Olá, Amiga Marlei!
Tudo bem com vocês?
Espero que só, alegrias e mais alegrias.
Acredito que será muito legal poder estar fazendo um relato de minha experiência na educação de surdos para você que é uma amigona de coração. Na verdade uma das minhas primeiras amigas, e não apenas colega, na escola Frei Pacífico. Será um prazer, então, poder estar contando para você a minha trajetória.
Como você já sabe a minha mãe tem autoesclerose e foi perdendo a audição após a sua primeira gestação, mais precisamente aos vinte e um anos de idade. Então, durante a minha infância, e tenho recordações mais claras do início da minha adolescência, presenciei o sofrimento dela em alguns momentos.
Acredito que, inconscientemente, isso me fez buscar e me fascinar pela educação de surdos. Lembro-me que quando estava fazendo a escolha de um curso superior, comecei a descartar as opções que eram inviáveis como o curso de medicina veterinária e medicina, por serem cursos muito concorridos.
A minha mãe insistia que eu fizesse pedagogia, então fui pesquisar todas as possibilidades de cursos da pedagogia, lembro-me que durante as minhas pesquisas descobri o curso de pedagogia educação especial com ênfase em surdez em Santa Maria, impossível pela distância, meus pais nunca aceitariam. O curso de educação especial em Porto Alegre era com ênfase em deficiência mental. Pensei, repensei e optei por fazer a pedagogia orientação educacional, por ser mais ampla e ter maiores possibilidades de mercado de trabalho e posteriormente faria a educação especial.
Ingressei no curso em 1998, durante o curso de pedagogia iniciou na faculdade o curso de Libras em 2000, fiz o possível e o impossível para poder participar. Lembro-me como se fosse hoje, a professora Ana Luiza (surda) nos ensinando os sinais básicos da Libras. Fiquei fascinada e queria mais, mas a PUC não deu continuidade nos próximos cursos. Como eu participava do DAFE (Diretório Acadêmico da Faculdade de Educação) conversei com a Direção da faculdade que me orientou a fazer um abaixo assinado com o nome das pessoas interessadas. Então, fiz um painel com a propaganda do curso e organizei um documento com a assinatura das pessoas interessadas, que foram muitas, mas mesmo assim não abriram novos cursos naquela época.
No meu período de estágio, fui buscar estágio na escola Frei Pacífico. Recordo que a Ir. Elena disse que eu deveria ter todos os cursos de libras, não poderia realizar o estágio apenas com o curso básico. Então, fiz o estágio na escola Tiradentes da Brigada Militar, e fui para a FENEIS fazer os cursos intermediário (prof Ricardo) e avançado de Libras (prof Marcelo).
Ao concluir os cursos iniciei na escola Frei Pacífico, no ano de 2002, o trabalho voluntário com a Ir. Célia nas atividades do grupo de jovens e o grupo de teatro, e foi lá, no contato quase que diário com os adolescentes que aprendi a língua de sinais. A Diretora na época queria muito que eu fosse a orientadora educacional da escola, lembro que eu participava das reuniões de professores como observadora. Isso me incentivava cada vez mais a aprender a Libras e projetar o meu trabalho na educação de surdos.
No ano de 2003, apoiei a professora Fernanda no estágio da faculdade, que também era Orientação Educacional, período em que a Ulbra estava passando por momento difíceis em relação aos interpretes. Durante as atividades de apoio, eu participava dos momentos na escola Frei Pacífico junto ao Serviço de Orientação Educacional como voluntária. Foi bárbaro, pude aprender juntamente com a Fernanda como funcionava o SOE em uma escola de surdos.
No início do ano de 2004, a direção da escola então me convidou para trabalhar no Serviço de Orientação Educacional e como professora do Ensino Religioso, foi maravilhoso, apesar do grande desafio da sala de aula em uma disciplina que eu não dominava os conteúdos e com pouca fluência na Libras, mas durante todo ano recebi apoio do Serviço de Orientação Religiosa com a Ir. Rosimar, dos alunos e dos colegas professores e serviços. Foi um ano de aprendizagens significativas e muitas realizações.
Atualmente trabalho oficialmente há quatro anos na educação de surdos, seis anos se contarmos o período de trabalho voluntário.
Foram anos de grandes desafios e aprendizagens que me entusiasmaram a aprender cada vez mais sobre o sujeito surdo, a comunidade surda, e suas nuances. Ao longo do percurso pude estar junto aos surdos, na luta, na caminhada, na busca de uma melhor qualidade de vida, no desejo de uma educação emancipatória, que incentiva o protagonismo, voltada para a construção de identidades pessoais e profissionais, favorecendo a elaboração de projetos de vida que desejem o sucesso.
Na minha trajetória tenho muitas pessoas para agradecer pelo carinho e apoio durante estes anos na educação de surdos. São pessoas especiais que sustentaram e alicerçaram o meu trabalho, valorizando as minhas aprendizagens, incentivando e auxiliando nas minhas construções enquanto profissional. E a você, Marlei, que sempre foi uma grande amiga, que muitas vezes nos bastidores da vida me disse coisas bem legais que considerei e refleti para aprimorar o meu trabalho.
Neste ano de 2008 estarei concluindo o curso de Pós-graduação em Educação Sexual, que tenho certeza que será mais um desafio, principalmente na elaboração do artigo final do curso, que estou fazendo muitos estudos interessantes em relação ao sujeito surdo e sua cultura.
Atualmente, estou trabalhando com grupos de meninas no projeto da escola “Coisas de Meninas” com as alunas da 4ª série e também tenho o projeto “Feminina” com o grupo de mulheres surdas adultas na Pastoral do Surdo. Está sendo maravilhoso poder estar falando com as surdas sobre este tema, ainda tão cheios de tabus e preconceitos.
A carta ficou um pouco extensa, tentei resumir, mas não tinha como falar da minha trajetória sem lembrar dos pequenos detalhes, momentos significativos e importantes. Acredito que tinha alguns detalhes que você já conhecia e outros não.
Espero que tenhas gostado. Sei que você é uma pessoa apaixonada pela educação de surdos, assim como eu, luta por uma educação de qualidade e se incomoda com algumas situações presenciada ao longo dos percursos e percalços da experiência docente.
Desejo que você continue a sua caminhada com a mesma alegria de sempre, contagiante e que aproxima as pessoas. Desejo que você continue com a mesma criticidade com as coisas que percebes que não estão indo bem.
Desejo que esta nova vida que você está tendo seja sempre cheia de grandes alegrias e emoções. Você merece, porque você é especial.
Beijos na Manuella, no Maridão e um grande e especial em você.