fui bolsista
voluntária no Projeto de Libras, na Fundação Universidade Federal de Rio
Grande, trabalhando com a divulgação da Libras. Fiz estágio por dois meses na
Escola Estadual de Ensino Fundamental Barão de Cerro Largo, em Rio Grande, onde
há inclusão de alunos surdos. Participei de diversos seminários e fóruns sobre
surdez e também atuei como palestrante em alguns deles.
Formei-me Letras / Libras, no pólo de
Universidade Federal de Santa Maria, que é um curso à distância da Universidade
Federal de Santa Catarina e também Especialização em Educação na Universidade
Federal de Pelotas.
O meu maior interesse na educação de
Surdos é ensinar e transmitir aos surdos conhecimentos ligados à sua
Identidade, História, Cultura e Comunidade para que eles possam reconhecer e
desenvolver a sua própria identidade e história. Mas, a minha experiência na
Escola Especial Alfredo Dub me fez pensar profundamente sobre a educação
especial, ou melhor, a educação diferenciada. Percebi a diversidade de crianças
na escola de surdos, diferente do que ocorria quando eu estudava lá. Havia
surdos com outras diferenças: surdos - down, surdos com outras síndromes,
deficientes auditivos, surdos com vitiligo, surdos - paralíticos cerebrais,
entre outros. Isto me chamou a atenção instantaneamente. Então, essa observação
me fez pensar muito sobre a educação especial, ou melhor, a educação
diferenciada. É necessário perceber o contexto da diversidade existente e da educação
de Surdos, ampliando o seu olhar e forma como identificar as diferenças
intelectuais ali inseridas como: surdo - cego, surdo com síndrome de down,
surdo autista e outros. Estas experiências foram importantes para mim, ao
observar essas crianças diferentes, mostrando a coragem de lutar pela vida
digna e orgulhosa. Hoje eu respeito muito mais as diferenças.
Atualmente sou aluna regular do
Mestrado em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em
Porto Alegre. Minha pesquisa propõe uma continuação da especialização, onde
analisarei se os PPPs (Projeto Político Pedagógico) das escolas de surdos de
Porto Alegre, RS, contemplam os surdos que possuem outras diferenças
identidárias e culturais, e ainda, saber quantos surdos com outras diferenças e
professores possuem capacitação para trabalhar com educação de surdos.
Encerro aqui, momentaneamente, o conto
da história da minha vida, da minha experiência. Espero que possamos
compartilhar nossas experiências, o que fará com que nossa amizade floresça!
Abraços,
C.
M.
Para: P.A.
Querida
P.A.,
Estou muito
feliz por poder dividir contigo as experiências que tive e ainda tenho com
alunos surdos. Penso que a falta de informação e estrutura foram fatores
importantes para que eu demorasse tanto a entender e gostar deste assunto.
Tudo
começou numa aula de Inglês no 3º ano do Ensino Médio, numa turma do noturno,
na Escola que eu trabalhava (e hoje não trabalho mais). De repente me dei conta
que tinha um aluno surdo na sala. Fui à direção e elas me avisaram que ele era
aluno novo e que eu deveria cuidar para falar de frente para ele. Era um rapaz
loiro, magro, não muito alto. Disse meu nome à ele, lembrava de alguma letras,
pois um dia na minha vida eu aprendi (não sei porque, mas li o papel com os sinais, imitei e nunca mais saiu da
minha mente). Fui para casa chocada. Como eu ia ensinar um aluno surdo? Notei
que por parte da escola, nenhuma orientação a mais foi dada, nenhum
treinamento, nada. E nesta época eu não tinha a menor ideia do que se fazia com
alunos incluídos. Ele foi o primeiro, eu não conhecia orientações legais, não
era um assunto difundido. Estamos falando de 5 anos atrás.
Na próxima semana, quando nos encontramos
novamente, eu escrevi uma mensagem no caderno dele para que ele me pedisse
ajuda quando precisasse, chamasse minha atenção quando eu esquecesse dele. Eu
tenho o hábito de caminhar pela sala. Tive que me policiar muito na turma dele.
Os colegas estavam tão “incomodados” quanto eu por não saber o que fazer com aquele
sujeito, aparentemente tão igual e ao mesmo tempo tão deferente, tão longe de
nós, como lidar com ele, como ajudá-lo. Mas tive uma ótima surpresa. Ele sabia
muito de inglês. Ele conhecia as regras da gramática e sabia traduzir. Tinha
uma letra linda. Então aquilo que ele não entendia direito eu escrevia no
caderno e ele lia. Assim fomos até setembro ou outubro quando ele sumiu. Fiquei
sabendo que aconteceram problemas na família e ele parou de estudar naquele
ano. A escola não tinha como praxe, ligar e tentar resgatar os alunos que
abandonavam. Então, não houve uma campanha para que ele terminasse o ano,
independente da situação. E isso era para os “normais” também.
Uns dois anos
depois, eu o encontrei. Estava trabalhando na C&A, na Rua dos Andradas. Estava
naquele andar do atendimento, sentado em um dos guichês, mas não fazia
atendimento ao público. Retirei minha senha, sentei-me próximo e fiquei
observando. Ele estava totalmente concentrado na sua digitação. Uma mulher se
aproximou e pediu uma informação. Ele, gentilmente, sinalizou para que ela
fosse ao guichê ao lado. A senhora, sem notar que ele era surdo, agradeceu e
sentou na cadeira ao lado. Ele voltou ao seu trabalho com a maior naturalidade.
Neste momento eu percebi, mais de perto, como os surdos eram capazes de “se
virar” sozinhos. A maturidade, a atenção e dedicação que ele tinha, ajudavam
com certeza na sua ocupação de trabalho e no seu sucesso. Nunca mais tive
notícias dele.
Depois desta
experiência na sala de aula com aquele menino, no início do outro ano, passei a
dar aulas de Língua Portuguesa, pela manhã, numa escola particular da cidade
onde moro. Turmas pequenas, uma turma de cada série, Sistema Positivo, tudo
normal. Quando entrei na sexta série, deparei-me com uma aluna especial, quase
surda. Ela teve uma doença na infância e foi perdendo a audição gradativamente.
Naquela época ouvia gritos e barulhos fortes e irritava-se em ambientes
tumultuados. Era uma excelente aluna. Até tentava fazer leitura oral, quando a
turma tinha esta atividade. Os alunos, que já estavam acostumados com a colega,
me ajudaram a entendê-la e organizar melhor as atividades para ela. Sempre
fazia tudo, estudava em casa, ótima interpretação, participativa, pedia
explicações, assim parecia tudo ficar mais fácil para ajudá-la. Terminei o ano
com tudo em ordem e bem feliz.
No ano
seguinte deixei estas duas escolas e fui trabalhar em outra próxima da minha
casa onde trabalho até hoje. Fui chamada para substituir a que estava dando
aulas de Inglês e saiu. Depois de algumas aulas, notei que quando eu tinha aula
com a 7ª série, uma menina sempre faltava. Perguntei para a supervisão qual era
o problema. Elas foram averiguar. Retornaram-me que a outra professora havia
dispensado a aluna da aula de Inglês porque ela era surda e não precisava
frequentar. Eu, que nada sabia além daquilo que tinha vivido antes, tinha
consciência apenas de que qualquer aluno só pode ficar fora da sala de aula se
tiver outro professor para atendê-lo. Isto aprendi devido ao problema com o
Ensino Religioso, onde alguns alunos e pais argumentavam que não deveriam
assistir. E a escola resolveu isso mostrando que isto só aconteceria se
houvesse uma aula alternativa, coisa que na escola pública não existe. Esta
informação pesava sempre na minha argumentação com os alunos quando trabalhei
Ensino Religioso e até para aqueles que faziam curso de Inglês. Então, pensando
que isto seria um problema para mim que tinha assumido a turma e não queria
depois ser punida por deixar a aluna excluída da aula, resolvi “obrigá-la” a
assistir minhas aulas. Ela até ficou na sala, mas logo vieram os pais para
conversar com a direção da escola. O início da conversa foi “- O que eu estava
pensando?” “-Quem eu era para obrigar alguém a assistir aula?” e outras coisas.
A direção ouviu os pais e depois veio conversar comigo e me contar o histórico
da aluna. Ela tinha ficado doente aos 4 anos de idade e a sequela da doença foi
a perda gradativa da audição. Nesta época, ela ainda ouvia ruídos e entendia
algumas falas. Participava de um grupo de dança que elas e as amiga tinham
montado. Postaram até um vídeo no Youtube
“The Cats”. Os pais ainda não tinham assimilado a ideia de que a filha
ficaria realmente surda. Fui chamada para conversar com os pais numa outra
oportunidade. Expliquei-lhes minha posição em relação à aluna ficar fora da
sala sem atividade. Eles argumentaram da situação dela ficar na sala e não
fazer nada. Eu comentei que o fato dela estar perdendo a audição não
influenciava no aprendizado de outro idioma. Os pais continuavam achando que
aquilo seria ruim para a filha. Mas concordaram em deixá-la na sala. Nas
atividades para a turma, sempre levava folhas fotocopiadas, passava algumas
coisas no quadro e muito pouco era oral. A aluna, no início não realizava as
tarefas, mas com o tempo, ela entendeu que a audição não atrapalhava na
tradução, na busca das palavras no dicionário e até ajudava que entendesse a
tradução das músicas que elas dançavam. O tempo foi passando e a aluna foi
aprendendo, fazendo os exercícios e até fazia os mesmos trabalhos e provas que
todos. Nunca fiz atividade especial para ela.
Ela foi minha aluna na 7ª e na 8ª. No ano passado, a família mudou-se
para a cidade vizinha e ela trocou de escola. Lá onde ela está agora tem uma
professora tradutora e a escola tem uma estrutura melhor para atender os alunos
incluídos. Conversando com a mãe há uns
seis meses atrás, descobri que a aluna faz curso de Inglês e que está gostando
muito do curso e é uma das melhores alunas. Notas sempre altas.
Há
três anos atrás, aquela aluna surda da 6ª série da escola particular, estava
entrando para o Ensino Médio na escola onde estou. Como já a conhecia, não tive
problemas para lidar com ela, uma vez que ela é ótima aluna e não precisa de
muitas explicações para me entender e para entender as lições de Inglês. No
meio de 2010, a 12ª Coordenadoria de Educação organizou um curso de LIBRAS para
professores que trabalhavam com alunos surdos. Eram 25 professores. E a grande
surpresa: nossa professora era surda. No primeiro dia, foi um choque para
todos. Pensamos de igual forma: como vamos nos entender. Porém no segundo dia já estávamos entendendo
que aquela era a maneira mais eficiente de aprendermos LIBRAS. Foram 80 horas
de curso onde aprendi muitas coisas que hoje até nem lembro porque não
pratiquei mais, por relaxamento e até porque nossa aluna surda não gosta muito.
Parece que assim ela realmente sente-se diferente e entendemos que ela ainda
não gosta de ser assim. Eu uso algumas
coisas com ela, mas muito pouco. Mas o
que eu mais gostei foi onde pudemos aprender a entender uma pessoa surda.
Conviver com aquela professora, “ouvir” seus relatos e entender o que pensa e
sente um aluno surdo foi muito importante para que eu parasse de corrigir as
escritas da minha aluna surda, para que eu soubesse entender o que ela quer
dizer, onde eu pudesse até me comunicar com mais facilidade, usando os verbos
no infinitivo e escrevendo menos. Hoje eu me sinto bem mais confiante para
lidar com os alunos NEs e descobri que este é meu novo amor, minha nova busca,
meu novo aprimoramento. Eu pensava em fazer mais especializações em Literatura,
mas acredito que se eu me especializar na Educação Inclusiva, estarei atendendo
os alunos que precisam de ajuda e ainda poderei levar a eles o encantamento da literatura
de uma maneira mais acessível. E o melhor de tudo, poderei ajudar outros
professores que infelizmente não sabem como lidar com estes alunos e não dão o
atendimento adequado.
Este
é o meu relato. Breve porque tive poucos contatos. Porém, de grande importância
para minha vida.
Um
abraço e até nosso encontro.
A.K.
Para: I.G.
Olá I.G!Tudo bem?!
Ainda não tive a oportunidade de te
conhecer, mas com certeza não vai faltar oportunidades para isso. Vou começar
contando um pouco sobre minha vida pessoal. Sou natural de Encantado/RS, meu
pais moram no interior do Estado no município de Coqueiro Baixo/RS, mas resido
em Porto Alegre desde 2005. Atualmente estou no 4° semestre do curso de
Pedagogia (UFRGS) e confesso que estou adorando cada vez mais o curso. Apesar
de ainda não ter experiência docente, hoje eu percebo a minha afinidade pela
área da educação que requer muito estudo.
Desde o primeiro semestre do curso de
Pedagogia, tive a oportunidade de conhecer a professora Adriana Thoma na
disciplina de Educação Especial e Inclusão e foi durante essas aulas que senti
meu coração bater mais forte, algo dentro de mim me perturbou, me fez sentir algo
novo!Diversos sentimentos me trouxeram até aqui.
Lembro
que saía das aulas de Educação Especial emocionada, pois os assuntos abordados
em algumas aulas tratavam de exclusão, abandono, preconceito, enfim, cenas
fortes que mexeram com meus sentimentos. Talvez, por eu ter tido muito contato
desde criança com minha tia deficiente visual, tenha aguçado minha sensibilidade
ao longo da minha vida, sem falar que sou e sempre fui muito sensível.
Durante o 3º semestre do curso de
Pedagogia tive uma cadeira de Libras com o professor Nelson, muito atencioso.
Durante as aulas eu e minhas colegas treinávamos palavras novas e desde o
início percebi minha dificuldade quanto ao uso dos Sinais.
Por outro lado sei que
como toda nova Língua exige estudo e muito treino, então eu tenho certeza que
para isso terei que fazer um grande esforço para aprender a Libras.
Hoje estou em busca de minha formação
profissional, não sei ao certo para qual caminho a vida irá me conduzir, mas
tenho a certeza de que tudo o que estou aprendendo está sendo fundamental para
minha formação profissional.
Como já havia comentado, preciso
confessar que ainda não me sinto segura com a Língua de Sinais (Libras) e isso
parece distanciar-me da Cultura Surda na qual pretendo conhecer. Sei que para
isso devo treinar e estudar para que aos poucos tenha sucesso na comunicação
com os Surdos, mas por outro lado, sinto que minhas mãos ficam tímidas ao
tentar sinalizar é como se eu não fosse capaz, fico nervosa e misturo os
sinais.
Tu já deves ter percebido que não tenho
experiência na área de educação de Surdos, mas pretendo atuar de alguma forma
nessa área, seja como docente ou não, e termino esta carta com a letra da
música do Zeca Pagodinho:
“E
deixa a vida me levar (vida leva eu)
Deixa a vida me levar (vida leva eu)
Deixa a vida me levar (vida leva eu)
Sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu.”
Deixa a vida me levar (vida leva eu)
Deixa a vida me levar (vida leva eu)
Sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu.”
Um forte abraço e votos de sucesso, P.A.
Para:
C.A.
Olá,
Cássia!
Fico feliz em escrever para você que
é minha colega em todas as disciplinas e temos a mesma orientadora! Tenho
certeza que durante os dois anos de Mestrado poderemos fazer muitas trocas!
Minha caminhada profissional e acadêmica estão entrelaçadas em todos os
momentos, pois conforme os desafios apareciam eu buscava formação e
qualificação do meu trabalho.
Ano passado participei da disciplina
“Memórias, Narrativas e Experiências na Educação de Surdos II”, mas como aluna
PEC. Hoje, com muita alegria, escrevo esta carta como Mestranda em Educação,
tendo a professora Adriana como minha orientadora. Sendo assim, aproveitei a
escrita da carta do ano passado para escrever esta para você....
Minha experiência profissional iniciou em 2000, um ano marcante! Foi
nesse ano que ingressei na Feevale no Curso Normal Superior (que é equivalente
à Pedagogia) e que fiz meu estágio do Magistério. Acabei realizando o estágio
em uma instituição filantrópica de São Leopoldo com inclusão de alunos surdos.
No primeiro semestre de 2000, no meu estágio, tive uma turma apenas de
ouvintes, pois desconhecia completamente a Língua de Sinais, só sabia parte do
Alfabeto Manual. Ao longo do ano fiz um pequeno curso de Libras que a escola
oferecia e aos poucos fui conhecendo e gostando desta língua.
Ao final deste semestre me formei no magistério no Colégio São José em
São Leopoldo. Pouco antes de me formar, a escola em que realizei o estágio me
convidou para ficar trabalhando provisoriamente na secretaria. Fiquei feliz com
o convite, seria meu primeiro emprego! Porém, não dei muito certo como
secretária, eu era muito atrapalhada... Aos poucos, a direção foi me colocando
de volta para a sala de aula: primeiro no turno da manhã na creche da escola
com alunos surdos ou com paralisia cerebral; depois, no turno da tarde em uma
turma de 1ª série somente de alunos surdos. Aí que começou o grande desafio,
interesse e estudo pela Educação de Surdos.
O curso de Libras que a escola me oferecera não era suficiente. Então
comecei a fazer cursos de Libras na Ulbra no segundo semestre de 2000. Gostei e
continuei até o nível 3, no 4 não abriu turma... Em 2002, a Ulbra me ligou,
perguntando se eu queria fazer um teste de seleção para o Curso de Intérpretes
que eles estavam abrindo (1ª Edição) Aceitei, fiz o teste e passei! Na época,
não pensava em trabalhar na área, mas em continuar aprendendo a língua e ter
contato com os surdos adultos.
De 2000 a 2008, trabalhei na mesma escola com diferentes turmas:
classes especiais de surdos, classes com inclusão de surdos e a partir de 2004
lecionava uma vez por semana a disciplina de Libras para os alunos de 5ª à 8ª
séries, pois não havia professor surdo na escola e eu tinha maior habilitação
para esta tarefa. Durante este período terminei o curso de intérprete em 2003 e
me formei na graduação da Feevale em 2006. Meu TCC focou a Avaliação na
Educação de Surdos e tive orientação da professora Madalena Klein.
Em 2007, comecei a trabalhar na Feevale como Tradutora/ Intérprete de
Libras todas as noites para uma surda na turma da EJA. No início foi muito
difícil, pois eu interpretava eventualmente. Aos poucos fui pegando a prática!
Em 2008 comecei a interpretar na Graduação para uma surda da Pedagogia (que
hoje é minha colega no Letras Libras) e outra da Educação Física, porém, eram
menos noites por semana.
No início de 2008, fui chamada no Concurso Público de São Leopoldo para
trabalhar nos anos iniciais. Desta forma, pedi para sair da escola onde
trabalhei por 8 anos, pois iria assumir o concurso e continuar trabalhando na
Feevale, seria complicado trabalhar três turnos.
Em 2009, eu estava com
pouco tempo disponível para a atuação na Feevale, pois assumi mais horas na
Rede de SL. Fui até minha coordenadora e coloquei que só poderia atuar uma ou
duas noites por semana. Devido ao pouco tempo disponível para a instituição, a
mesma decidiu pela minha demissão.
Nesta época
eu estava a procura de cursos de Especialização, pois não me sentia preparada
para dar um passo maior, como ingressar no Mestrado. Porém, os cursos em que me
inscrevia na área da Inclusão, acabavam não fechando turma ou ocorriam em dias
que eu não tinha disponibilidade. Foi neste mesmo ano que surgiu o vestibular
do Curso Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina, Pólo UFRGS.
Resolvi fazer, pois na época não estava estudando e queria continuar me
aprofundando na área da Surdez e da Língua de Sinais. Nem acreditei quando
passei!
Ao assumir
mais horas no Município (2009) iniciei
o trabalho em Sala de Recursos Multifuncional (SRM) no Atendimento Educacional
Especializado (AEE) atuando 20h semanais em SRM e 20h semanais em sala de aula.
Em Sala de
Recursos tenho aprendido a trabalhar com alunos de diferentes NEE –
Necessidades Educacionais Especiais e a assessorar os professores destes alunos,
o que não é tarefa fácil!
Em 2010 veio
via MEC para a SMED de São Leopoldo, 4 vagas para o curso de Especialização em
Educação Especial para o AEE. Ganhei uma destas vagas e, finalmente, ia começar
uma Pós Graduação!
Em maio de
2011 passei a atuar 40h semanais em SRM, pois finalizei meu Estágio Probatório.
No mesmo ano, conclui em outubro a Especialização.
Atualmente,
também leciono (em alguns sábados) no Curso de Formação para Professores de
Surdos nas disciplinas de “Avaliação Escolar”, “Currículo Escolar” e “Língua e
Educação: Bilinguismo versus Letramento Surdo”, além de atuar na Orientação dos
Estágios do mesmo curso pelo Programa Permanente de Acessibilidade (PPA) –
ULBRA.
Tive algumas publicações em
congressos, principalmente sobre a temática da Avaliação na Educação de Surdos.
Em 2009, foi publicado pela Editora EDUNISC o livro “Currículo e Avaliação: a
diferença surda na escola”, organizado pelas autoras Adriana da Silva Thoma e
Madalena Klein, no qual participei com a elaboração de um artigo.
Foi muito
desafiador o ano de 2011: trabalhar 40h semanais, ter os finais de semana de
trabalho no curso da ULBRA ou de aula no Letras Libras e fazer dois cursos ao
mesmo tempo - uma graduação e uma especialização – sendo que na mesma época
ocorreu o estágio da graduação e o TCC do Pós, e ainda realizei a disciplina
PEC.
Relembrando
minha caminhada, percebo que sempre fiz mais de uma coisa ao mesmo tempo e
nunca parei de estudar. Uma coisa me levava a outra, e quando me dava conta, já
estava com tarefas demais.
As coisas
foram acontecendo e me levando sempre em direção à Educação de Surdos e
Educação Inclusiva. Fui me apaixonando e me aprofundando. Hoje tenho a visão e
experiência de diferentes papéis na educação: de professora de sala de aula,
tradutora/ intérprete de Libras, professora do AEE e de professora em curso de
formação de professores.
Em julho
deste ano conclui o Letras Libras, minha formatura ocorrerá em novembro! Ao
mesmo tempo que realizava o TCC do Letras Libras, também estudava para a
seleção do Mestrado em Educação na Linha dos Estudos Culturais. Após, muito
esforço, desejo e estudo estou hoje realizando meu grande sonho de ser
Mestranda em Educação da UFRGS! Agora aprenderei com maior propriedade a
realizar pesquisa e buscar subsídios teóricos! Mais do que produzir
conhecimento farei de tudo para que minha produção proporcione um repensar
sobre as políticas e práticas na Educação de Surdos.
Espero que
você tenha conseguido me conhecer um pouquinho... Fiz um resumo bem rápido da
minha trajetória até aqui. Espero que possamos nos conhecer melhor durante o
Mestrado!
Abraço!!!
Para:
R.T.
Olá R.T., não te conheço
muito bem, apenas tivemos dois encontros durante a Disciplina de “Memórias,
Narrativas e Experiências na Educação de Surdos III: Políticas Educacionais e
Linguísticas como Estratégias de Governamento dos Sujeitos no Campo da Educação
de Surdos”, então não tive a oportunidade de conversar com você ainda.
A possibilidade de te
escrever uma carta será muito importante para a nossa aproximação.
Primeiramente vou lhe contar sobre a minha formação e posteriormente sobre a
minha experiência como professora de Matemática e Física de alunos surdos
incluídos em classes regulares.
Com relação a minha
formação, primeiramente gostaria de dizer que sempre tive o sonho de fazer uma
graduação, porém as minhas situações financeiras não eram as melhores. Tinha
apenas 17 anos quando me formei no Ensino Médio na Escola Estadual de Ensino
Médio de Alexandrino de Alencar, ainda dependente dos meus pais, sabia que
seria difícil ingressar em um curso de ensino superior sem a ajuda dos pais, as
Universidades Federais eram distantes e as Universidades particulares da
Região, muito caras. Então surgiu a oportunidade de fazer um curso de
Licenciatura, em Cachoeira do Sul, na ULBRA (distante 100 km de Passo do
Sobrado), na modalidade de férias e com um preço mais acessível. Convenci,
depois de muitas brigas, os meus pais a me ajudarem, pois sendo de uma família
de agricultores, a situação econômica com certeza não é das melhores. Então, em
dezembro de 2002, prestei vestibular e no seguinte já estava cursando a
graduação de Licenciatura em Matemática.
O sonho estava em minhas
mãos, mas era preciso de muito esforço para poder alcança-lo por completo. Tive
que abrir mão de muitas coisas, trabalhar muito, economizar e claro, estudar.
Por fim, tudo deu certo, consegui completar a caminhada e em janeiro de 2007,
estava colando grau. Nossa, que susto! Meus pais quase não chegaram a tempo
para me ver, pois saíram muito tarde de casa, em função do trabalho, então
chegaram pouco antes da cerimônia começar.
Terminada a graduação,
fiquei um ano apenas trabalhando, pois o contrato de 20 horas, na prefeitura de
Passo do Sobrado, não permitia investir em uma especialização. No final de
2007, estava à procura de um curso de pós-graduação, quando recebi um convite
para cursar Mestrado em Políticas e Gestão da Educação, em Montevidéu, no
Uruguai. Fiz rapidamente um projeto e uma prova de espanhol, e consegui a
aprovação. No impulso e com muita vontade de retornar a estudar, realizei a
matrícula. As aulas iniciaram em janeiro de 2008. Aos 22 anos e com pouca
experiência, pela primeira vez saí do estado e me vi perdida em meio a vários
conceitos políticos-educacionais abordados em Língua Espanhola - as
dificuldades linguísticas e teóricas eram muitas. Mesmo assim, não desanimei,
lia os textos (todos em espanhol), tentava entender os conceitos e me coloca a
escrever os artigos solicitados. Em 2011, defendi a minha dissertação, sendo
aprovada com ‘Muy Bueno’.
Durante
o curso de mestrado, em 2010, fui selecionada para cursar Especialização em
Mídias na Educação, na UFSM/UaB. Então eram dois cursos ao mesmo tempo, para
dar conta, escrever a dissertação e fazer as disciplinas da Especialização. E
mais uma vez viajar para estudar, pois o pólo da UFSM ficava em Cachoeira do
Sul. Tudo deu certo e concluí mais um curso em dezembro de 2011, quando
realizei a defesa do artigo intitulado “Potencialidades do Ensino-Aprendizagem
de Matemática Mediado pelas Tecnologias na Escola Estadual de Ensino Médio
Nossa Senhora do Rosário em Santa Cruz do Sul – RS”.
E
agora em 2012, o que fazer? Parar? Não! A caminhada não estava concluída, ainda
há outros sonhos a serem alcançados. Entrei, a convite de um professor da Unisc
(Universidade de Santa Cruz do Sul), em um grupo de pesquisas na linha
Identidade e Diferença e posteriormente me inscrevi como aluna especial no
Mestrado em Educação da Unisc. Com certeza a disciplina que escolhi - Educação, Mecanismos Disciplinares e Dispositivos de
Segurança: a arte de governar a partir da liberdade - reformulou a minha identidade, como se me
recriasse a cada instante. Então, com muito incentivo da colega Janete,
pesquisadora da Cultura Surda, me inscrevi no Mestrado em Educação da UFRGS,
como aluna PEC, com a Professora Adriana da Silva Thoma. E aqui estou eu,
fazendo a primeira tarefa da disciplina (escrevendo uma carta).
Essa
é a minha formação acadêmica, agora lhe contarei sobre a minha experiência como
professora de surdos. Conforme me apresentei no dia 05 de setembro, iniciei o
meu trabalho com alunos surdos no ano de 2010, o qual coincidiu com a minha
chegada e a chegada dos alunos surdos na Escola Rosário. Faltava professora de
Física para o Ensino Médio do Noturno, então fui convidada a ministrar esta
disciplina, duas novidades para mim, a Física (pois minha formação é em Matemática)
e os alunos surdos incluídos em turmas regulares. Bom, a única coisa que eu
sabia era o alfabeto em Libras, o que me ajudou inicialmente. As aulas
iniciaram, e lá estava eu enfrentando outro obstáculo, modificar a metodologia.
Seguia as orientações dadas nas reuniões de professores: escrever tudo no
quadro, não escrever e falar ao mesmo tempo, dar tempo para os alunos copiarem
a matéria, ir mais devagar para que as intérpretes pudessem fazer o seu
trabalho, entre outros detalhes. Assim fui experimentando e tentando, claro
entre acertos e erros, pois muitas vezes esquecia esses detalhes e recomeçava
tudo de novo. Também sentia falta da Língua Brasileira de Sinais, pois queria
falar diretamente com eles nas situações mais individuais, como explicações na
classe. Logo recebemos a boa notícia de que um Curso Básico de Libras gratuito,
oferecido pela 6ª CRE em parceria com a UNISC. Fiquei muito feliz por ter sido
selecionada, e lá estava eu todos os sábados aprendendo Libras. O curso me
ajudou muito, pois consegui me comunicar diretamente com os surdos e aprender
com eles na prática pedagógica. Então o ensino se dava de forma recíproca, eu
ensinava Física e Matemática e eles me ensinavam Libras. Eles foram os maiores
incentivadores, sempre dizendo: “- Você precisa
aprender libras, precisa se esforçar!” Claro, eles estavam certos, se eu
exigia que eles aprendessem Física e Matemática, eles também tinham o direito
de exigir que eu aprendesse Libras, pois era o meu dever, afinal sou
professora. Muitas risadas nós damos juntos, na tentativa de aprender muitas
vezes eu trocava os sinais. Uma situação que ficou para a história, foi o dia
em que o troquei o sinal de fazer pelo sinal de beijar, que rendeu algumas
risadas. Era assim que eu aprendia e continuo aprendendo. Uma experiência única
e gratificante, pois é maravilhoso conhecer o diferente, ou seja, nos permitir
conhecer outras identidades.
Neste
ano de 2012, uma cena que ficou em minha memória, foi quando entrei na turma
102, do Ensino Médio, onde haviam quatro alunas surdas incluídas. Apresentei-me para turma, e comecei a
sinalizar para elas, então pude ver a expressão de felicidade nos olhos de cada
uma ao perceberem que eu entendia a Linguagem delas.
Já
trabalhei com vários alunos surdos incluídos no Ensino Médio, muitos já estão
incluídos no mercado de trabalho e outros ingressaram no Ensino Superior. Às
vezes, esses ex-alunos visitam a escola e nos contam sobre o que estão fazendo,
se estão trabalhando ou estudando. É nesses momentos que sinto o quanto o papel
de professor pode ser importante para a vida das pessoas.
Cordialmente, D.K.
Para:
A.C.
Gostaria de dizer que
ainda não nos conhecemos, mas no decorrer do tempo vamos nos conhecer mais e
melhor.
Como não temos intimidade,
escrevo esta carta para falar um pouco sobre minha vida.
Nasci surda e frequentei a
escola especial Concórdia desde os 10 meses de vida. As aulas iniciavam no mês
de março. Um mês maravilhoso, pois reencontrávamos os colegas, as professoras,
tínhamos materiais novos e a temperatura ótima, nem muito frio nem calor. Nessa
escola, recebi o aprendizado e as lições para minha vida, como qualquer outra
pessoa.
Na minha casa, sempre tive
o apoio de minha mãe. Ela me auxiliava nos estudos e nos deveres de casa
durante duas horas todos os dias, só depois eu podia sair para brincar com os
vizinhos. Cresci tendo a oportunidade de fazer coisas das quais tinha vontade,
e que a escola oferecia, como por exemplo: participar da dança folclórica,
grupo de teatro e aulas de balé, onde fazíamos diversas apresentações e
viagens.
Fora da escola, fiz aula
de patinação, que é minha paixão esportiva, e também participei de vários
eventos para não cortar o vínculo com a comunidade surda. Gostava de fazer algo
satisfatório depois da escola e, no decorrer do meu crescimento fui
desenvolvendo uma capacidade de autonomia com minhas responsabilidades. Meu primeiro
emprego foi um estágio que realizei, onde pude juntar dinheiro para comprar um
TDD (Telephon Device for Deaf), pois na época era muito caro e minha mãe não
tinha condições financeiras para compra-lo.
Meu sonho era ser
dentista, porém com o alto custo das mensalidades no curso de odontologia,
decidi fazer primeiro o curso de prótese dentária. Após, percebi a grande
dificuldade em arranjar emprego na área. Desde a 4ª série do ensino fundamental
fui incentivada por minha professora de português a gostar de leituras e a
estudar a língua portuguesa. Foi então que decidi ampliar meus conhecimentos
nessa área, e optei por estudar Letras e Literatura, com o objetivo de ajudar
os surdos a compreenderem melhor a sua segunda língua que está relacionada com a
primeira língua. Após dois anos abriu o curso de Letras Libras, onde com muito
esforço e dedicação consegui mais esta formação e adquirir dois diplomas de
graduação em duas línguas.
Porém tenho tido muita
dificuldade em conseguir emprego dentro da minha área de formação. Atualmente
trabalho no Rumo Norte onde ensino português através de oficinas. É um trabalho
diferente, mas por enquanto é o único lugar que consegui para trabalhar.
E como “SER SURDA”, a
subjetividade assume a sua postura com a identidade, cultura, alteridade, o
aceitar a si mesmo como surdo, a política das lutas pela diferença e também na
parte política com suas bandeiras de luta: a) pelos direitos linguísticos
culturais reconhecidos; b) na educação de surdos e seus aspectos político/educacionais
para defender a educação que queremos e c) pela conquista do espaço educacional
adequado, currículo próprio dos surdos, pedagogia surda e outros;
É difícil entrar como
docente, pois em várias escolas os ouvintes ocupam nossos espaços. Sabe-se que
nas escolas de surdos, o ideal seria que profissionais surdos pudessem
trabalhar, pois possuem perfis talentosos de qualidade, podendo promover as
condições necessárias a uma educação ampla e consistente, servindo como modelo
e estabelecendo um vínculo com os outros surdos que ali estudam. “as pessoas
fluentes na língua de sinais têm presente a identidade e cultura surda” Estes
professores surdos acabam sendo modelos, auxiliando os alunos na construção de
sua identidade e cultura. Este processo ocorre, conforme o autor Silva diz:
(...) A própria auto-identificação do
professor enquanto pertencente a uma cultura distinta é importante para, a
partir daí, poder estabelecer os vínculos com o aluno; da mesma forma, a crença
de que todos os alunos têm potencial cognitivo e podem vir a desenvolvê-lo
rompe com a lógica da exclusão a priori. (2003, p. 30).
Me sinto frustrada, pois
os ouvintes possuem muito mais oportunidades e estão ocupando nossos lugares,
além disso, as escolas de surdos tem uma visão global diferente sobre a
educação de surdos. Consegui uma oportunidade de entrar para o corpo docente da
ULBRA na área de Libras. Uma experiência nova, com excelentes desafios de poder
constantemente atualizar meus conhecimentos, ler mais, publicar minhas
propostas de seminários e congressos. É realmente um trabalho que valoriza meu
currículo como professora efetiva, pois um aspecto muito importante nos
currículos é a questão de ter experiências anteriores.
Para finalizar é muito
importante refletirmos sobre a importância do aluno ter a identificação com o
professor surdo.
Abraços da colega R.T.
Para:
R.P.
Oi,
R., tudo bem? Lembro que te conheci no ano passado. Achei que tu tava
trabalhando de segurança na Câmara dos Vereadores. Tu tava sério, braços
cruzados. Fiquei com medo. Agora vejo que é bobagem, não tem por que ter medo.
Então, vou te contar um pouco da
minha trajetória. Eu nasci ouvinte e fui perdendo a audição gradualmente. Minha
mãe percebeu porque ela chegava em casa, me chamava, mas eu não respondia. Quando
eu a via, eu manifestava surpresa e felicidade.
Ela achou estranho e me levou no
médico. Eu tinha uns 3 anos quando detectaram perda moderada nos dois ouvidos.
Desde então, comecei a usar
aparelhos. Com eles, eu conseguia entender o que as pessoas falavam, os
resultados eram bons, mas nem todos entendiam o que eu dizia.
As consultas com as fonoaudiólogas
ajudaram a melhorar minha comunicação.
O tempo foi passando e minha
audição, piorando. Minha perda se tornou profunda e os aparelhos já não me
ajudavam mais. Tive que me adaptar.
Na escola, minha mãe sempre me deu
muito apoio.
Ela ia ao colégio antes de começar o
período letivo e explicava aos professores para falarem de frente comigo porque
eu era surdo, que eu sentaria na 1ª fila para ficar mais fácil de fazer leitura
orofacial.
Pedia para que evitassem ditados e
dessem preferência para matérias escritas no quadro. Dessa forma, eu consegui
acompanhar bem as matérias escolares e era sempre um dos melhores da turma.
Embora eu tivesse um bom desempenho
escolar, não tinha muitos amigos. Eu era tímido e tinha dificuldade em entender
os outros alunos. Os professores eram calmos e articulavam bem, enquanto os
colegas em geral falavam rápido e não mexiam os lábios direito.
Tinha outro surdo 2 anos mais velho
que eu no colégio. Assim como eu, ele também era um bom aluno e tinha
dificuldade de comunicação com os colegas. Nossas famílias eram bem amigas. Quando
eu tava na 8ª série, o pai dele me disse que ele tava tendo dificuldade em
algumas matérias do 2º grau por não conseguir entender o que o professor
ensinava. Foi nessa época que me perguntaram se eu gostaria de ser implantado.
Inicialmente, eu disse não. Achei
que não tinha necessidade. Que ia ficar igual a todo mundo. Bobagem. Mas 1 ano
depois, durante o 1º ano do 2º grau, percebi que tudo tava ficando mais
difícil. Pensei o que eu poderia fazer para facilitar minha comunicação com
todos e decidi aceitar o implante coclear.
Foi uma decisão acertada! Depois de
ativado, tudo melhorou. Tanto o colégio como a faculdade ficaram bem mais
fáceis.
Fiz faculdade de Agronomia na UFRGS.
Para conseguir acompanhar as aulas, eu conversava com os professores quando
necessário. Na maioria das vezes não precisei, as aulas da faculdade eram mais
expositivas, então o professor falava de frente, e também usavam muito Power
Point, eu conseguia ler a matéria.
Na faculdade eu fiz mais amizades.
Depois que comecei a usar o IC, fiquei mais confiante, comecei a falar melhor,
todos me entendiam e eu entendia todos. Foi ótimo.
E quando comecei a aprender LIBRAS?
Antes de me formar na Agronomia, eu tava voltando da fono e vi um aluno e uma
professora conversando em sinais em um gira-gira. Era a escola Salomão antes da
mudança. Fiquei curioso, era a 1ª vez que eu via essa forma de comunicação.
Conversei com uma mulher na escola e ela me indicou cursos de LIBRAS na UFRGS e
na FENEIS. Depois que me formei na faculdade, comecei a aprender LIBRAS na
UFRGS e no Rumo Norte. Tô gostando muito. Me falta contato e prática, mas tô
melhorando aos poucos.
Tô vivendo nos dois lados, dos oralizados
e sinalizantes. Tenho o sonho de que um dia os dois lados aceitem as diferenças
do outro e haja união. Eu sei que as necessidades dos grupos são diferentes,
mas a vontade de lutar por acessibilidade existe. Por que não lutam juntos?
Para:
C.L.
No dia de
Hoje (quarta feira 12/09) quase não acreditei quando vi o nome da pessoa que eu
fui contemplado. Fiquei muito feliz por ter sido esta pessoa a escolhida, claro
que ao escrever minha história sei que esta pessoa já conhece muito bem a minha
história. Então vou contar alguns detalhes ainda desconhecidos por ela...
Pois bem,
sou Roger Prestes filho da Dona Cleusa Chaves e do Auxiliar de medicina Sr
Clovis Prestes, nasci na terra do doce onde se fabricam doces – Pelotas e lá
cresci. Fiquei surdo com 1 ano e 6 meses quando minha mãe descobriu que eu
estava com a meningite, pois tive uma febre muito alta com 40 graus e minha mãe
ainda me levou para tomar banho gelado, acredite?! Então quando a febre baixou
me levaram para o hospital Beneficência Portuguesa, o hospital mais famoso em
Pelotas e fui internado, ficando 40 dias em coma, passando os 40 dias o medico
disse para minha mãe e meu pai que talvez eu pudesse ficar com sequelas do
coma, como paralisa cerebral, cegueira, deficiência física ou outras deficiências
e minha mãe ficou preocupada! Quando acordei o médico me avaliou e disse para
minha mãe que eu estava muito bem, sem deficiência alguma, mas no momento em
que o médico deixou cair um objeto no chão, eles perceberam que eu não reagi ao
barulho do objeto caído e nem reclamei, foi assim então que ele fez uma
avaliação do meu ouvido com fez teste da orelhinha, diagnosticando que eu
fiquei surdo! Mas minha mãe ficou aliviada porque não havia problema algum em relação
a minha surdez.
Aos 6
anos de idade minha mãe procurou uma escola para mim e encontrou a Escola Especial para Surdos a Escola
Especial Professor Alfredo Dub, esta escola utilizava o método oral de ensino onde era
proibido o uso da Língua de Sinais. Estudei lá ate o ano de 1992, até que um
grupo de mães resolveu procurar um curso especifico para surdos, quando
resolveram vir a Porto Alegre e encontraram a Escola Concórdia que utilizava o
método da Comunicação Total no Ensino. Utilizava-se dos sinais e da fala... Na
Escola Concórdia elas aprenderam mais a respeito dos surdos trazendo estas
informações para Pelotas mesmo que havia outras mães que não aceitavam que os
filhos usassem Língua de Sinais na comunicação. A partir disto foram fundadas
Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos, abrindo o primeiro Curso
de Sinais em que minha mãe foi primeira pessoa a se inscrever passando a me ensinar
a utilizar e a se comunicar em Língua de Sinais, pois até então eu era
oralizado, por causa da escola que era oralista. Passando alguns anos fui matriculado em uma
escola regular onde cursei o 2º grau. A
escola tinha o Curso Técnico em Contabilidade e na minha sala havia mais de 4
surdos que não eram como eu pois não oralizavam. Neste momento percebi que precisávamos de Intérprete
de Libras na sala de aula por isso minha mãe resolveu chamar as outras mães dos
outros alunos para ir junto a Coordenadora Regional de Educação - CRE e
solicitar a presença de Intérprete de Libras na sala de aula onde inicialmente
não conseguiram, mas continuaram a insistir e fazer pressão na CRE até que quando
estávamos perto de concluir o 2º grau, faltando cerca de 6 meses para a
conclusão do segundo grau a CRE resolveu
mandar Intérpretes de LIBRAS para a sala de aula. Completamente sem graça (sem
sentido) termos conseguido isto somente no final dos nossos estudos.
Após
resolvi fazer o vestibular para o curso do meu sonho que era Direito, tentei na
Federal pela UFPEL, mas não havia Intérprete de Libras e desisti, foi então que
tentei fazer o curso de Letras/espanhol na UCPEL que tinha Intérprete de Libras
e consegui cursar. Patrícia minha amiga
que era assessora da Secretaria de Educação em Pelotas me ofereceu um estágio
para trabalhar em escola pela SME onde aprendi muita de política com eles.
Através disto foi criado o CAPTA Centro Apoio
de Tecnologia para Acessibilidade na SME, onde este projeto provocou o meu
pensamento visto que eu tinha pouco conhecimento da política e das leis de
acessibilidade. Quando mudou a equipe governamental da prefeitura de Pelotas,
em que o partido político era do PT – Partido Trabalhadores todos saíram da
Secretaria não havendo mais lugar para mim, foi então que vim para Porto Alegre,
atrás do PT, pois “aonde o PT vai sempre vou com ele”.
Quando
mudei para Porto Alegre fui convidado a trabalhar em uma escola de surdos em
Gravataí, e também trabalhei na ULBRA como Instrutor de LIBRAS, começando a conhecer
mais da política em Canoas através do contato com a Secretaria Municipal de Canoas conseguindo um Estágio para
trabalhar na Unidade de Inclusão da Secretaria Municipal de Educação, lá onde
pude aprender muita coisa e buscar mais informações sobre a política da
Educação Inclusiva junto com o Ronaldo Ribeiro que era favor da inclusão. Comecei a estudar o texto política pública do
MEC e também estudar AEE que a SME oferecia o curso para professores que
trabalhavam no município de Canoas. Fui como “ouvinte” assistir aula e fiquei
chocado pois não esperava que estivesse escrito no texto do AEE em Fortaleza
que os surdos precisavam aprender primeiro a oralizar e briguei com os colegas da
UNI – Unidade Inclusão que pois não concordava com a redação deste texto do
AEE.
A partir
disto comecei a agir procurando me envolver mais com a educação de surdos sendo
que fiz a proposta do CAS – Centro Atendimento de Surdos em Canoas e a SME aprovou
a proposta sendo encaminhada a Câmara de Vereadores para votação. Meus colegas ficaram sabendo que haviam coisas
erradas onde se perdeu o número do protocolo de meu projeto do CAS e ninguém
sabia onde havia se perdido... Continuando
na luta e procurando apoio foi que conheci o projeto inclusão Legato. Este
projeto contemplava muitas crianças com deficiência onde a proposta era
estimulação nas crianças com deficiência e apresentei meu projeto do CAS e as propostas
para surdos em Canoas. A associação gostou da idéia em fazer o projeto para
encaminhar prefeitura sendo aprovado também, ficamos muito felizes, mas a SME
não aceitou fornecer os recursos financeiros para comprar os materiais e
equipamentos de acessibilidade. Depois disto comecei a estudar muito a legislação
de acessibilidade onde descobri que todos tem direito de acordo com a
Constituição Federal, como cidadãos onde diz no artigo 1º parágrafo único:
- Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
Passei a me interessar e a procurar saber mais
sobre a política de educação inclusiva e os direitos humanos para todos. Conheci
o assessor do Paulo Paim e ele me ajudou muito buscando mais informação com
eles percebendo que o poder público “pensa” que o povo não sabe a lutar pelos
seus direitos.
Estava trabalhando na Secretaria quando recebi um email
sobre a CONAE – Conferência Nacional de Educação na cidade Novo Hamburgo,
Canoas e Porto Alegre era o último dia da inscrição. Recebi pela manhã e a não cheguei
a ler no primeiro momento, mas depois quase no final da tarde antes de ir
embora para casa é que sentei para ler e ler... Descobri que era muito
importante para a comunidade surda e para a Escola de Surdos a nossa
participação. Foi então que mandei email
para a Ana Paula Jung que na época era diretora da Escola de Surdos de Novo
Hamburgo a qual conseguiu se inscrever e também mandei para um surdo em Porto
Alegre, o Cacau que foi inscrito como representante de Porto Alegre. Fiquei
mais aliviado da participação dos surdos na Conferência de Educação.
No ano 2009 recebi o convite para participar como
membro do projeto Negro Surdo em São Paulo, projeto que luta pelos direitos dos
Negros Surdos e comecei a pesquisar aqui Rio Grande do Sul percebendo que os
surdos negros não estão afastados da sociedade, mas na cidade de São Paulo
existe sim afastamento da comunidade surda afastamento dos surdos negros.
No ano
passado o Diretor Regional da FENEIS Francisco Rocha estava chamando surdos e
ouvintes para se reunirem e assumirem como membros da FENEIS e fui aprovado
como diretor da Política Educacional da FENEIS participando de vários eventos,
reuniões, palestras, representando a FENEIS quando conheci o Conselho Estadual
dos Direitos da Pessoa com Deficiência – COEPEDE e passei a participar como
suplente do Francisco sendo que agora sou um Conselheiro. Isto me proporcionou muitas oportunidades em
que passei a estudar muito a política com a COEPEDE, a minha melhor amiga e melhor
tradutora da minha voz, para qual hoje estou escrevendo esta carta, é para ela
que vou agradecer muito... Pois na COEPEDE sempre indica meu nome para
participar do Fórum Permanente para Política Pública PcD, onde passei a viajar
a várias cidades com a FADERS e COEPEDE aprendendo muito de política.
A
política é muito importante, e também como entender a política? Segundo Guareschi,
ComunellNardini & Hoenisch (2004, p. 180.), entende-se por Políticas
Públicas:
o conjunto de ações coletivas voltadas
para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que
visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas. Expressa a
transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço
público.
Por isso a Política é
muito importante para a sociedade e para a militância que constrói o pensamento
e também oportuniza a busca de mais conhecimento. Atualmente sou secretario
executivo do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Porto
Alegre, conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, Delegado da Conferência Nacional Emprego e Trabalho Docente,
Delegado Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência onde hoje
tenho muito política para comunidade surda e para as Pessoas com Deficiência,
por isso a luta é muito importante para todos.
Acho já escrevi muito da minha
história e ainda tem mais, só vou te contar pessoalmente que vai ficar melhor o
bate-papo. Hoje estou aqui no curso PEC com minha amiga Cristina Laguna, que é
excelente pessoa e lutadora, militante dos surdos e das Pessoas com Deficiência.
Estou muito feliz que escolhi o nome dela para a primeira carta do curso. Espero que você goste!
Um Grande beijo do seu Negro...
hehehehe....
Para:
G.C.
Olá G.,
Eu escrevo esta carta para
contar um pouco da minha história e de como foi minha caminhada na educação de
surdos.
A principio acho
importante dizer a você que sou CODA – Children of deaf adults, ou seja, venho
de família de surdos, minha mãe, padrasto, que considero como pai, e tios são
surdos e talvez eu possa dizer para você que fui e sou intérprete da minha
família, quando falo de educação de surdos, acredito que posso afirmar que por
muitas vezes tive de traduzir cartas e receitas recebidas por meus pais, muitas
vezes traduzi o bilhete da minha escola para que eles pudessem assinar aquele
bilhete de autorização para um excursão, os bilhetes de escola que meus irmãos
recebiam também eram traduzidos por mim, além disso desenvolvi um instinto de
proteção com os meus irmãos, eu os ajudava a fazer os temas, cobrava isso
deles, por que sabia que meus pais não podiam e não fizeram isto por mim.
Lembro-me de uma dada
situação de minha mãe precisar fazer um tratamento ginecológico e eu tive de
ler e traduzir para ela todo o procedimento, lembro de não saber muitos termos
que apareciam nos procedimentos.
Lembro de uma situação na
escola, eu estava na segunda série do ensino fundamental, e minha turma, por
terem tido comportamento inadequado, foram punidos pela Diretora que disse que
todos nós deveríamos entregar o caderno “ASSINADO”, eu não sabia o que
significava a palavra “ASSINATURA”, quando cheguei em casa pedi a minha mãe que
escrevesse um bilhete, tive de soletrar todas as palavras, através do alfabeto
manual, minha mãe escreveu letra por letra, que dizia que eu não tinha culpa
dos outros alunos fazerem bagunça na sala de aula. Quando no dia seguinte
mostrei o bilhete para a Diretora, ela falou que aquilo não era a “ASSINATURA”,
mas eu não sabia o que significava aquela palavra, até ver o caderno de um
colega e perceber que “ASSINATURA” significava o nome. Como meus pais eram
surdos, eu não conhecia muitas palavras na Língua Portuguesa. Me lembro que
quando fiquei aos cuidados da minha vó por volta dos dois anos e meio ou três
anos, quando minha mãe precisou trabalhar, que minha vó escondia meu bico e me
forçava a pedi-lo, também não me dava mamadeira enquanto eu não pedisse, eu
tenho muito clara esta memória da minha infância, hoje tenho certeza que minha
primeira língua foi a língua de sinais.
Lembro também, que minha
mãe foi para uma escola de alfabetização de adultos, na época se chamava CAEDA,
eu ia junto, por que ela não tinha com quem me deixar, lembro que a professora
me perguntava alguns sinais como “primo”, “tio”, “praia”, isto também está na
minha memória.
Quando meu tio começou o
Ensino Médio na Escola especial concórdia ele precisava ler alguns textos, como
era muito material para ler, ele pedia que eu fizesse algumas para ele, eu
estudava e fazia resumos, e lembro que eu escrevia na estrutura da língua de
sinais, meu tio conseguia entender e pedia que eu fizesse para todas as
matérias. Lembro que quando ele ia se formar, foi convidado para ser o orador
sinalizante da turma e pediu que eu escrevesse o que ele sinalizava, primeiro
na estrutura de língua de sinais, depois traduzido em língua portuguesa por que
tinha que entregar uma cópia para a direção da escola.
Lembro que os amigos dos
meus pais iam a nossa casa e pediam que eu os acompanhasse em compra de carro,
casa, lojas, audiências para traduzir além de ler o papel que eles tinham que
assinar, eu lembro que eu tinha muita dificuldade de entender as clausulas eram
termos muito técnicos, e quando eu não entendia alguma coisa eu perguntava para
o vendedor ou atendente o que significava. Depois eu ganhava um presentinho, um
sorvete, um cachorro-quente, um refrigerante em troca.
Curioso que me lembro que
minha tia estava apaixonada por um rapaz que era soldado do exército e ele
escrevia cartas para ela eu tinha de ler e traduzir para ela, era engraçado por
que muitas cartas eram muito eróticas e eu tinha uns 8 ou 9 anos, minha tia
pedia que eu escrevesse as cartas, mas as dela não tinha nada de erótico, eram
cartas românticas. Lembro que no primeiro encontro deles, marcado por ele numa
das cartas, eu tive de ir junto para traduzir para eles, depois que eles
trocaram o primeiro beijo, minha tia me levou ao parque onde eu andava nos
brinquedos enquanto eles namoravam. Esta mesma tia também foi assaltada e agredida
uma vez tive de ir a delegacia registrar ocorrência junto com ela.
Tenho certeza que sempre
tive envolvida com educação de surdos desde minha infância, quando os celulares
deixaram de ser luxo para ser necessário, tive de ensinar meus pais, tios e
amigos deles a usarem. Lembro que eu fazia um passo-a-passo desenhado numa
folha de papel, para eles saberem como faziam para mandar mensagem e olhar a
mensagem, eu escrevi neste passo-a-passo algumas palavras que era de uso
rotineiro deles como “vem casa?” que significava se vai para casa, “hora?” qual
hora, “sim”, “não” e “ok”, também aconselhei que eles usassem um dicionário de
Libras para procurar as palavras que queriam dizer, lembro que as primeiras
palavras que minha mãe escreveu diferente da que ela tinha na lista dela eram
“Lou C.. saudade amor beijar”, quando recebi aquela mensagem, eu chorei, por
que minha mãe me escreveu coisa tão linda e verdadeira, o esforço de ter
procurado as palavras e ter enviado as primeiras palavras para mim, como um gesto
de amor, carinho e reconhecimento pelo que eu fizera para ela. Hoje minha mãe
se dá muito bem com a tecnologia, ela tem um celular melhor que o meu.
É interessante que esta
minha vivência com minha família esteja vindo agora nesta carta, pois sempre
falei delas com tanta naturalidade que nunca pensei que minha família tinha
sido meu ingresso na educação.
Sou formada no Curso
Normal Superior – Licenciatura para os anos iniciais do ensino fundamental
minha relação com a alfabetização se intensificou durante meus estágios com
alunos surdos na escola de surdos. Senti mais dificuldade em trabalhar com as
crianças surdas do que com os adultos surdos na EJA – Educação de jovens e
Adultos, talvez meu contato com minha família tenha me dado esta predisposição
para um melhor entendimento de trabalho com a EJA do que com as crianças. A
maioria das crianças não estavam alfabetizadas na Libras, ou seja, elas se
utilizavam de sinais caseiros, muitos gestos, apontavam para objetos, havia em
meus planejamentos de aula trabalhos com leitura e escrita e tive de usar
estratégias que pudesse fazer com que os alunos fizessem registros em seus
cadernos. Senti angustia com relação ao ensino destas crianças. Diferentemente
com os adultos, que mesmo não alfabetizados em Libras havia um entendimento por
outras formas de comunicação viso-espacial que favorecia também o registro por
escrita.
Antes da Faculdade eu
havia feito o curso para ser intérprete de Libras e me profissionalizei. Enquanto vivo a profissão
de tradutora e intérprete de Libras nas diversas áreas, meu trabalho perpassa
por espaços da educação acadêmica traduzindo textos para Libras e Língua
Portuguesa, interpretando disciplinas das mais diversas áreas de formação
superior e pós.
Quando pisei pela primeira
vez numa faculdade para interpretar, eu percebi que os professores não
entendiam por que eu tinha de traduzir as provas, e por que eu tinha de
traduzir os textos dos alunos surdos. Quando se explicava a questão da
estrutura da escrita, muitos professores me olhavam desconfiados. Assim também
era na sociedade quando traduzi provas teóricas do DETRAN para os surdos, havia
uma desconfiança muito grande sobre a tradução sem cola.
Ainda há esta dificuldade,
de fazer a sociedade entender que os surdos possuem uma leitura diferente, e
que o intérprete de Libras possui uma formação que lhe orienta sobre condutas
éticas de trabalho.
Atualmente, ainda atendo
surdos em audiências, consultas médicas, lembro de uma surda que precisava de
ajuda sobre o receituário que recebeu do médico para dar banho em seu filho que
estava com congestão nasal, era um procedimento de vaporização com quantidades
de litros de água, mais dosagem de pó na água que deveria estar fervida. Para
esta mãe, era importante que ela fizesse por sete dias, e retornasse ao médico.
Depois que a ajudei, pensei nas várias mães surdas que vão com seus filhos ao
médico, e este por sua vez escreve como se todo o surdo soubesse ler, e penso
quantas destas mães acabam não fazendo o procedimento e muito menos voltando ao
médico.
Voltando sobre meu
trabalho como intérprete na Universidade e percebendo que meu trabalho de
tradução e interpretação exigia um conhecimento acadêmico para questões de
vocabulário e uma conduta como mediadora da comunicação, precisei esclarecer
por diversas vezes, para alunos e professores, que meu papel na sala de aula
era o de interpretar e não de ensinar o acadêmico surdo incluído. Meu trabalho
muitas vezes era confundido com o de professora sendo questionada pelo aluno
sobre o conteúdo, ou receber do professor atribuições de explicar o conteúdo ou
ser parceira de trabalho do surdo.
Em minha trajetória na
Univesidade me descobri como profissional, tanto como intérprete na sala de
aula como também no processo tradutório dos trabalhos acadêmicos desde artigos,
TCC e Dissertação de Mestrado. Em 2008, recebi uma proposta para atuar como
docente no Curso de Capacitação para Tradutor e Intérprete de Libras na
disciplina de Técnicas de Tradução e Interpretação, onde ainda atuo e formei
aproximadamente cem intérpretes.
Meu gosto pela minha
profissão me leva a discuti-la e problematizá-la constantemente dentro da
educação. Há uma série de documentos que falam sobre um intérprete educacional,
sobre sua ética, sobre seus princípios, mas é importante pensar também que
papel vem desempenhando este sujeito na educação de surdos. Talvez se diga que
o intérprete educacional seja aquele que está na Instituição, no entanto penso
que os intérpretes que são CODA’s são educadores em sua própria família.
Hoje a realidade da educação
de surdos na inclusão, vem sendo debatido e acredito que seja até polêmico,
pois há um grande movimento em defesa da educação bilíngüe, mas está havendo
distorções sobre esta forma de educação e os surdos em seus constantes
movimentos vem defendendo uma escola bilíngüe para surdos, por que a proposta
do MEC de uma escola bilíngüe parece estar na garantia da presença do
intérprete de Libras. E não sei se você concorda comigo, mas se o intérprete de
Libras é o mediador da comunicação entre surdos e ouvintes como ele poderá
fazer essa mediação se o surdo não for alfabetizado e também não souber a
Libras, se for uma criança surda em que a família usa com ela alguns gestos de
casa.
O que você acha Guilherme,
o intérprete deve ensinar a criança surda? Qual formação deve ter este
intérprete para trabalhar no processo de letramento da criança surda?
Aguardo seu retorno.
Foi um prazer contar um
pouco da minha história e poder compartilhar com você alguns questionamentos
que tenho sobre o papel do intérprete de Libras na sala de aula inclusiva.
Um grande abraço. C.L.
Para:
T.M.
Olá T.M.
Esta é terceira carta que
escrevo sobre essa temática, pois participo de diferentes formas do “memórias”
desde a primeira edição. Mas cada carta é única pois minha vida está em
constante mudança neste caminho da educação de surdos, pois inúmeras
oportunidades chegam até mim.
Antes de te contar mais a
fundo minha história, vou contar-te algo interessante em relação a essas
cartas: na primeira edição do curso eu era bolsista de iniciação científica e
meu conhecimento linguístico nesta área ainda era bastante superficial.
Recordo-me que nesta época enquanto eu observava os encontros ficava admirada
como professores surdos e ouvintes conseguiam uma comunicação tão fluente, e
ficava imaginando se um dia conseguiria algo assim. Um dia, em um dos encontros
fizemos a leitura de cartas e lembro de maneira bastante viva da carta da
professora Liège K. que dizia do encantamento com a educação e como havia sido
de forma inesperada o encontro com a educação de surdos, nesse dia pensei para
mim mesma que meu sonho para aquele momento era ter aquele mesmo encantamento,
me tornar professora de surdos.
Um ano após, tendo
contato com surdos diariamente nas minhas atividades de pesquisa na faculdade,
já havia aprimorado minha fluência na Libras e iniciava minha vida como
professora na escola Frei Pacífico. Assim, na segunda edição do “memórias”
encontrei um novo sonho: não me lembro em que encontro exatamente, havia
intérpretes estagiárias do Letras-libras fazendo a tradução da aula. Lembro-me
que admirei aquele trabalho e o achei desafiante, me perguntei se algum dia
seria capaz de me tornar intérprete e principalmente se algum dia seria capaz
de fazer a interpretação oral de algum surdo em uma aula ou palestra. Hoje, na
terceira edição do memórias já me tornei intérprete de libras contratada na
UFRGS e percebi que quando se constrói um sonho, uma meta, por mais desafiante
que pareça ela nunca é impossível de ser alcançada. Tenho muito ainda que me
aprimorar seja como intérprete, seja como professora (pois exerço as duas
funções atualmente), mas sei que estou a caminho.
...
Mas vou voltar um pouco
ao passado, pois embora eu já tenha contado essa história diversas vezes, como
mal nos conhecemos provavelmente para ti ela vai ser novidade. Não é uma
história muito longa, pois como deves ter percebido no pequeno resumo que
contei inicialmente já tenho diferentes experiências (e digo isso no sentido de
Larrosa, no sentido de quem realmente foi tocado por tais vivências) neste
percurso da educação de surdos, mas que aconteceram em um curso espaço de tempo
(cerca de cinco anos bem aproveitados).
O fato é que nesses anos
me aconteceram fatos bastante importantes, que costuraram minha caminhada de
maneira muito bela. Em primeiro lugar, nasci no dia do surdo, 26 de setembro,
mas é claro que muitas outras pessoas nasceram no mesmo dia e nem por isso
seguiram este caminho.
A minha lembrança mais
remota de algum contato com a língua de sinais foi há uns 10 anos, quando na
semana da água eu vi a apresentação de uma turma de alunos surdos de uma classe
especial apresentarem a música “Planeta Água” de Guilherme Arantes em um coral.
Na época, não fiz nenhum julgamento, nem tenho muitas lembranças do evento,
recordo apenas que foi neste momento que aprendi o primeiro sinal: água, que tem
muita relação com a maneira em que me fui me relacionando com a Libras. A água
não é parada, é fluida, móvel, nos escapa das mãos, não é possível prendê-la
entre os dedos, embora ela sempre deixe resquícios.
Desta apresentação me
ficaram duas coisas: um sinal (água) e um encantamento, mas eu não imaginava
que seria mais que isso...é estranho como na vida nós não temos completamente o
controle de tudo, não sabemos onde vamos parar seguindo por um ou por outro
caminho... Assim como não sabemos que algo remoto do passado pode se relacionar
com algo importantíssimo no presente. O fato é que quando em 2006 eu passei no
vestibular para pedagogia da UFRGS eu não imaginava que isto iria me aproximar
de tantas coisas. Não imaginava que esta faculdade mudaria de tal forma a minha
vida.
O fato é que em uma das
viagens diárias de ônibus até a faculdade encontrei um menino surdo, um menino
que parecia sempre triste e solitário no ônibus, e não sei exatamente porque
até hoje, que embora eu seja bastante tímida resolvi começar um contato com
ele, mesmo sem saber libras, nem conhecer nada sobre os surdos. Ele foi quem me
ensinou os primeiros sinais e impulsionou-me a buscar mais conhecimentos nessa
área. Agradeço muito a ele, somos amigos até hoje.
...
Concomitantemente a estas
viagens até a faculdade, obviamente, haviam as aulas, e foi em uma cadeira
eletiva durante o meu terceiro semestre do curso de pedagogia que fui conhecer
mais uma das pessoas que me auxiliariam a percorrer este caminho de busca e
encantamento com o povo surdo: a professora Lodenir Becker Karnopp. Foi durante
esta disciplina que li os primeiros textos sobre a surdez, os quais como tantos
outros constituem os meus textos (falados, sinalizados ou escritos), bem como
constituem a pessoa que eu sou, além de ser também nesse período que passei a
perceber a surdez como um espaço de cultura, não como uma deficiência. As
“aulas de libras” no ônibus continuaram e foi em um desses momentos que recebi
o meu sinal, “um J finalizando em espiral”, remetendo ao meu cabelo (embora
hoje em dia muitos achem que é um J unido ao sinal de “magro”). E foi a partir
desse dia que eu senti que estava sendo aceita nesse mundo que eu tanto
admirava, eu também podia ser representada em libras, foi um dia bastante
marcante, que me recordo muito bem até hoje.
...
Em 2008 então resolvi
estudar mais, me inscrevi na disciplina de LIBRAS na faculdade, e também me
inscrevi em um curso de LIBRAS nível básico e nesse mesmo semestre, por
coincidência (se é que coincidências existem) a professora Lodenir me convidou
para ser monitora da disciplina que ela ministrava : Educação especial e
inclusão. Foi então que eu conheci a professora Adriana Thoma (que também
ministrava a mesma disciplina), e o professor Cláudio Mourão que foi meu grande
parceiro no aprendizado da Libras.
E a partir daí tudo
aconteceu de maneira ainda mais interligada e rápida, e em menos de dois anos
eu já havia me tornado professora de surdos.Primeiro, em pouco tempo como
monitora, me tornei bolsista de iniciação cientifica da professora Lodenir, e
assim intensifiquei minhas leituras, ampliei meus conhecimentos e também o meu
contato com o povo surdo, uma vez que a pesquisa na época demandava que eu
visitasse escolas e aplicasse questionários a alunos surdos, tendo por companhia
um pesquisador surdo. Fui bolsista de duas pesquisas “A educação de surdos no
Rio Grande do Sul” e “Produção, circulação e consumo da cultura surda
brasileira” tendo me afastado um pouco ano passado em função de estar
trabalhando dois turnos na escola Frei Pacífico, mesma escola em que fiz meu
estágio curricular da pedagogia.
Fiz meu trabalho de
conclusão da graduação sobre as narrativas dos surdos nas produções acadêmicas
de mestrado e doutorado na Faculdade de Educação da UFRGS e
ano passado conclui uma especialização na área dos Estudos Culturais em
educação tendo como pesquisa final a temática do movimento surdo no Youtube.
Desde dezembro passado,
iniciei meu trabalho como intérprete de Libras nesta mesma universidade, que é
minha casa, onde construí muito do que minha vida é hoje e que seguirá sendo
meu lar ao menos nos próximos dois anos uma vez que passei no mestrado na linha
dos Estudos Culturais em educação tendo como orientadora novamente a professora
Lodenir.
É isso, minha vida nesta
área é cheia de acontecimentos, desafios... Gostaria de me inserir mais ainda,
participar mais ativamente da comunidade e das lutas surdas, mas vejo que na
vida temos que respeitar nossos processos, nosso próprio tempo, para que vá
construindo tudo sobre bases sólidas que sustentem as novas etapas. Espero que
tenha sido uma leitura agradável.
Para: R.Q.
Olá querida R.Q!
Primeiramente, gostaria de
te dizer o quando estou feliz por estar fazendo parte desta disciplina “Memórias,
Narrativas e Experiências na Educação de Surdos III”. Como não trabalho
diretamente com a educação de surdos, esta experiência está sendo nova e
cativante. Trabalho numa escola de ensino regular, no município de Gravataí,
nas séries iniciais do Ensino Fundamental Gostaria de compartilhar contigo, um
dos fatos atrelados à minha prática docente que me fizeram chegar até esta
disciplina, despertando-me o interesse pela educação de surdos...
Março de 2012
No início deste ano
letivo, na escola em que trabalho, algo chama atenção do grupo de professores
que dela fazem parte: ingressa, no primeiro ano do ensino fundamental, um
menino de 12 anos de idade, surdo. O fato causa bastante surpresa frente a
todos, pois mesmo sabendo que nossa escola atente inúmeros casos de inclusão,
entre eles o atendimento de crianças deficientes auditivas, mesmo sabendo que contamos
com o apoio de monitores em salas de aulas e também com professores
especializados para o atendimento em sala de recurso, sabíamos que este
ambiente, não era o mais indicado para o menino surdo que ali ingressara.
Não demorou muito para que
as dificuldades começassem aparecer para aquele aluno. Aquele era o primeiro
ano de escolarização de sua vida. Ele estava iniciando sua vida escolar aos 12
anos, sendo surdo, numa escolar regular de ensino e tendo como colegas, alunos
ouvintes com seis anos de idade. Além do mais, não havia nenhuma condição apropriada
para receber este menino. Na nossa escola, não possuímos intérpretes,
e mesmo que os tivéssemos, este aluno não tinha conhecimento da língua de sinais,
pois como havia mencionado, ele nunca frequentara uma escola antes.
Sendo assim, a inclusão
deste aluno nessa sala de aula regular de ensino se tornava inviável. O menino
surdo, além de não conseguir acompanhar a aula, não conseguia se comunicar com
seus colegas. Ele se comunicava por sinais com a professora, e quando o fazia,
geralmente, era para sinalizar o tamanho de seus colegas em comparação ao seu,
demonstrando que aquelas crianças eram todas menores que ele e que elas eram
ouvintes, e ele não.
A professora, sem
experiência na educação de surdos, tentava ensinar o português escrito para o
menino. Evidentemente, não havia sucesso em suas tentativas.
Depois de,
aproximadamente, um mês de tantas dificuldades, a família compareceu à escola.
A mãe relatou que o menino se sentia desmotivado para continuar frequentando a
escola, em virtude da diferença de idade em relação aos e da impossibilidade de
se comunicar com todos ali. Foi sugerido a esta mãe que o menino fosse
transferido para escola de surdos, situada no centro da mesma cidade.
Depois desse dia, o menino
não compareceu mais à escola de ouvintes.
Creio que esta história
nos possibilita pensar sobre algumas questões. A primeira delas é por que um menino surdo ingressou em uma
escola regular de ensino? O que
aconteceu para que o mesmo ficasse sem escolarização até os 12 anos de idade?
Histórias como essa, que retratam a
dificuldade de escolarização de pessoas surdas, são recorrentes? Afinal,
este fato ocorreu numa cidade da região metropolitana de POA, em uma cidade
onde existe uma escola para surdos. E como será que acontece nas cidades do
interior, onde se pode presumir que o acesso às escolas de surdos é mais
restrito?
Creio que questões como
essas merecem no mínimo ser discutidas.
No município de Gravataí, onde está localizada a escola cenário da
narrativa acima, há uma escola de surdos situada no centro da cidade, onde é
oferecido pela prefeitura, transporte gratuito para seus alunos. Os alunos
surdos matriculados na rede são, diretamente, encaminhados para essa escola.
Quando os alunos são considerados portadores de deficiência auditiva, permanecem
na rede regular de ensino e lhes é oferecido o atendimento em sala de recurso e
um monitor em sala de aula, quando necessário. No município, apenas dois alunos
surdos frequentam a escola de ouvintes, com o acompanhamento de intérpretes.
Segundo a coordenadora do Núcleo de Educação Especial do Município, esta
situação apenas ocorre em nível de ensino médio, pois o município não oferece
uma escola para surdos para essa etapa de ensino, havendo assim a necessidade
dos surdos serem incluídos em escolas comuns.
Creio que vários fatores podem ter levado esse
menino até a escola comum, o que pode ter lhe causado uma experiência
frustrante e até mesmo desmotivadora para sua aprendizagem. Me questiono se tal experiência não fora completamente
desnecessária na vida desse menino e se a mesma não poderia ter sido evitada.
Não estou com isso tentando encontrar culpados para o fato, simplesmente,
procuro aqui refletir sobre outras possibilidades que poderiam ter sido levadas
em conta para direcionar de forma mais apropriada esta situação.
Infelizmente, essa não é a
única história que tenho conhecimento de pessoas surdas que ficaram sem acesso
a escola ou tiveram um acesso tardio à mesma. Essa também não é a única
história de insucesso escolar envolvendo alunos surdos na escola regular da
qual fui informada. São histórias como essa, que nos suscitam pensar sobre a
visão que se tem tido com relação à educação de surdos e sobre os
encaminhamentos que têm sido dados a ela, a partir das políticas públicas, que
muitas vezes consideram a inclusão do surdo nas escolas comuns, como
possibilidade satisfatória para a aprendizagem dos mesmos. Histórias como essa
podem abrir espaços para discussões sobre uma educação de surdos que contemple
de forma mais ampla os interesses e as necessidades dos mesmos.
Abraços, T.M.
Para:
P.V.
Olá P.V.!
Te conheci na nossa segunda aula em
algumas palavras da Professora Adriana. Acredito que pelo motivo de você estar
envolvida com as questões da surdez, poderemos ter muitas coisas em comum.
Falarei um pouco de minha
história/trajetória acadêmica e profissional.
Sou Raquiel, tenho 33 anos, casada, sou
do interior, da cidade de Santo Antônio da Patrulha.
Vou trazer um lembrança, que me
significou muito em minha vida, que é 20 anos atrás na cidade de Santo Antônio
da Patrulha, poucas mulher trabalhavam fora de casa, mulher era educada para
cuidar da casa, dos filhos e do marido.
É pouco tempo, mas realmente era
assim e talvez possa me atrever a dizer que ainda é. Fato esse, que tenho como
exemplo que, quando falei para minha mãe que iria estudar para poder ser
professora, ela me perguntou: “Como minha filha que você vai estudar e
trabalhar? Quem irá cuidar de seus filhos?”
Normalmente, as pessoas fazem suas
escolhas profissionais por que, de uma forma ou de outra, essas escolhas têm
muito a ver com sua história de vida. Minha escolha profissional foi assim,
ligada essencialmente a uma história de vida.
O fato de crescer vendo minha mãe
cuidando da casa, dos filhos e não sendo valorizada e ao mesmo tempo, vendo algumas
poucas professoras trabalhando, tendo sua independência, fez com que eu tivesse
mais vontade ainda de estudar, trabalhar e conquistar minha independência.
Quando concluí o Ensino Fundamental,
antes primeiro grau, fui fazer magistério. Precisava fazer um teste vocacional
para ingressar na escola, pois as irmãs religiosas da escola, falavam que
estavam formando muitos/as alunos/as sem “vocação” para tal, por isso a
necessidade do teste para o ingresso.
Realizei então o teste, para minha
surpresa, foi negado, me justificando que meu teste havia como resultado a área
das artes, não podendo então cursar o magistério.
Cursei Técnico em Ciências Contábeis,
com dificuldade, pois na época minha mãe não queria que eu cursasse o referido
curso, pois era um curso noturno, onde somente meninos cursavam.
Quando concluí o Ensino Médio/Curso
Técnico em Ciências Contábeis, antes segundo grau, fiz o vestibular para
Pedagogia e comecei então a cursar
No mesmo semestre, abriu contrato
emergencial na cidade para trabalhar em séries iniciais. Me inscrevi e fui
chamada no mesmo mês. Fique surpresa, pois estava cursando o primeiro semestre
da faculdade.
Muito Feliz, me apresentei no dia e
hora agendada, quando me informaram: “Você irá trabalhar numa escola de
Educação Inclusiva.” Não sabia o que era, pois tinha o entendimento que pessoas
deficientes iriam para a APAE.
Soube então, que fui chamada, pelo
motivo que nenhum/a professor/a havia aceitado o convite.
Assumi a primeira série e no meu
primeiro dia, antes mesmo de conhecer os educandos a professora me apresentou
cada aluno, através de pareceres descritivos, sobre o olhar dela.
Dentre os “pareceres”, continha um em
que a professora destacou, o qual se referia a um aluno surdo: “B... é um aluno
“surdo e mudo”, mas não se preocupe, pois é somente falar bem alto de frente
para ele que ele entende muito bem e não “incomoda”nada.
Nesse mesmo semestre tive a sorte de
ter como professora na graduação, a Professora Maura Lopes Corcine, onde em uma
de suas aulas, falava e dava exemplos de crianças surdas.
No mesmo dia, ao final da aula, fui
ao seu encontro, saber mais sobre tal assunto que por mim totalmente
desconhecido.
Explicou-me algumas coisas
rapidamente e falou que seria necessário conhecer a Língua Brasileira de
Sinais-LIBRAS, orientou ainda em quais locais poderia encontrar cursos de
LIBRAS e fui nesses locais.
Iniciei o Curso de LIBRAS na
FADERS/RS no turno da tarde, trabalhava com a 1° série pela manhã e tinha aula
na UNISINOS a noite.
Estava me realizando, pois o aluno B...
estava aprendendo, aprendíamos juntos, aprendia e o ensina. Foi quando um
determinado dia, chegou na escola a Supervisora Pedagógica, Direção, Psicóloga,
Fonoaudióloga e a mãe do aluno Bernardo me dizendo que eu não poderia mais usar
as mãos para me comunicar com ele, pois eu estava fazendo com que ele não
quisesse mais falar, não queria mais aprender a falar.
Não tive argumento, concordei e falei
que não usaria mais LIBRAS, mas não foi verdade, voltei nos dia seguintes
acordando com B... que iríamos continuar usando LIBRAS e ele iria na
Fonoaudióloga.
Chegou ao final do ano, exigiram que
fosse “aplicada uma prova” da Secretária da Educação, onde B... não conseguiu
realizá-la.
Neste momento, soube que essa
experiência estava sendo o início de uma caminhada.
Queria muito trabalhar com surdos,
foi quando a professora Maura me orientou a procurar uma secretaria da Educação
onde tivesse Atendimento na área da Educação Especial, pois não poderia
trabalhar em escola, por que não havia formação. Procurei a Divisão de Educação
Especial do Estado do Rio Grande do Sul e em 1999 comecei a trabalhar como
estagiária.
Em 2001 concluí minha graduação realizando meu
Trabalho de Conclusão de Curso com uma pesquisa de pareceres pedagógicos de
professores ouvintes sobre alunos surdos, tendo como Título “Representações do
Professor Ouvinte sobre o aluno Surdo”.
Concluindo a Graduação iniciei o
curso de Tradutor Intérprete de LIBRAS e logo a Pós em Educação Especial: Surdez,
foi quando comecei como Técnica em Educação na área da surdez na Secretaria da
educação e concomitante comecei também a
trabalhar como Intérprete de LIBRAS na ULBRA/Canoas e em 2003 fui Coordenadora
Adjunta da Divisão de Educação Especial/SE/RS.
Foi um período de muita aprendizagem,
uma experiência riquíssima, pois tive oportunidade de participar de Encontros,
Seminários, discussões, realizando Cursos na área da Educação de Surdos,
podendo estar mais próxima da comunidade Surda, conhecendo o funcionamento das
escolas de surdos, a diferença das escolas do interior e da capital e região
metropolitana, as cidades onde havia/há escola de surdos e onde não havia/há. Conseguimos grandes avanços na área da surdez.
Conseguimos organizar cursos de LIBRAS e Instrutores de LIBRAS em todas as
coordenadorias Regionais de Educação-CRE e foi possível também formar
professores na área da Educação Especial: Surdez de cada CRE do Estado do RS.
Em 2006, precisei pedir demissão da
ULBRA para representar o Brasil em um projeto onde o Japão estava selecionando
uma pessoa de cada País para compor o grupo de discussões para o reconhecimento
e autorizações das escolas brasileiras, argentinas, uruguaias, paraguaias,
peruanas, bolivianas, colombianas e chilenas.
Começamos o trabalho primeiramente
conhecendo todas as escolas de ensino comum e especial, de educação infantil ao
ensino médio, para então começarmos a entender a legislação de cada País e poder
construir um documento norteador para os seus projetos políticos pedagógicos.
Construímos nossos Projetos Políticos
Pedagógicos, metas de trabalhos e uma nova construção de escolas no Japão.
Esse trabalho se estende até o
momento, pois é um trabalho também de acompanhamento.
A experiência de poder trabalhar,
estudar, morar no Japão foi/é riquíssima, pois aprendi/do muito.
A Educação no Japão possui uma
estrutura ótima, onde todo/a aluno/a possui total direito a educação com
qualidade.
Estando no Japão pude estudar e
conhecer um pouco mais sobre a cultura. Em 2010 comecei a fazer o mestrado na
Faculdade de Leon, em Leon na Espanha, tendo como minha orientadora a Dra.
Noboru Mori que também trabalhávamos juntas no Japão. As aulas aconteciam no
mês de julho e janeiro e nos demais meses a distância.
A experiência foi ótima, mas estava
indo ao desencontro do que acreditava/acredito, as leituras orientadas não
condiziam/condizem com o que procuro, então pensei em voltar estudar no Brasil
para que eu pudesse estar com meus pares.
Em outro momento poderei estar
falando um pouco mais sobre essa experiência.
Em 2011, retornando de fato, iniciei
o trabalho como Coordenadora Pedagógica dos Cursos de Pós Graduação do Sistema
Educação Galileu-SEG, onde organizamos a implantação do Curso de Pós Graduação
de Tradutor Intérprete de Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS e Cursos de
LIBRAS.
No mesmo ano, comecei a lecionar a
disciplina de LIBRAS para o Curso de Magistério do Instituto Estadual de
Educação Flores da Cunha.
Ao final dessa carta, percebo que,
contei minha formação e experiências na área da educação dos surdos, mas foi o
aluno B... que me trouxe as inquietações que me “alavancaram”, me impulsionaram
em direção ao desafio de querer conhecer, aprender sobre a educação e a cultura
surda.
Espero que nosso semestre seja muito
gostoso com muitas discussões e trocas.
Abraços!
R.Q.
Para: C.S.
Oi C.S!
Que
enorme responsabilidade escrever para ti.
Não
tenho muita experiência na área da educação de surdos, mas vou te contar um
pouquinho de mim para você saber como cheguei aqui.
Nasci
no interior, Encruzilhada do Sul, lá cresci em meio a muitas brincadeiras de
rua, jogava bola, vôlei, taco, pulava fogueira e também brincava de boneca.
Tive uma infância muito boa, com muitos amigos e primos.
Quando
tinha 17 anos fui morar em Curitiba com meu pai, lá conclui o ensino médio e
fiz cursinho pré-vestibular. Retornei a Porto Alegre para fazer o vestibular,
mas um imprevisto me impediu de chegar até o local da prova. No ano seguinte voltei em definitivo para o
Rio Grande do Sul e comecei a trabalhar, casei e minha filha nasceu. Precisei
adiar um pouco a minha entrada na universidade. Já nem acreditava mais que
conseguiria, quando em 2011 fiz o vestibular e passei para o curso de pedagogia
na Ufrgs.
Na
minha primeira aula de Educação Especial, lembro da Professora Adriana Thoma
perguntando qual era a expectativa que cada um tinha em relação a disciplina.
Alguns responderam que não esperavam muito, porque não era a sua área de maior
interesse, já para mim, era ali que estavam depositadas as maiores pretensões.
Me
inscrevi para monitoria de Educação Especial onde participei da organização do curso
memórias e passei a conhecer de perto a realidade dos surdos. No inicio tinha
muita dificuldade e receio de me comunicar, confesso que ainda hoje me sinto
insegura.
No
semestre passado, enquanto era monitora, participei do curso de capacitação em
libras para os funcionários da Ufrgs. Esse curso foi muito importante no meu
processo de formação, principalmente quando, com o grupo, fizemos uma visita na
escola Salomão Watnik, e ali tive a certeza de que estou
no caminho certo.
Nessa
visita, a escola e a importância da educação bilíngue nos foram apresentadas.
Depois fizemos uma caminhada pelos espaços da escola. Pude observar as crianças
brincando, interagindo de forma muito positiva. Lembro que saí dali,
conversando com outro colega, feliz em saber que é possível sim, fazer algo
diferente e contribuir para uma melhor educação de crianças tão “especiais”.
O
meu interesse e vontade de aprender só fez crescer e hoje faço parte do grupo
SINAIS onde participo da pesquisa Políticas
educacionais e linguísticas como estratégias de governamento dos sujeitos no
campo da educação de surdos.
Abraço com carinho
P.V.
Para:
B.A.
Oi,
Sou L.S. Tenho 39 anos, sou natural de Belém do Pará, sou casada com um gaúcho
e mãe de duas lindas criaturas de Deus, o L e a LA. Moro aqui no sul desde 1999.
Durante toda a minha vida fui professora e durante toda a minha infância eu
brincava de dar aulas para boneca, para as irmãs menores, para os vizinhos e
sonhava em um dia ter minha própria sala de aula. Aos 14 anos passei pela
experiência de ser professora substituta no turno oposto da escola em que eu
estudava para cobrir a licença maternidade da professora da 3 série. Era para
ser uma semana e foram 6 meses.Foi encantador porque no início eu sempre
começava a aula avisando que a professora titular já estava a caminho e todos
diziam ehhhhh! Mas com o passar do tempo eu começava com boa tarde e se alguém
perguntava quando vinha a professora titular eu dizia que não sabia eles
gritavam e diziam ehhhhh! Isso me confortava, pois eu mesma não sabia se estava
fazendo a coisa certa. Eu seguia meus instintos, planejava respeitando os
planos auxiliares deixados em forma de tópicos pela professora antes de sair da
licença, mas principalmente eu respeitava as crianças. Como eu não era a
professora titular e a escola estava passando pela grande dificuldade de conseguir
uma professora substituta, era ótimos que os pais não estavam reclamando da
aula, alunos não estavam faltando e a turma tinha atividades de artes e
educação física. Eu me baseava nas atividades que eu tive na escola e que eu
considerava muito legal. Ensinava na maioria das vezes da forma como tinha
aprendido e aproveitava minhas dificuldades para tentar amenizar as
dificuldades deles (matemática...). Brincávamos muito e fazíamos trabalhos com
argila e pintura com tintas, o que é pouco comum na 3º série. No fim do ano em
meio a muitas lágrimas e presentes nos despedimos. Foi tudo que eu precisava
para ter certeza que ser professora era a minha escolha. Após o magistério
comecei a faculdade em Pedagogia e fui trabalhar em uma escola particular da
rede SINODAL muito conceituada na minha cidade. Nesta escola tive mais um
grande desafio, um aluno surdo. Ele era negro e mesmo sendo adotado era muito
amado e filho de uma família tradicional da cidade. Sua mãe era muito dedicada,
advogada e estava ali para garantir que seu filho não só tivesse uma educação
de qualidade, mas, principalmente fosse aceito pela sociedade. Mesmo sabendo
que nossa escola não tinha professores especiais para atendê-lo, acreditava-se
que ainda era a melhor opção. Naquela época eu nem conhecia LIBRAS, mas a mãe
do meu aluno viajou até para fora do país e de três em três meses viajava e
participava de cursos e em muitos momentos fui para casa deles e aprendi muitos
sinais me tornando na escola uma referência para ele e um elo de comunicação
dele com outros professores e colegas. Foi uma experiência incrível em nossas
vidas (na minha e na dele) e depois de dois anos a família mudou para São Paulo
e eu casei e vim para o Rio Grande do Sul. Assim depois de casada, vim passar
férias na casa dos familiares do meu marido, na época. Estava maravilhada com a
beleza do lugar e estava no berço da
educação de qualidade considerada em todo país como sendo o referencial em
educação. Depois de descobrir repentinamente que não íamos mais voltar e
começar a trabalhar nas escolas de Campo Bom, tive uma colega que me falou do
curso de LIBRAS da UNISINOS. Fui para assistir uma aula e fiquei três anos. Me
apaixonei pelo André, pela Ana Luiza, pelo Augusto, pela comunidade surda. Comecei
em 2002 a trabalhar na APADA de Sapiranga onde estou até hoje. Nesse meio tempo
sempre estou buscando me atualizar, fazer cursos, ler livros e principalmente
manter contato com alunos surdos. Hoje estou concluindo o curso de Tradutor
Intérprete em Língua de Sinais no Lasalle - Canoas e já fiz o curso de
Instrutor, capacitação de professores para alunos surdos e já trabalhei como
Intérprete em palestras e oficinas na FACCAT, no SENAI em outros lugares
também. Hoje penso que a estamos em um mundo bem mais acessível, com mais
oportunidades para o SUJEITO SURDO o que não acontecia há tempos atrás. Tenho
consciência de que ainda temos muito a cobrar, a exigir, a protestar, mas hoje
pelo menos se fala abertamente dos direitos, das políticas que precisam sair do
papel e no momento em que vejo meus alunos trabalhando, meus alunos na
universidade sei que toda a luta é válida pois isso parecia tão distante que fico ao mesmo
tempo que feliz por tudo e todas as conquistas, fico impulsionada a buscar mais
e mais colocando sempre minhas expectativas como motivação. O mestrado para mim
é uma forma de organizar, filtrar, compartilhar e principalmente me apropriar,
me aprofundar mais em estudos já realizados e participar de outros que vão
contribuir de forma significativa na qualidade de vida desses sujeitos que hoje
buscam um espaço que lhes é de direito e que vem sendo negligenciado por uma
série de motivos. Certamente tenho muitos episódios para contar em relação a
caminhada com os surdos e a Língua de Sinais na minha vida mas vamos deixar
para um segundo momento.
Querida
colega, espero que essa carta seja apenas uma ponta da linha que vai a partir
de agora unir nossas histórias...
costurar nossas vidas.
Um
abraço.
Para: J.P.
Querida amiga quase secreta, J.P!
Inicio
a carta com "querida amiga" por que já a considero com certa
intimidade. Estar num mesmo espaço dividindo um momento muito especial,
discutir, problematizar e socializar sobre a educação de surdos me faz sentir
próxima das pessoas que se interessam pelo assunto, fazendo com que o tempo, a
distância ou o falta do contato, “de um olá muito prazer" não faz a menor
diferença, se está aqui na mesma experiência que eu é por que gosta daquilo que
gosto, portanto temos os mesmos interesses e por isso já considero uma querida
amiga!
O "quase secreta" se trata do nosso último
encontro na aula, que pude conversar informalmente contigo, não és mais
secreta! Fico feliz por estar escrevendo para ti e logo entenderá o motivo!
Bom, direcionando ao da proposta foco, digo que ao me
deparar com os desafios que o seminário propôs tive um pouco de resistência ao
escrever sobre a minha experiência com a educação de surdos, isso porque nunca
tive uma experiência direta com alunos surdos. Fiquei um pouco insegura por
acreditar que não teria muito sentido para quem l^sse as minhas experiências.
Antes de retirar o papelzinho da dinâmica, reportei o pensamento em algumas
experiências e lembrei-me de algumas histórias e principalmente em relação à
minha história com os surdos para pensar em algo interessante que pudesse ser
divida. Lembrei então de uma que, por sorte acho que te causar alguma
curiosidade, pelo fato de trabalhar como intérprete!
Como disse no primeiro dia de aula, sou filha de surdos.
E meus pais sempre nos participaram (eu e minhas irmãs) e fazendo muita questão
da nossa presença em suas vidas, social junto à comunidade surda, nas festas,
casamentos, aniversários, nos eventos, na colônia de férias, reuniões e cursos
de Libras. Nossos amigos, a nossa turma de amigos sempre foram de surdos ou dos
filhos de surdos, até hoje. Nossas vidas giravam em torno e junto da vida dos
surdos. E muitas questões sobre vários assuntos apareciam a todo instante
principalmente em relação à educação, da minha mãe, do meu pai, e dos meus
amigos.
Com a minha
história pessoal com os surdos e meu envolvimento com aquilo que era importante para meus pais,
também apareciam as cobranças em relação à eu ser intérprete. Por quê? Porque
que t.odo filho de surdo tem que ser intérprete? Naquele tempo parecia regra
Aquelas cobranças não só por parte deles, dos surdos, mas de toda sociedade me
incomodavam profundamente. Ser intérprete, dos meus pais numa situação, é uma
coisa, agora num evento, numa reunião, profissionalmente ah não... é muita
responsabilidade.
Nunca tive uma relação muito legal com a fala, me
atrapalho, fico nervosa, entendo errado, imagina interpretando a de outro
alguém, não conseguiria. Gosto de conversar, mas o público me assusta, não
gosto nem de me apresentar para um grupo relativamente grande como o nosso, (do
seminário) tenho vergonha e meus pais nunca entendiam isso, acabei me travando
cada vez mais cada vez que precisavam de mim eu sumia. Mesmo assim, na falta de
alguém, ia lá interpretar o que alguém dizia ou ser a voz de quem precisava ser
ouvido, a Paula estava pronta para quebrar um galho, e cada vez mais eu me
indignava com a falta de seriedade das pessoas com a figura do intérprete. O
tempo foi passando, os cursos surgiam, a Língua de sinais sendo disseminada, os
intérpretes aparecendo. Isso década de 90.
No ano de 1995 mais precisamente quando entrei no
ensino Médio de uma Escola particular de Santa Maria,RS quando ainda se falava
em integração(acho) e logo depois em inclusão, uma novidade, eis que três
surdos se matriculam na minha escola, um surdo oralizado e usuário de aparelho
auditivo e os outros dois usuários da Libras. Claro que os dois alunos usuários
de libras por ter um contato prévio comigo foram cair na minha turma! Amei, os
dois já eram meus amigos, e eu como aluna nova tinha dois conhecidos no primeiro dia de aula, hoje entendo a situação
da escola em colocá-los na minha turma. Não preciso te contar Juliana, como foi
o nosso primeiro dia de aula, tu já imagina né? Todos olhares em nós,
principalmente neles....
Foi passando o tempo as aulas seguiam seu fluxo quase
normal, pois tinham dois seres estranhos na sala. E as barreiras da comunicação
aparecendo e a Paula para quebrar o galho. Quebrando o galho eu me perguntava
de que "diabos" de inclusão, integração que falam? Como uma escola
aceitam dois alunos surdos sem intérepretes, numa escola e paga, ainda? Assim com esse olhar de indignação para uma
escola que oferece uma estrutura sem estrutura que eu olhava para os meus colegas
e via que nada valia, que tudo o os professores diziam não passava de
movimentos labiais. E eu me sentia mal com aquilo e tentava passar tudo aquilo
que eu entendia para eles, tudo o que estava no meu alcance eu participava os
dois, mesmo sabendo que não bastava. Aí cada vez mais eu me envolvia com as
questões de interpretação.
Lembrando que naquele ano não se falava em
oficialização da língua ou na figura do intérprete, bastava conhecer um
pouquinho da língua" já quebrava o galho".
Um dia a mãe de um dos alunos foi até minha casa e
pediu que eu interpretasse as aulas todos os dias e que assim ela conseguiria
uma bolsa na escola. Meu pai amou a ideia de não pagar mensalidade e eu
continuar fazendo o que já estava fazendo. Bah Juliana, alí apareceu a minha
primeira e única experiência como intérprete. Amei, eu ficava a manhã inteira
traduzindo para eles, lá na frente num cantinho da sala. que cansaço, mas eu só
sentia quando chegava em casa, lá na aula eu estava realizada. Batia de frente
com alguns professores, que esqueciam dos dois e passavam alguns exemplos
grosseiros como um que nunca esqueci, numa frase na aula de português: "
ele é tão surdo como uma porta" coisas assim, e eu me indignava, ou não
explicavam direito... bom, resumindo a minha história, naquele primeiro ano fui
super mal na aula eu e eles! e a
professora, orientadora educacional, chamou minha avó, por que não entendia meu
pai, e disse que eu estava sendo prejudicada e por isso me trocariam de turma.
Tiraram-me do contato matavilhoso com os surdos e ainda colocaram a culpa
neles. A culpa de eu não estudar em casa (Risos) a culpa era minha, eu cansava
mesmo e não estudava em casa por outros motivos e isso acarretou um problemão,
pq acreditava-se que era ao fato de me dispersar com eles. A mãe do aluno que sugeriu a interpretação
insistiu e disse te pago um salário mínimo para ti ir todos os dias na minha
casa ensinar o “fulano” o que foi dado em aula. Aceitei, o desafio organizado
uma forma que contemplasse os dois (três na realidade ) lados passei sendo a
intérprete oficial da escola eventualmente e professora particular do meu
colega em casa. Ali, eu me interessava em aprender mais para poder ensinar, ia
com sol e chuva e ficava a tarde inteira e assim eu cada vez mais ia tendo mais
contato e as primeiras noções sobre a cultura surda e era bem melhor
compreendida em casa.
As inquietações e as questões sobre a forma de
educação de surdos e a escolha pela minha profissão sem dúvidas nenhuma
iniciaram com essa experiência.
Bom, para ilustrar e encerrar, o fim da história, ou o
começo de outras, fiquei os dois anos seguintes, estudando com ele em casa,
consciente que o papel socializador da escola tinha ficado para segundo plano,
que as experiências dele aí não faziam muito sentido, que ele precisava mesmo
era do certificado de conclusão. Resumindo, ele passou no vestibular e eu não!
Depois o acompanhei por um período na faculdade, e depois ele desistiu e se
encontrou num outro curso, onde não precisou mais de intérprete! Atualmente
mantenho contato com essa família, acompanho todos casamentos e separações desse meu amigo, e alguns
conflitos no campo profissional!
Da experiência, ficou o meu respeito e admiração pela
figura do intérprete. Não é uma profissão para qualquer um! Fico feliz pelas
conquistas do espaço desse profissional capacitado na sociedade e acredito cada
vez mais na educação bilíngue para surdos, na escola de surdos, nas pesquisas,
nos grupos que discutem a educação de surdos, na educação que os surdos querem,
na inclusão que os surdos querem e principalmente nas lutas e conquistas que
estamos vivenciando com os surdos!
No mais era isso, agradeço o tempo dedicado a minha
leitura e espero estreitar laços com este encontro!
Um grande abraço, P.S.
Para: L.S.
Querida L!
Que bom que sorteei você, pois estamos no mesmo “barco”, ou seja, lutando pelas
causas surdas. É muito bom compartilhar com você sobre minha formação e experiências na
área da educação de surdos. Ao longo da minha vida, pela minha criação familiar, educação e
trabalho, adquiri traços identitários, sou surda, mulher, gaúcha, brasileira, educanda,
educadora, pesquisadora e ativista. Todos esses fazem parte do meu contexto histórico
antropológico que contribuíram para minha construção linguística, cultural, política e social.
Durante a alfabetização, estava na escola dos surdos, lembro muito bem que me
ensinaram através de materiais visuais, me ensinavam como escrever alfabetos, mas cresci
tendo escrita diferente de português, pois sinalizava através da minha língua, Libras, e
escrevia com estrutura dessa língua, que é diferente da estrutura do português. Foram
tantos anos de leitura e escrita para chegar a escrever na estrutura do português. E
quanto ao letramento, tive a maior oportunidade de entrar no mundo da internet, que usava
constantemente mantendo contato com amigos pelo ICQ, MIRC, MSN. Ler romances
também era meu passatempo favorito. Os livros que mais lia eram os de Daniele Steel e
Sidney Sheldon. Confesso que tenho o meu jeito sonhador e romântico e tenho quase toda a
coleção da Daniele Steel, pois ela é, na minha opinião, uma das melhores romancistas de
nossa época.
Tudo isso me fez querer ser professora de português e colaborar para que outros
alunos surdos possam entrar no mundo maravilhoso das letras, palavras, frases, significados
e sentimentos. Decidi seguir firme com essa decisão, prestei vestibular para o Centro
Universitário La Salle- UNILASALLE – Canoas/RS e fui aprovada, iniciando o curso
Letras/Literaturas em 2004. Foram quatro anos maravilhosos, com muito estudo e sucesso
nas minhas aprendizagens e nos meus ensinos.
Mas nada se compara com o ano de 2006, em que entrei no polo da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) no curso de Letras/Libras/Licenciatura (Matriz de UFSC-
Universidade Federal de Santa Catarina). A minha formação aconteceu no verão de 2011 e
minha grande alegria foi chegar com 53 colegas surdos recebendo o canudo. Gostaria de
registrar aqui o quanto „evolui‟ nesse espaço tão importante, pois a instrução foi no ensino
bilíngue, em que se priorizava o conhecimento, primeiro, através da Libras, e por meio dela
o conhecimento da leitura e escrita da Língua Portuguesa.
Durante meu trabalho na área de Língua Portuguesa e Libras, acredito que você
também vivenciou essas experiências bilíngues e sabemos que o surdo adquire naturalmente através de Libras, através dessa instrução aprende a Língua Portuguesa como segunda
língua.
Tive experiências riquíssimas, tanto no ensino de Língua Portuguesa para surdos
como de Libras para ouvintes em que destaco a seguir algumas das áreas e instituições.
Lecionei LP e Libras nos cursos do Projeto Rumo Norte, trabalhei como professora
voluntaria de LP na Escola Padre Réus, trabalhei nos cursos de Libras em diferentes níveis
através da FENEIS, também fui professora substituta nas disciplinas de Libras da UFRGS,
sou professora de Libras no pós-graduação de professores e intérpretes de Libras na
Uníntese em diferentes polos, leciono linguística aplicada da Libras nos cursos de
capacitação para instrutores de Libras e para intérpretes de Libras no
UNILASALLE/Canoas e atualmente sou professora concursada no IFRS onde trabalho com
as duas línguas. Todo o meu trabalho é voltado para uma perspectiva cultural bilíngue onde
os surdos aprendem a LP como segunda língua e os ouvintes aprendem Libras como segunda
língua.
Sabe Lúcia, alguns pensam, ou se perguntam, ou ficam comentando algo assim:
"Surdo escreve mal....surdo escreve errado...". ISSO É EQUIVOCO!!! Ele escreve
DIFERENTE e possui escrita com as mesmas características de outros estrangeiros que
aprendem a Língua Portuguesa como segunda língua....Como os surdos podem aprimorar a
escrita de LP? pelo contato com a leitura e a escrita, com a mudança da metodologia
docente. Da mesma maneira que a aprendizagem dos ouvintes da segunda língua em Libras,
eles vão ampliando vocabulário dessa língua através de cursos, leitura e escrita através de
vídeos, principalmente contato com surdos.
Por isso vamos continuar navegando em nosso barco neste oceano chamado lutas
surdas, sabemos que ainda existem muitas lacunas para preencher juntamente com outros
surdos, professores, interpretes, pesquisadores e ativistas.
causas surdas. É muito bom compartilhar com você sobre minha formação e experiências na
área da educação de surdos. Ao longo da minha vida, pela minha criação familiar, educação e
trabalho, adquiri traços identitários, sou surda, mulher, gaúcha, brasileira, educanda,
educadora, pesquisadora e ativista. Todos esses fazem parte do meu contexto histórico
antropológico que contribuíram para minha construção linguística, cultural, política e social.
Durante a alfabetização, estava na escola dos surdos, lembro muito bem que me
ensinaram através de materiais visuais, me ensinavam como escrever alfabetos, mas cresci
tendo escrita diferente de português, pois sinalizava através da minha língua, Libras, e
escrevia com estrutura dessa língua, que é diferente da estrutura do português. Foram
tantos anos de leitura e escrita para chegar a escrever na estrutura do português. E
quanto ao letramento, tive a maior oportunidade de entrar no mundo da internet, que usava
constantemente mantendo contato com amigos pelo ICQ, MIRC, MSN. Ler romances
também era meu passatempo favorito. Os livros que mais lia eram os de Daniele Steel e
Sidney Sheldon. Confesso que tenho o meu jeito sonhador e romântico e tenho quase toda a
coleção da Daniele Steel, pois ela é, na minha opinião, uma das melhores romancistas de
nossa época.
Tudo isso me fez querer ser professora de português e colaborar para que outros
alunos surdos possam entrar no mundo maravilhoso das letras, palavras, frases, significados
e sentimentos. Decidi seguir firme com essa decisão, prestei vestibular para o Centro
Universitário La Salle- UNILASALLE – Canoas/RS e fui aprovada, iniciando o curso
Letras/Literaturas em 2004. Foram quatro anos maravilhosos, com muito estudo e sucesso
nas minhas aprendizagens e nos meus ensinos.
Mas nada se compara com o ano de 2006, em que entrei no polo da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) no curso de Letras/Libras/Licenciatura (Matriz de UFSC-
Universidade Federal de Santa Catarina). A minha formação aconteceu no verão de 2011 e
minha grande alegria foi chegar com 53 colegas surdos recebendo o canudo. Gostaria de
registrar aqui o quanto „evolui‟ nesse espaço tão importante, pois a instrução foi no ensino
bilíngue, em que se priorizava o conhecimento, primeiro, através da Libras, e por meio dela
o conhecimento da leitura e escrita da Língua Portuguesa.
Durante meu trabalho na área de Língua Portuguesa e Libras, acredito que você
também vivenciou essas experiências bilíngues e sabemos que o surdo adquire naturalmente através de Libras, através dessa instrução aprende a Língua Portuguesa como segunda
língua.
Tive experiências riquíssimas, tanto no ensino de Língua Portuguesa para surdos
como de Libras para ouvintes em que destaco a seguir algumas das áreas e instituições.
Lecionei LP e Libras nos cursos do Projeto Rumo Norte, trabalhei como professora
voluntaria de LP na Escola Padre Réus, trabalhei nos cursos de Libras em diferentes níveis
através da FENEIS, também fui professora substituta nas disciplinas de Libras da UFRGS,
sou professora de Libras no pós-graduação de professores e intérpretes de Libras na
Uníntese em diferentes polos, leciono linguística aplicada da Libras nos cursos de
capacitação para instrutores de Libras e para intérpretes de Libras no
UNILASALLE/Canoas e atualmente sou professora concursada no IFRS onde trabalho com
as duas línguas. Todo o meu trabalho é voltado para uma perspectiva cultural bilíngue onde
os surdos aprendem a LP como segunda língua e os ouvintes aprendem Libras como segunda
língua.
Sabe Lúcia, alguns pensam, ou se perguntam, ou ficam comentando algo assim:
"Surdo escreve mal....surdo escreve errado...". ISSO É EQUIVOCO!!! Ele escreve
DIFERENTE e possui escrita com as mesmas características de outros estrangeiros que
aprendem a Língua Portuguesa como segunda língua....Como os surdos podem aprimorar a
escrita de LP? pelo contato com a leitura e a escrita, com a mudança da metodologia
docente. Da mesma maneira que a aprendizagem dos ouvintes da segunda língua em Libras,
eles vão ampliando vocabulário dessa língua através de cursos, leitura e escrita através de
vídeos, principalmente contato com surdos.
Por isso vamos continuar navegando em nosso barco neste oceano chamado lutas
surdas, sabemos que ainda existem muitas lacunas para preencher juntamente com outros
surdos, professores, interpretes, pesquisadores e ativistas.
Abraços sinalizados, C.S.