quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Da Janaína para Cáudia Fialho


Por vezes fiquei a pensar como iniciaria esta carta. Então decidi, que o melhor jeito seria contando como iniciei na educação de surdos.

Na verdade meu caminhar como educadora é muito curto, mas intenso.Comecei a lecionar em abril de 2007, após ter sido aprovada em um concurso público realizado pela prefeitura de Guaíba. Na ocasião de minha nomeação, comecei a lecionar para crianças ouvintes, de uma 2ª série na periferia de Guaíba. Enquanto lecionava para as crianças ouvintes, pensava em todo momento nas crianças surdas de uma classe especial que havia em uma escola do município.

O que era comentado por toda parte, é que não havia pessoas capacitadas para trabalhar com essas crianças. De certo modo, me sentia muito desvalorizada, pois conheço a língua de sinais desde os meus dezessete anos. Os primeiros alunos desta escola foram e são meus amigos desde adolescência. Sendo formada em pedagogia educação infantil e séries iniciais, tendo o curso de capacitação na área da surdez e atuando como intérprete de Libras me achava um desperdício na classe regular.

Apesar de pensar assim, nunca me manifestei a fim de trocar de escola, isto ficou a cargo de minha supervisora. A mesma sempre dizia, que a escola de classe especial precisava muito de mim. E que se dependesse dela, faria de tudo para que eu fosse para esta escola denominada de Darcy Berbigier. A mesma estaria passando por um momento de mudança no seu quadro de Rh no que se diz respeito à educação de surdos, pois eram os mesmos professores há quase 20 anos.

Chegando o fim do ano letivo de 2007, fui convocada para uma reunião na prefeitura, onde me propuseram o trabalho com surdos. No momento o meu coração se encheu de alegria e mais tarde veio o medo e anseios por exercer uma atividade completamente nova daquela que vinha fazendo até momento.

Iniciado o ano letivo de 2008 tive o primeiro contato com aqueles que viriam a ser meus alunos. A realidade da escola era bem diferente daquela que eu estava acostumada a lidar.Classes multi-seridadas, escola de ouvinte com classe especial para surdos. A turma está dividida em dois grupos A e B. A turma A é os alunos dos 1º, 2ºanos e 1ª e 2ª séries. Turma B é os alunos da 3ª e 4ª séries. No primeiro contato, percebi que cada criança estava numa faze do desenvolvimento e do conhecimento diferente. Levei um choque!

Mesmo assim, levantei minha cabeça e resolvi continuar. Afinal de contas, imaginando eu, o maior problema seria a barreira lingüística. Como eu tenho fluência na língua de sinais...O resto construiríamos juntos.

No decorrer da minha prática de ensino, vim a descobrir que o menor problema dos meus alunos é a surdez. Uma vez que muitos deles tem associada à surdez dificuldades de aprendizagens, problema motor, extrema pobreza cultural e lingüística, atraso no desenvolvimento cognitivo, alunos com dezesseis anos de idade com idade mental de seis, Sete anos, síndromes não diagnosticadas, obsessão por determinados objetos, abuso sexual e violência doméstica.

Dos dez alunos que iniciaram o ano letivo, dois abandonaram a escola, a família pensa não valer a pena investir. Dos outros oito, só dois se caracterizam por apresentar apenas surdez. Diante deste contexto o meu orgulho se quebra e percebo que a fluência em língua de sinais é o mínimo que devo ter.

No decorrer do ano letivo as dificuldades foram aumentando e com elas o meu sentimento de impotência, incapacidade diante de tantas dificuldades.

Além das dificuldades já citadas, há uma aluna que mora em um a cidade do interior próxima a Guaíba, ela viveu grande parte da sua vida sem contato social, trancada dentro de casa como um animalzinho de estimação. Sem interação social, sem língua, sem identidade. Quando vai ás aulas perturba o tempo todo, bate, grita se arrasta no chão feito cobra, joga o que encontra pela frente no chão e nos colegas e professores. Fica na defensiva, como um selvagem pronto para atacar a qualquer manifestação externa.

Sinto, que os planos de aulas, que o conteúdo adaptado ocupa um espaço importante, mas em muitos momentos secundários frente a tantas outras necessidades emergencial que eles demonstram.

Sinto também, que cada aluno vive num mundo diferente e eu como se estivesse num labirinto tentando encontrar o caminho que me leve até esse mundo, que por vezes, é escuro, tímido, distante e sofrido.A entrada nesses mundos depende da permissão de cada aluno e cada um ao seu tempo vai desvelando partes de sua vivência e entendimento das coisas e isso aos poucos vai conduzindo o meu fazer pedagógico.

Bom! Esse é um fragmento da minha história, espero que você neste momento que lê a minha carta, pense nos meus alunos e mim e ajude-nos a continuar a nossa caminhada.


Janaína Santos





Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil.