quarta-feira, 15 de outubro de 2008

De Maria Cristina para Janaína

Olá Janaína,

A minha história de educadora está muito ligada com a história do meu local de trabalho, que é o CMET Paulo Freire_ Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire. A criação desse Centro de EJA tem como cenário uma intensa luta da comunidade escolar no Orçamento Participativo (OP) da cidade de Porto Alegre. Localizado no centro da cidade persegue a perspectiva da Educação em Permanência, ou seja, educação para “toda a vida” como está escrito em seu Regimento.

Esse Centro é uma unidade de ensino exclusivamente para educação de jovens e adultos, que funciona nos três turnos: manhã, tarde e noite. O Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA), criado em 1989 na administração do Partido dos Trabalhadores coordena o trabalho do Centro e das demais turmas de EJA que funcionam nas escolas municipais de ensino fundamental, somente no turno noite.

Antes da conquista deste prédio próprio no OP esses trabalhadores tinham aulas primeiramente em salas cedidas, e depois alugadas pela PMPA, em vários locais do centro da cidade. Foi só no ano de 2.000, depois da incansável participação dos alunos e de onze anos de existência, que mudamos para um prédio próprio.

A entrada dos surdos no Centro foi em 1998 e também resultou da participação efetiva da comunidade surda no OP.

A educação de surdos neste local começou com quinze alunos de Totalidades 1, 2 e 3, que correspondem ao início da alfabetização, e eram atendidos por um professor surdo e dois professores ouvintes com conhecimento de LIBRAS. Já no ano de 2.000 começou uma turma de Totalidade 4 e até 2.002 o Centro completou a implantação das Totalidades 5 e 6, finalizando as etapas do ensino fundamental com professores de áreas de conhecimento auxiliados por intérpretes, aqui o Centro estava atendendo setenta alunos surdos.

Os professores de área corajosamente foram se instruindo em LIBRAS, em cursos oferecidos pela PMPA em convênio com a FENEIS e atualmente trabalham sem intérpretes.

A entrada dos educandos surdos despertou a minha curiosidade e a vontade de estabelecer comunicação, por isso comecei a freqüentar os Cursos de LIBRAS, em 1.998, sem a intenção de trabalhar com surdos, apenas aprender a Língua.

Porém surgiu a necessidade de substituir uma colega que estava grávida, estávamos em 2.005, eu já havia concluído os três níveis do Curso de LIBRAS, mas nem de muito longe pensava alfabetizar educandos surdos. Muitas eram as dúvidas:

Como vou me comunicar com eles sabendo tão pouco de LIBRAS?

Como um surdo se alfabetiza no Português?

Será que poderei usar o que aprendi na alfabetização dos alunos ouvintes?

A medida em que o medo foi sendo sobreposto pela curiosidade e fui recebendo mais informações do grupo de T1 dos surdos as questões foram se modificando. Era uma turma de mais ou menos nove alunos, com outras deficiências além da surdez, tinham pouco contato com LIBRAS, usavam mais sinais próprios aprendidos em casa, vinham de escolas aonde haviam repetido muitos anos, um aluno era cadeirante, então o pânico me invadiu. Comecei um Curso de Capacitação para Trabalhar com Pessoas Surdas e por fim a colega que necessitava ser substituída, doutora em Educação e Surdez pela UFRGS, argumentou que ainda estava buscando estratégias e conhecimentos para trabalhar com esse grupo. A humildade da colega, que já acumula anos no trabalho com a educação de surdos me fez sentir vergonha da minha covardia, além é claro de colocar-me em situação de incoerência direta quando falo aos educandos sobre a necessidade de arriscar-se.

Então antes de assumir o grupo fui um dia de manhã para vê-los e conversar com a professora da turma. O combinado era eu voltar na quarta-feira, dia 15 de junho de 2.005, data do início da licença da professora para começar a trabalhar com a turma, ainda acompanhada por ela é claro! No dia marcado cheguei e fui subindo para o quarto andar, tentei ir conversando com os alunos usando minha parca comunicação e o tempo foi passando e a professora não chegava, o que era muito estranho, pois nada havia sido comunicado sobre sua possível ausência. Outra colega resolveu ligar para a professora e todos fomos informados que ela dera a luz no seu primeiro dia de licença! A minha primeira aula deu-se no susto de me ver sozinha tentando explicar, em LIBRAS e com gravuras, aos alunos que sua professora havia ganhado nenê. Bah!

Beijos e Abraços da Maria Cristina Simioni

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