terça-feira, 14 de outubro de 2008

De Gilberto para Paulo Bortoli

Estimado amigo, Paulo Bortoli

Em minha memória narrativa, por vários momentos percebi que os caminhos da educação, em especial a de surdos, permitiu a reflexão de experiências e convívios.
Com três tios surdos na família, lembro que na minha infância não havia discussões sobre a educação de surdos e nem tanto, questões lingüísticas, direitos e comunidade surda. Minha família sempre preocupou-se com a escolarização, necessidades e como comunicar-se com os surdos, já que eram três numa prole de onze irmãos ouvintes.
A convivência com o grupo de surdos adultos em Santa Maria era constante e a comunicação, ainda com muitos “gestos” que atendiam a necessidade daquela comunidade, passavam a ser instalados no grupo com a proposta de reivindicação de um espaço escolar, do uso da língua de sinais e a formação técnica de profissionais da educação, extensivo aos familiares. Nesta época, meados de 1990, conheci a Escola Estadual Cícero Barreto, que promoveu um encontro de surdos – alunos e familiares – para discussão da importância da escolarização dos surdos e os cursos de língua de sinais. Nascia ali, numa relação dialógica, o movimento da comunidade surda, professores e familiares de Santa Maria e o desejo em aprender e melhorar a comunicação com os meus tios e amigos surdos.
Pude conhecer como aconteciam às aulas de língua de sinais para as alunas do curso de graduação em Educação Especial no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão – NEPES – da Universidade Federal de Santa Maria.
Por caminhos e descaminhos, obtive uma formação básica de comunicabilidade. Uma tia surda mudou-se para Porto Alegre para cursar o ensino médio na Escola Concórdia e eu ingressei no curso de Ciências Contábeis na UFRGS. Passei a morar com ela em Porto Alegre.
Nos finais de semana, convivia com inúmeros surdos. Conheci a Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul – SSRG, a colônia de férias em Capão da Canoa e amigos como a Lisandra, a Jéssica, a Simone, a Fernanda, a Márcia, o Augusto e Ana Luiza, o Rober, o Itamar, o Wilson e Maria, a Marianne, enfim! Minhas necessidades de melhorar a comunicação forma mais presentes, mas a “necessidades” eram distantes, até porque estagiava num Banco, cursava Ciências Contábeis e não fazia parte de um cotidiano naquele momento.
Ao término do quarto semestre de graduação, ao final de 1997, minha tia estava no último ano do ensino médio com muitas dificuldades na matemática e receio de reprovação com a perda da bolsa de estudos. Dediquei-me a auxiliá-la naquilo que podia, mas os conhecimentos lingüísticos não nos favoreceram, afinal a necessidade específica da área matemática exigiam um vocabulário mais elaborado e muitas questões me afligiram no processo educacional dos surdos. Ela foi aprovada e concluiu o ensino médio e um novo caminhou estava concretizando-se na minha vida pessoal e profissional.
Decidi trancar o curso na UFRGS e tentar o ingresso no curso de Educação Especial – Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação. Com o ingresso em 1998, inicia-se ai a minha caminhada na educação de surdos. Cursos, seminários e palestras fizeram parte da minha construção e discussões, tendo concluído graduação e especialização em Educação Especial na área da surdez, Intérprete da LIBRAS, formação em Psicopedagogia Institucional e Clínica e efetivação hoje, com os estudos em Neuropsicologia com o intuito de pesquisa relacionada à surdez, o processo de produção de imagens e de (re) construção da escrita pelo qual passa a criança surda, revelam a existência de um sujeito ativo em complexidade de elementos linguisticos. Todas estas questões que elucidam e desafiam minha prática enquanto professor na Educação de Jovens e Adultos Surdos em Porto Alegre e em Cachoeirinha.
Caminhos que trilho com lutas e desafios. Tenho certeza de que o objetivo maior é a de contribuir para uma “descoberta” diária, uma transformação mútua no fazer pedagógico da educação de surdos na qual acredito!
Um grande abraço,

Gilberto Machado Maia
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