terça-feira, 14 de outubro de 2008

De Ana Luiza Para Maria Cristina




Prezada ex-aluna e colega Maria Cristina!

Quando abrir o pedacinho de papel que aleatoriamente escolhi, fiquei muito feliz que as letras juntas formavam o teu nome, então me empolguei a revelar a você a minha história.
Estou escrevendo a minha experiência e também meu registro na memória narrativa.
Pensando no passado. Lembrei que comecei a trabalhar em uma empresa, onde desempenhava a função de digitadora, nem pensava em ensinar, em ser educadora...
Na época quem governava era o Presidente Collor mudou todo a econômica, então perdi o emprego. Estava desempregada. Minha amiga me disse que eu deveria estudar para me formar e conseguir rápido um emprego. Já era formada no 2º grau. Não tinha currículo com muita experiência, só de digitadora. Não gostava da profissão de professor/educador. Porém o conselho de minha amiga desafiava-me, pois é muito importante estudar para crescer profissionalmente e ter uma formação.
Resolvi retomar aos estudos, cursando o magistério. Então me matriculei no Colégio Vera Cruz, era inclusão, não tinha interprete. Eu tinha dificuldade de entender a teoria, pedia a minha colega que me ajudasse escrevendo em um caderno pequeno as coisas mais importantes. Minha colega ouviu tudo o que disse pela professora, também me apoiava me explicando o significado das palavras. Eu ficava admirada, pois minha colega me ajudava muito, tinha muita paciência e me tratava muito bem.
Em 1996, fiz curso de 20 horas instrutor de Libras na Feneis, um curso básico de didática para ouvintes Mais tarde a Lodenir Karnopp me convidou instrutora de Libras com acompanhante Carlos Alberto Góes, ele onde lecionava curso de Libras – básico da Feevale em Novo Hamburgo, me orientou e aprendi muitas coisas as práticas de Libras a relação que estabelecemos com ele. Só 20 horas. No curso magistério me orientou as didáticas da prática, me apoiou como educadora.
No decorrer do curso percebi a falta da prática de ensino. Então fui até a escola Lilia Mazeron fazer um estágio. Eu não sabia ensinar? E não sabia como fazer?Mas minha colega, também professora do Lilia me disse para ficar calma que a prática era fácil. Então, fui me adaptando e fui percebendo que a teoria distante da prática não vale a pena.
A partir daí, pesquisei vários livros didáticos, fui adaptando os materiais e as metodologias para ensinar os alunos surdos.Dessa forma, fui descobrindo os significados das palavras, as frases... Como elas eram traduzidas do português para Libras, também ampliou o meu conhecimento sobre os diferentes verbos. A pesquisa e o estudo me ajudavam muito.
Mais tarde ingressei no estágio do magistério, em uma segunda série. Nesta ocasião, enfrentei uma barreira. A mãe dos alunos, não aceitava uma professora Surda, porém a minha supervisora do Lilia Mazeron, me apoiou dizendo que eu iria ensinar os alunos surdos. Quando eu ensinava, tinha muita didática. Eu falava em língua de sinais e os alunos prestavam muita atenção tanto na professora quanto nas mãos da mesma.
No decorrer do meu estágio, os alunos foram desenvolvendo a compreensão das palavras e da leitura através da língua de sinais, bem como a memória. Uma mãe percebeu que seu filho vinha apresentando uma melhora significativa, então escreveu um bilhete para mim. Quando li o bilhete fiquei emocionada, percebi a importância do modelo surdo na escola. A professora titular era muito querida e trocávamos muitas idéias de trabalho pedagógico.
Mais tarde passei concurso de Gravataí, ingressei em 1999 como funcionária pública. Além disso, iniciei a faculdade na Ulbra. O ensino lá enfatizava muita teoria e pouca prática. Por isso fiz o magistério, que me ajudou desenvolver diferentes atividades pedagógicas. O magistério serviu de boa base fazendo a união entre teoria e prática.
As várias instituições PUC, ULBRA,UNILASALLE, UNISINOS, SMED POA comecei a lecionar o níveis do cursos de língua de sinais básico, intermediário e avançado. Tenho muito ex-alunos que sumiram, mas há também muitos reencontros. Pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, trabalhei em uma turma do curso de Libras em 2000, no qual a aluna Maria Cristina participou, percebi que ela estava começando a aprender a básico de Libras. Se houvesse dúvida em algum sinal a turma ligava para a professora, havia troca constante, conversávamos, brincávamos em Libras, amei a turma e participação dos mesmos. Eram interessadas e divertidas. Depois mudei para o CMET, novamente voltei a ensinar Libras.
Na disciplina de Português Instrumental da professora Lodenir Karnopp, gostava das colegas surdas, porque era fácil a comunicação, era direta em Libras. A professora percebeu que eu incentivava as aulas, quando acontecia de adoecer ou faltar por algum motivo, à aula ficava parada, as colegas quietas. No momento em que eu retornava, a professora Lodenir me dizia: “Quando você está em aula, às colegas ficam mais animadas e alegres”. Então, eu ficava feliz por todos. Recebi a avaliação da professora Lodenir, em junho de 2001:
“... Teu entusiasmo traz ânimo aos colegas e professores”.
Tua participação sempre foi muito boa em aula. Tenho certeza de que todos os colegas aprenderam contigo também através de tuas exposições, colocações, perguntas e trabalhos feitos.”“.
Em 1998, me escrevi no concurso público da prefeitura de Porto Alegre, não fui aprovada. Mais tarde em 2003 tentei novamente o concurso, fiz a prova de conhecimento, teve 30 surdos educadores (mais ou menos) nenhum foi classificado. Eu também pensei ter sido reprovada, frustrada me esqueci do concurso por muito tempo. Continuava trabalhar na prefeitura de Gravataí – Emees. Quando retornava das férias em 2004, percebi que as colegas comentavam sobre a prova de Libras. Foi então que perguntei a Márcia Nunes, e ela me disse: no feriadão de páscoa vou fazer a prova de Libras do concurso da prefeitura. Então respondi: Boa sorte. Então ela me respondeu: Tu também vais fazer a prova. Eu fiquei apavorada, e não acreditava ter passado no concurso. E também já estava com tudo pronto para viajar no feriadão. Tive sorte! E agradeci a Márcia por me avisar. Então, fiz a prova de Libras, fui aprovada e esperei muito tempo até a convocação. Não posso desistir, mas sempre lutar, seguir em frente. Recebi apoio da minha mãe, que conversava comigo sobre o concurso. Tinha contato com o CMET que também manifestou a necessidade de mais um professor surdo, mas demorou muito tempo, a validade do concurso ia até julho de 2008, estava ansiosa. Recebia jornal Zero Hora todos os dias, para verificar se tinha sido nomeada. Mas foi no mês de maio, que o meu nome apareceu no edital fiquei emocionada e empolgada. A CMET ficou muito feliz com a minha entrada na escola. Lá, reconheci alguns dos meus ex-alunos ouvintes que agora viraram colegas. Atualmente sou professora da totalidade inicial, amo minha profissão e a oportunidade de reencontrar colega Maria Cristina, percebi que ela já evoluiu na língua de sinais nos comunicamos, trocamos idéias. Quando sorteei o teu nome, fiquei muito feliz por poder relembrar uma experiência e agora registrá-la. Também trabalho na escola municipal de Salomão Wantnick.
Quero falar período significativo de inserção sócio-cultural, que a Universidade do Vale do Rio dos Sinos me propiciou no ano de 2006. Neste mesmo ano conclui o meu Mestrado em Educação e fui convidada pela Universidade, e pela professora Maura Corcini Lopes para ministrar a disciplina de Cultura Surda e de Libras. Fiquei lisonjeada com o convite para trabalhar na Universidade, afinal iria poder transmitir, interagir, discutir sobre a Cultura Surda e a Língua de Sinais, principalmente na formação de professores, pois foi para o Curso de Graduação em Pedagogia que fui designada a ministrar a disciplina.
Neste sentido, escrever esta carta me ajudou a refletir e a percorrer todo o caminho do meu fazer pedagógico e isto me desafia a crescer através da minha própria experiência.
Afinal me transformei em uma educadora, às vezes com dificuldade de ensinar outras não, construir ou desconstruir... Tudo depende dos alunos. Estes me provocam a transformar cada dia da minha vida e me estimulam a registrar a minha experiência pessoal.
Espero que você tenha gostado do meu registro!!! E desejo conviver mais com você e continuar trocando experiências.

Ana Luiza Paganelli Caldas

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