Querida amiga secreta Adriana Thoma,
É com alegria que vou relatar a minha caminhada na Educação de Surdos para uma pessoa que conheço pessoalmente há pouco tempo mas suas idéias e pensamentos conheço há algum tempo através dos seus escritos.
Sempre sonhei em ser professora, seguir a mesma carreira de minha mãe, mas a pedido do meu pai cursei Secretariado na Escola Técnica de Comércio – UFRGS e me formei sem ter gostado do curso.
Fui atrás do meu sonho e ingressei no Magistério, nunca me esqueço da cena do meu primeiro dia de aula, aquelas duas jovens com aparelhos auditivos sentadas nas primeiras fileiras da sala, olhando para o professor, enquanto os outros riam conversavam elas ficavam com a mesma expressão. Foi então que perguntei para uma colega: “o que acontece com elas?” e uma colega respondeu: “são surdas”! Sentei ao lado delas e comecei a escrever bilhetes, tentando ajudá-las de alguma forma, foi a primeira vez que vi a Língua de Sinais. Desde aquele dia nunca mais nos separamos, dia-a-dia fui aprendendo mais e mais sinais, e meu amor crescia por esta língua, nesta época não sabia que era uma língua, achava que era apenas uma forma de comunicação. Fiquei mais admirada ainda, quando as meninas me disseram que eram irmãs gêmeas.
De repente uma mudança ocorreu em meus pensamentos, eu só pensava nesta nova língua que estava aprendendo com aquelas jovens surdas, e quando a irmã delas, que era ouvinte, não podia estar presente para interpretar as aulas, eu “tentava interpretar” de alguma forma as aulas. Houve situações em que briguei com professores, (o mais engraçado é que eu não tinha conhecimento nenhum na área da surdez) para aceitarem a escrita das minhas colegas, que não era justo exigir o mesmo português das alunas ouvintes nas provas e trabalhos.Um dia as jovens me convidaram para conhecer a escola especial para surdos que sempre estudaram e se formaram qual foi a minha surpresa? A escola se localizava uma rua acima da minha casa, fiquei impressionada comigo mesma, tamanha ignorância, como eu nunca tinha parado para observar aquelas crianças e jovens que passavam tão perto da minha casa “gesticulando” (era assim o meu pensamento).
Esta escola especial para surdos me recebeu de braços abertos, a direção me convidou para trabalhar voluntariamente auxiliando os professores em sala de aula. Foi então que começou o meu aprendizado na área da surdez, os professores eram ótimos e via o ensino acontecer de fato. Eu fiquei extasiada, petrificada quando tive contato pela primeira vez com crianças surdas, me apaixonei por aquelas mãozinhas pequenas e fofas sinalizando sem parar e perguntando qual era o meu sinal.
Me formei e fui contratada pela escola como auxiliar de professora, e quando necessário, eu fazia a substituição dos professores. Foram quatro anos de um rico aprendizado. Paralelamente ao meu trabalho cursava Pedagogia – Orientação Educacional. Neste mesmo período me tornei intérprete oficial da LIBRAS.
Surgiu uma vaga e a escola me contratou como professora da Educação Infantil, amava aqueles meus pequenos alunos. A minha primeira turma foi o nível B, aprendi mais do que ensinei. Isto aconteceu no ano de 1999, e até hoje tenho contato com a maioria dos alunos desta turminha, hoje em dia, alguns deles, já estão cursando o 2°grau. Seus nomes estão gravados no meu coração.
Num turno eu era professora, em outro intérprete e em outro estudava na Faculdade, ufa! Nesta minha caminhada fui intérprete no CMET e tive a feliz oportunidade de conhecer surdos adultos em processo de alfabetização, surdos trabalhadores que durantes as noites buscavam uma formação no ensino fundamental.
Foi então que Deus me guiou para uma outra escola especial para surdos, na qual fui recebida tão bem quanto a primeira, era a Escola Especial para Surdos Frei Pacífico, na época o nome desta era Escola Frei Pacífico – Educação para Surdos. As Irmãs me receberam carinhosamente, e é neste espaço que permaneço até os dias atuais.Só tenho que agradecer a esta Escola, tudo que estou aprendendo neste espaço. Aprendo com os meus colegas, nas trocas, nas atividades internas de formação pedagógica e principalmente com os meus alunos. Sou professora da Educação Infantil nível A e das séries finais Língua Inglesa.
Sempre gostei de estudar, resolvi fazer especialização, procurei na área da surdez e na época ainda não havia nada específico voltado para o ensino aos surdos. Portanto, optei pela Especialização em Educação Especial na Educação Infantil. O tema do meu trabalho de conclusão foi “As diversas interações da criança surda”.
Ser professora da Educação Infantil é um privilégio, trabalhar com crianças pequenas surdas é um sonho concretizado, acompanhar o desenvolvimento e a aquisição da linguagem dos meus alunos, observar as suas mãos desvendando o mundo através das experiências que a Escola proporciona, é a gratificação de toda uma caminhada. Uma caminhada que não é solitária, que tem o apoio de toda a comunidade escolar. Espero que tenhas gostado da minha caminhada na Educação de Surdos, uma história de amor e amizade, que teve na experiência “uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem ‘pré-ver’ e nem ‘pré-dizer’ (Larrosa).
Com carinho,
Liège Gemelli Kuchenbecker